Inês Gama - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Inês Gama
Inês Gama
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Licenciada em Português com Menor em Línguas Modernas – Inglês pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e mestre em Português como Língua Estrangeira e Língua Segunda (PLELS) pela mesma instituição. Fez um estágio em ensino de português como língua estrangeira na Universidade Jaguelónica em Cracóvia (Polónia). Exerce funções de apoio à edição/revisão do Ciberdúvidas e à reorganização do seu acervo.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Diz-se «não vejo melhorias» ou «não vejo melhoras»?

Obrigado

Resposta:

Ambas as frases estão corretas e podem, nalguns contextos de uso, ter um sentido equivalente.

O nome melhora tem, segundo a grande maioria dos dicionários da língua portuguesa, o nome melhoria como um dos seus possíveis sinónimos em alguns dos seus sentidos. Por conseguinte, quando se pretende referir uma «mudança para um estado, uma condição ou uma situação mais favorável; ato ou efeito de melhorar ou de se melhorar» (Dicionário da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa), os termos melhora e melhoria são sinónimos, ou seja, têm equivalência quando se referem a coisas ou situações. Portanto, imagine-se que se pretende referir o facto de, no futuro, as condições de vida não irem ficar boas, é possível dizer:

(1) «Não vejo melhorias das condições de vida.»

(2) «Não vejo melhoras das condições de vida.»

Outro sentido em que o nome melhora pode ser usado como sinónimo de melhoria é quando se aborda a «transição para um estado de saúde, uma condição física ou psíquica mais saudável; alívio de doença» (Dicionário da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa). Com efeito, numa situação em que se tenciona mencionar que o estado de saúde de alguém não apresenta uma evolução positiva, pode-se dizer:

(3) «Não vejo melhorias no seu estado de saúde.»

(4) «Não vejo melhoras no seu estado de saúde.»

Contudo, nos casos em que se pretende desejar a alguém que, por situação de doença, se encontra num estado físico vulnerável, uma breve recuperação, em português europeu, a tendência é para usar apenas o nome...

O adjetivo <i>rocambolesco</i>
O caso dos adjetivos que derivam de nomes de personagens literárias

O adjetivo rocambolesco é o tema deste apontamento da consultora Inês Gama.

Pergunta:

Qual a função sintática da expressão «do mundo» em «Dando os corpos (...) a perigos incógnitos do mundo»? Modificador restritivo do nome?

Grata!

Resposta:

A expressão «do mundo» no sintagma nominal «a perigos incógnitos do mundo» desempenha de facto a função sintática de modificador restritivo do nome.

O modificador restritivo do nome tem como função principal restringir a referência do nome que modifica. Portanto, no caso apresentado pela consulente, «do mundo» está a circunscrever a entidade descrita pelo nome perigos, ou seja, os perigos mencionados no enunciado apresentado são os relativos ao mundo.

Os modificadores do nome (restritivos e apositivos) podem, por vezes, confundir-se com o complemento do nome. Contudo, enquanto os complementos do nome são selecionados por um nome, os modificadores do nome não são selecionados pelo nome, restringindo ou não a referência do nome que modificam.

Diz-se <i>imperial</i> ou <i>fino</i>?
A variação linguística na nova música de Ana Bacalhau e Cláudia Pascoal

A propósito da música "Imperial é fino", interpretada por Ana Bacalhau e Claúdia Pascoal e escrita por Capicua, a consultora Inês Gama aborda a variação linguística do português europeu, a qual gera, por vezes, uma competição linguística saudável entre alfacinhas (lisboetas) e tripeiros (portuenses).

Pergunta:

Ultimamente tem-se ouvido «vamos repercutir isso, vamos repercutir aquilo».

Quem repercute é o fato ou é a pessoa que fala sobre ele?

Obrigado.

Resposta:

O verbo repercutir tem, segundo o Dicionário da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa (DLPACL), como aceções possíveis: i) «causar a reflexão ou repercussão de alguma coisa, som, imagem, objeto em movimento, após embate; enviar para nova direção» em frases como «As paredes repercutiam os sons»; ii) «ser, um som, uma imagem, um objeto em movimento, refletido ou reenviado para nova direção» em frases como «O eco repercutia nas montanhas»; iii) «ter, alguma coisa, projeção, influência, repercussão sobre ou em; afetar indiretamente» em frases como «A redução nos custos repercute sobre a qualidade da mercadoria produzida». Com isto, pode-se concluir que o verbo repercutir é usado frequentemente em áreas como a física e a economia, sendo o seu sujeito um constituinte com traços não animados.

Pesquisando no corpus do português, de Mark Davies, é possível verificar que o verbo repercutir tem praticamente sempre como seu sujeito um constituinte com traços não animados, como em (1), ou que descreve uma situação que resulta da ação de alguém como em (2):

(1)    «Estes estragos físicos ...