Os cantares de amigo (ou cantigas de amigo) apresentam processos combinados de construção, que assentam, sobretudo, no paralelismo.
«Cerca de uma quarentena de tais cantigas, nomeadamente designadas como «paralelísticas», apresenta uma estrutura rítmica e versificatória própria, redutível a um muito simples esquema. A unidade rítmica não é a estrofe, mas o par de estrofes, ou, mais precisamente, o par de dísticos, dentro do qual ambos os dísticos querem dizer o mesmo, diferindo só, ou quase só, nas palavras da rima, (...); o último verso de cada estrofe é o primeiro verso da estrofe correspondente no par seguinte. Cada estrofe é seguida de refrão.
A este sistema deu-se o nome de paralelismo. Mediante ele, é possível construir uma composição de seis estrofes e dezoito versos em que apenas há cinco versos diferentes incluindo o refrão, como se vê pelo esquema seguinte:
O refrão atesta a existência de um coro. A disposição das estrofes aos pares e a alternância das mesmas rimas ao longo de toda a composição deixam entrever que se alternavam dois cantores ou dois grupos de cantores. A repetição, à cabeça de cada nova estrofe, do verso final duma estrofe anterior [,] é talvez o vestígio de um primeiro processo de composição improvisada, que obriga um dos improvisadores a repetir o último verso do outro, para o qual devia achar sequência [leixa-pren, processo que ainda subsiste nas quadras ao desafio] »
A. J. Saraiva e Óscar Lopes, História da Literatura Portuguesa (adaptado no esquema e sublinhados)
Transcreve-se a cantiga em causa, um exemplo do paralelismo anafórico, ou seja, a repetição literal entre estrofes pareadas, com exceção das palavras da rima, ou pouco mais.
Note-se que, neste caso, a cantiga se divide a meio quer a nível semântico, quer formal com dois pares de estrofes para cada lado, evidenciando o diálogo entre dois interlocutores:
se sabedes novas do meu amigo!
Ai Deus, e u é?
Ai flores, ai flores do verde ramo,
se sabedes novas do meu amado!
Ai Deus, e u é?
Se sabedes novas do meu amigo,
aquel que mentiu do que pôs comigo!
Ai Deus, e u é?
Se sabedes novas do meu amado,
aquel que mentiu do qui mi á jurado!
Ai Deus, e u é?
– Vós me perguntardes polo voss'amigo,
e eu bem vos digo que é san'vivo.
Ai Deus, e u é?
Vós me perguntardes polo voss'amado,
e eu bem vos digo que é viv'e sano.
Ai Deus, e u é?
E eu bem vos digo que é san'vivo
e seera vosc'ant'o prazo saído.
Ai Deus, e u é?
E eu bem vos digo que é viv' e sano
e seera vosc'ant'o prazo passado
Ai Deus, e u é?
D. Dinis (CV 171, CBN 533), in Maria Ema Tarracha Ferreira, 1991, Antologia Literária Comentada - Idade Média, 5ª ed. Lisboa, Ulisseia (p. 79)