Maria Eugénia Alves - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Maria Eugénia Alves
Maria Eugénia Alves
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Professora portuguesa, licenciada em Filologia Românica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, com tese de mestrado sobre Eugénio de Andrade, na Universidade de Toulouse; classificadora das provas de exame nacional de Português, no Ensino Secundário. 

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Há algum tempo, vi um esclarecimento da Faculdade de Letras de Lisboa para a Normalização Portuguesa sobre a ortografia correta das palavras estanquidade/estanquicidade, obsolência/obsolescência e consultoria/consultadoria. E a resposta foi: quando há duas ortografias possível para a mesma palavra, e não há dúvida sobre o seu significado, opta-se pela mais económica. Repito: este parecer tem algum tempo. Há alguns dias, um amigo maltratou-me porque eu escrevi obsolência em vez de obsolescência, dizendo que tal palavra não existia. Tenho um dicionário de sinónimos da Porto Editora, onde a palavra vem registada. Se se for à internet, também se encontra obsolência

Ficava muito agradecido se me pudessem esclarecer.

Resposta:

Vamos tentar esclarecer a sua dúvida, tendo recorrido à consulta de um número variado de dicionários: PriberamInfopédiaNovo Dicionário Compacto da Língua Portuguesa, de António Morais SilvaHouaiss e Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea de Academia das Ciências.

1. A forma obsolência aparece no Novo Dicionário Compacto da Língua Portuguesa, de António Morais Silva: «obsolência»- neol, qualidade do que é obsoleto, e no VOLP.

    Mas para obsolescência, há entradas em todos os dicionários consultados: (do latim obsolences, -centis), facto ou processo de cair em desuso, de se tornar arcaico ou antiquado; Pat., atrofia dos tecidos por esclerose, Dicionário da Língua Portuguesa Contemporân...

Pergunta:

Qual o processo de formação das seguintes palavras? Retrovisor; ciberespaço; passatempo; descobrimento; ternura; sociologia; trespassar; ilegal; vaivém; belas-artes; bem-me-quer; louvável; cooperar; saltitar; autocarro; desalmado; abraço; apadrinhar; flor da idade; agronomia e planalto.

Obrigada.

Resposta:

A formação de palavras é um processo de renovação e enriquecimento do léxico. A partir de uma forma de base (radical, tema ou palavra) constrói-se uma nova palavra.

As enumeradas na pergunta  são palavras complexas que se formaram por dois processos distintos, derivação¹ e composição², a partir de uma forma de base.

1. Retrovisor – derivação prefixal (retro- prefixo latino que indica movimento para trás + visor)

2. Ciberespaço – composição morfológica* (radical + uma palavra)

3. Passatempo – composição morfossintática**  (palavra + palavra)

4. Descobrimento – derivação sufixal, formando um nome deverbal → descobri(r) + mento, sufixo que indica ação, estado

5. Ternura – derivação sufixal, formando um nome deadjetival → tern(o) + ura

6. Sociologia – composição morfológica (radical socio- + radical -logia)

7. Trespassar –  derivação prefixal (tres- prefixo que indica ...

Pergunta:

Surgiu uma dúvida entre colegas, quando alguém afirmou que a palavra "caixinha" não era uma palavra derivada por sufixação. Teria sido numa formação sobre a Nova Gramática do Português Contemporâneo, [na qual] aprendera tal regra. Fomos investigar, mas não encontrámos nenhuma regra que nos orientasse nesse sentido. Ora, lembrei-me do Ciberdúvidas e que talvez tivesse uma resposta para a nossa pergunta. Aguardo ou aguardamos ansiosamente a vossa resposta!

Agradeço desde já a vossa disponibilidade e o excelente trabalho que realizam nesta página. 

Resposta:

    Há uma resposta aqui, no Consultório desta semana, que vai ao encontro da pergunta da consulente.

    No entanto, quanto à sua dúvida, a palavra «caixinha» é, segundo o Dicionário Terminológico, uma palavra simples¹:

                caix (radical) + inh (sufixo flexional²) + a (índice temático)

 

¹ apenas podem ter afixos flexionais

² indicam-nos como se flexionam as palavras

Pergunta:

Leio com crescente frequência a utilização do verbo "ser" onde sempre foi corrente o recurso ao verbo "estar". Por exemplo, numa mensagem de e-mail com um anexo, por vezes surge o texto «Sou a enviar em anexo (...)».

É correto, ou esta tendência resulta de más traduções de outras línguas onde não há esta distinção ser/estar e que acabam por ser incorretamente adotadas pelos portugueses?

Resposta:

    No Dicionário Prático de Regência Verbal, de Celso Pedro Luft, não há qualquer referência ao uso do verbo ser + preposição a.

   No entanto, esta fórmula é usada em registos epistolares com carácter  de mais formalidade, como se exemplifica nesta carta da DECO«Exmos Senhores, Conforme solicitado por V.Exas, somos a enviar os nossos comentários sobre o documento de consulta relativo ao tema supra identificado, desde já solicitando a V.Exas que relevem o atraso verificado na presente resposta.(...)» ou nesta da Associação dos Municípios Portugueses: «Na sequência do v/ ofício n.º 82 sobre o assunto em epígrafe indicado e da nossa comunicação de 13 de Janeiro de 2015 – OFI:18/2015-SF) somos a enviar, em anexo, o parecer da Associação Nacional de Municípios Portugueses relativo a (...)».

    Note-se que esta expressão é usada há muito tempo, fazendo parte de um formulário muito em voga na administração pública na segunda metade do século XX.

    Também neste tipo de documentos, encontramos a expressão equivalente...

Pergunta:

Relativamente à cantiga de amigo Ai flores, ai flores do verde pino, é constituída por dísticos seguidos de refrão ou por tercetos?

Resposta:

   Os cantares de amigo (ou cantigas de amigo) apresentam processos combinados de construção, que assentam, sobretudo, no paralelismo.

   «Cerca de uma quarentena  de tais cantigas, nomeadamente designadas como «paralelísticas», apresenta uma estrutura rítmica e versificatória própria, redutível a um muito simples esquema. A unidade rítmica não é a estrofe, mas o par de estrofes, ou, mais precisamente, o par de dísticos, dentro do qual ambos os dísticos querem dizer o mesmo, diferindo só, ou quase só, nas palavras da rima, (...); o último verso de cada estrofe é o primeiro verso da estrofe correspondente no par seguinte. Cada estrofe é seguida de refrão.

A este sistema deu-se o nome de paralelismo. Mediante ele, é possível construir uma composição de seis estrofes e dezoito versos em que apenas há cinco versos diferentes incluindo o refrão, como se vê pelo esquema seguinte:

               
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