Maria Eugénia Alves - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Maria Eugénia Alves
Maria Eugénia Alves
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Professora portuguesa, licenciada em Filologia Românica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, com tese de mestrado sobre Eugénio de Andrade, na Universidade de Toulouse; classificadora das provas de exame nacional de Português, no Ensino Secundário. 

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Gostaria de obter ajuda para as seguintes questões: 1) Qual das frases está correta: a) O IPSS, I.P. tem diversas responsabilidades. b) O IPSS, I.P., tem diversas responsabilidades. c) O IPSS, IP, tem diversas responsabilidades. d) O IPSS, IP tem diversas responsabilidades. ou a) A Solvex, S.A. é a única empresa no mercado. b) A Solvex, S.A., é a única empresa no mercado. c) A Solvex, SA é a única empresa no mercado. d) A Solvex, SA é a única empresa no mercado. Essencialmente, a minha dúvida prende-se com o uso da vírgula neste contexto, não sabendo se há separação de elementos essenciais constituintes da frase ou se a vírgula (entre IPPSS e IP e entre Solvex e SA) faz parte do sujeito. 2) Da mesma forma, gostaria de perceber se os pontos de abreviatura em I.P. ou S.A. se colocam ou se seguem o mesmo processo adotado nas siglas precedentes. 3) Finalmente, gostaria de perceber se existe um espaço entre o ponto e a próxima letra, nestes casos: S.A. ou S. A.? I.P. ou I. P.?

Muito obrigado.

Resposta:

Respondendo às questões postas pelo consulente, vejamos: 

1. «O IPSS, I.P., tem diversas responsabilidades.» e «A Solvex, S.A., é a única empresa no mercado.» são a alínea correta, uma vez que se entende que  I.P. e S.A. são uma outra sigla explicativa que se acrescenta à inicial e, por isso, deve ser colocada entre vírgulas;

2. Os pontos devem ser colocados, pois indicam a abreviatura das palavras da sigla: I.P. = Instituto Público; S.A. = Sociedade Anónima;

3. Não deve existir espaço entre o ponto e a letra seguinte: I.P., S.A.

 

CfA Folha,  Boletim da língua portuguesa nas instituições europeias

Pergunta:

A minha questão prende-se com a ordem da mesóclise dupla, por exemplo nas expressões «A Joana dar-vo-la-ia.» ou «A Joana dá-la-vos-ia.» A Gramática de Lindey Cintra parece sugerir que apenas a primeira forma está correta, mas não há qualquer teoria que sustente essa sugestão. Será que me podem ajudar?

Resposta:

Segundo a Gramática de Português, de Maria Regina Rocha, a regra é a seguinte:

«Os pronomes pessoais, nas formas de complemento direto e indireto, contraem-se numa única forma quando se encontram em contacto.

Ex.: Limpei a casa à tua mãe → limpei-lha (lhe+a)

        Podes entregar-me os livros amanhã → Podes entregar-mos amanhã (me+os)

        Ele mostrou-vos os jogos → ele mostrou-vo-los (vos+os

 

Pode concluir-se que a colocação do pronome pessoal na forma de complemento indireto antecede o da forma de complemento direto.

Assim, só a frase «A Joana dar-vo-la-ia.» está correta.

 

Nota: os constituintes a roxo, complemento direto; a verde, complemento indireto

Pergunta:

No manual de 11.º ano, Caminhos, surge a seguinte questão - que ainda por cima está integrada num teste com a estrutura do exame e em que quase todas as questões são extraídas de exames nacionais: «A forma verbal "estão expostos" encontra-se no: a) presente do modo indicativo. b) pretérito perfeito composto do modo indicativo. c) pretérito-mais-que-perfeito composto do modo indicativo. d) pretérito perfeito composto do modo conjuntivo.» A solução dada como correta é a b), o que considero errado.Gostaria de esclarecimentos, por favor.

Resposta:

"Estão expostos" não é o pretérito perfeito composto do modo indicativo, como diz, uma vez que este se conjuga da seguinte maneira:  

eu tenho exposto
tu tens exposto
ele tem exposto
nós temos exposto
vós tendes exposto
eles têm exposto

O que acontece no caso de estão expostos é uma construção que se designa por passiva adjetival. Na Gramática da Língua Portuguesa, Maria Helena Mira Mateus et al. (Lisboa, Editorial Caminho, págs. 522 e ss.), acede-se à explicação desta construção, que tem um sentido específico:

«Do ponto de vista interpretativo, enquanto as passivas sintácticas focalizam a transição sofrida pelo argumento com o papel temático interno directo, as passivas adjectivais focalizam o estado resultante da transição sofrida. Esta interpretação aspectual das passivas adjectivais está plausivelmente na origem de restrições sobre os verbos a partir dos quais podem ser derivados os adjectivos que nelas ocorrem.»¹ Assim, podemos considerar estes particípios como adjetivos derivados, o que poderá significar que já não estamos a tratar de um verbo, mas de palavras de diferentes classes. 

Consultar aqui. 

¹ Citação conforme o original.

Pergunta:

Gostaria que me esclarecessem o seguinte: nas frases «Fernão Lopes foi um bom historiador, mas também foi um excelente cronista.» e «A NASA tem uma vertente científica muito importante, mas preocupa-se também com a preservação da História.», as orações coordenadas são ambas adversativas ou são copulativas, uma vez que "também" adiciona informação?

Resposta:

      Embora a conjunção coordenativa mas seja classificada no grupo das adversativas, «que ligam dois termos ou duas orações de igual função, acrescentando-lhes uma ideia de contraste»¹, acontece que em determinados contextos adquire o sentido da adição, como é o caso apresentado nas duas frases da consulente. Estamos a falar do valor semântico da palavra que aqui adquire o da adição: «É um aluno estudioso, mas principalmente dedicado.»

       A conjunção mas pode adquirir valor aditivo, como preconiza a Nova Gramática do Português Contemporâneo, «é uma partícula que apresenta múltiplos valores afetivos.¹». Além da ideia básica de oposição, de contraste, pode exprimir, entre outras, a de adição.

       Exemplo: «É uma aluna estudiosa, mas (= e) essencialmente esperta.» [uma qualidade junta-se à outra]      

                       «Anoitece, mas a vida não pára», Raul Brandão, Os Pescadores

       Na situação inversa, a conjunção “e” (aditiva/copulativa) pode aparecer com valor adversativo.

       Exemplo: «É ferida que dói e não se sente.» (Camões). [= mas[
 
<...

Pergunta:

Em que contextos se deverá usar a forma de tratamento "Dona" com uma senhora? E é incorreto/impróprio, em casos de inexistência de proximidade familiar ou com um colega, utilizar apenas o nome próprio, com o verbo conjugado na terceira pessoa? Por exemplo, nas frases: «D.ª Maria, não se esqueça da sua chávena de chá», «Maria, não se esqueça da sua chávena de chá», quando é que cada uma das formas de tratamento é aceitável?

Resposta:

     As formas de tratamento em português são inúmeras, o que dificulta por vezes o uso adequado, podendo, se errarmos, ferir suscetibilidades de difícil remedeio. No seu uso quotidiano, não devem ser esquecidos fatores diversos que não são despiciendos quando nos dirigimos a alguém, tais como: hierarquia, estatuto, idade, relações de proximidade, entre outros.

     Posto isto, vamos à pergunta concreta: o uso de dona sem o senhora anteposto será sempre entendido como menos respeitoso. Pode, no entanto, ser usado numa situação em que ambos os sujeitos da relação o permitam, isto é, «D.ª Maria, não se esqueça da sua chávena de chá» é possível, desde que o emissor da frase tenha um estatuto/idade/hierarquia superior ao do destinatário.

    Sendo assim, é preferível usar-se em substituição o nome próprio seguido da 3.ª. pessoa do singular «Maria, não se esqueça da sua chávena de chá», pois revela que há uma relação relativamente próxima (mas não tão familiar que permite o tratamento por "tu"), mas sem sobranceria, situação que pode eventualmente existir em 'Dona' sem 'Senhora'...

    «Sra. D.ª Maria, não se esqueça da sua chávena de chá» é usado numa situação formal, é um tratamento cerimonioso, mostra que o destinatário é alguém a quem devemos consideração e respeito, ou é mais velho, ou tem um estatuto superior. É, por isso, recomendável o seu emprego, porque não oferece ambiguidade.

 

Fonte: