Maria Eugénia Alves - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Maria Eugénia Alves
Maria Eugénia Alves
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Professora portuguesa, licenciada em Filologia Românica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, com tese de mestrado sobre Eugénio de Andrade, na Universidade de Toulouse; classificadora das provas de exame nacional de Português, no Ensino Secundário. 

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Gostaria de saber como devemos assinalar o refrão de uma cantiga de amigo, quando fazemos o seu esquema rimático. Alguns livros indicam que devemos registar a letra R para identificarmos o refrão neste tipo de cantigas (ex: aaR/bbR/aaR/bbR); outros referem que devemos seguir a lógica da elaboração do esquema rimático e, neste sentido, mudamos a letra do alfabeto conforme muda a rima das palavras, embora a rima do refrão deva ser registada com letra maiúscula (ex: abbaCC/deedCC/fggfCC). Qual destas situações é a correta?

Obrigada.

Resposta:

Em Textos Portugueses Medievais, de Correia de Oliveira e Saavedra Machado, adota-se o esquema rimático de letra diferente grafada com maiúscula para assinalar o refrão, isto é, aa BBB:

 

«Madre velida, meu amigo vi;
non lhi falei e con el me perdi,
     e moir' agora, querendo-lhi ben;
     non lhi falei, ca o tiv' en desden;
     moiro eu, madre, querendo-lhi ben.

Se lh' eu fiz torto, lazerar-mh-o-ei
con gran dereito, ca lhi non falei;
     e moir' agora, querendo-lhi ben;
     non lhi falei, ca o tiv' en desden;
     moiro eu, madre, querendo-lhi ben.

Madre velida, ide-lhi dizer
que faça ben e me venha veer;
     e moir' agora, querendo-lhi ben;
     non lhi falei, ca o tiv'en desden;
     moiro eu, madre, querendo-lhi ben.

                                          &#x...

Pergunta:

Relendo a obra Menino de Engenho, de José Lins do Rego, deparei com a expressão «Entrar por uma perna de pinto e sair por uma perna de pato». Apesar de o contexto ser um guia importante para a compreensão leitora, tenho dificuldade de saber seu sentido idiomático. Poderiam os senhores me dar uma luz?

«As suas histórias para mim valiam tudo. Ela também sabia escolher o seu auditório. Não gostava de contar para o primo Silvino, porque ele se punha a tagarelar no meio das narrativas. Eu ficava calado, quieto, diante dela. Para este seu ouvinte a velha Totonha não conhecia cansaço. Repetia, contava mais uma, entrava por uma perna de pinto e saía por uma perna de pato, sempre com aquele seu sorriso de avó de gravura dos livros de história. E as suas lendas eram suas, ninguém sabia contar como ela. Havia uma nota pessoal nas modulações de sua voz e uma expressão de humanidade nos reis e nas rainhas dos seus contos. O seu "Pequeno Polegar" era diferente. A sua avó que engordava os meninos para comer era mais cruel que a das histórias que outros contavam.» («Menino de Engenho», 2016, Capítulo 20, p. 70)

Resposta:

   A expressão é usada nos contos infantis, normalmente no final, como uma espécie de lengalenga de remate lúdico: «(...) E entrou por um perna de pato e saiu por uma perna de pinto, mandou El-Rei Meu Senhor, que me contassem cinco... », Francisco Ildefonso (Chico Preto), «Joãozinho e Maria», Praia de Areia Preta. Natal, in CASCUDO, Luís da Câmara. Contos tradicionais do Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1986. pp. 163-5.

   No entanto, caiu em desuso, pelo que é difícil atualmente ouvi-la ou lê-la nos contos ou histórias infantis.

   Dá-se o nome de parlendas a uma declamação poética para crianças, acompanhada por música (Dicionário Houaiss). Estas criações anónimas fazem, muitas vezes, parte do folclore brasileiro e passam de geração em geração, veículos de uma cultura oral, popular. São versos simples, divertidos, recitados em brincadeiras de crianças cuja finalidade é entreter e distrair, mas também ensinar. Possuem uma rima fácil, ritmada e repetitiva e, por isso, são populares entre as crianças, contribuindo para o desenvolvimento da memorização, da comunicação, da soci...

Pergunta:

Durante a última semana dediquei horas ao estudo do poema  «O que há em mim é sobretudo cansaço —», de Álvaro de Campos. Contudo, não consigo compreender os versos: «Os amores intensos por o suposto em alguém» e «Essas e o que falta nelas eternamente».

Obrigado pela vossa atenção.

Resposta:

O cansaço de Álvaro de Campos é um tema recorrente da sua poesia numa fase dita «intimista», em que expõe de modo perturbador, muitas vezes dilacerante, tudo o que lhe falhou na vida.

Este é um dos poemas que reitera a sua condição de intranquilidade, inquietação, frustração, desilusão, tédio. O cansaço é assumido como coisa em si mesma, alimenta-se do próprio cansaço, ecoa no labirinto do "eu", gritando-lhe o desapontamento que é a sua vida, ao contrário dos "outros" que encontram um motivo, mesmo reles, para viver. Temos, pois, um sujeito poético em contramão, seguindo opostamente ao resto do mundo, um "eu" marginal que  nunca encontrará lugar no grupo.

Vejamos a estrofe em análise:

A subtileza das sensações inúteis,

As paixões violentas por coisa nenhuma,

Os amores intensos por o suposto em alguém,

Essas coisas todas —

Essas e o que falta nelas eternamente —;

Tudo isso faz um cansaço,

Este cansaço,

Cansaço.

 

Campos lista «essas coisas todas» que os "outros" ambicionam - as sensações, as paixões, os amores - e mostra que todas elas falham em significado: «inúteis», «violenta...

Pergunta:

Nas frases «O que são vírus?», «Qual é o problema?», «Quem é a vítima?», [os pronomes interrogativos] Que, Qual e Quem são sujeitos ou predicativos nestas frases? Porquê?

Resposta:

      Esta questão não tem um tratamento fácil, pela ambiguidade dos constituintes frásicos. No entanto, sustentamos que, nas frases citadas pelo consulente, o que, qual, quem são sujeitos. Como passamos a demonstrar:

  1. Na Moderna Gramática Portuguesa de Evanildo Bechara vem a seguinte explicação: «(...) A segunda particularidade é a possibilidade de comutação do predicativo pelo pronome invariável o, qualquer que seja o gênero e o número do núcleo do predicativo que substitui, quando o verbo é ser, estar, ficarparecer: O trabalho é proveitoso. → O trabalho o é. As alegrias eram passageiras. → As alegrias o eram. Janete é minha irmã → Janete o é.» (p. 351)

Assim, teríamos: 

O que são vírus? → O que o são? 

Qual é o problema? →  Qual o é?

Quem é a vítima? → Quem o é?

     Mais à frente, na p. 452, no âmbito da concordância verbal, escreve o gramático brasileiro: «(...) o  verbo ser se acomoda à flexão do predicativo, especialmente quando se acha no plural. São os seguintes os casos e...

A propósito do «Dia das Bruxas», sim ou não?

Os festejos em Portugal do Dia das Bruxas – o Halloween em inglês –, uma celebração até há poucos anos circunscrita a alguns países de língua anglo-saxónica (especialmente nos EUA), em 31 de outubro, véspera do feriado religioso do Dia de Todos os Santos, de forte tradição católica, e as suas reações extremadas entre “tradicionalistas” e “modernistas”.