Helena Ventura - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Helena Ventura
Helena Ventura
9K

Licenciada em Filologia Germânica, pós-graduação em Linguística. Autora, entre outras obras, do Guia Prático de Verbos com Preposições.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Várias vezes, ao traduzir, deparo-me com verbos de regências diferentes que têm o mesmo complemento, num mesmo período. Considere o exemplo a seguir: «E da mesma forma como você cuida e protege cada membro do seu corpo físico, deve também cuidar e proteger cada membro do corpo espiritual.» Temos os verbos cuidar (transitivo indireto) e proteger (transitivo direto), com o mesmo complemento: «cada membro do...». Então, pergunto: na língua portuguesa, a regência utilizada deve ser a do verbo mais próximo do complemento? Ou deve-se escrever o período de forma que seja aplicada a regência de cada verbo? Por exemplo: «E da mesma forma como você cuida de cada membro do seu corpo físico e protege-o, deve também cuidar de cada membro do corpo espiritual e protegê-lo?»

Obrigado!

Resposta:

O modo mais correcto de formular a frase é com a regência própria de cada verbo.

Por conseguinte, a última versão apresentada pelo consulente é a mais correcta.

Contudo, o verbo cuidar (= «zelar por») pode surgir como transitivo directo, o que nos permite afirmar que o primeiro exemplo apresentado também pode ser considerado correcto.

Vejamos ainda este exemplo em Fernando Namora, O Trigo e o Joio:

«Dantes, um homem valia-se das mulas para transportar toda a espécie de mercadoria de umas vilas para outras, e assim ganhava o bastante para mais adubo, mais semente, para cuidar a terra com uma boa monda, para, enfim, equilibrar o fracasso da seara.»

Pergunta:

Gostaria de saber que preposição utilizar com o nome proximidade (ver pergunta n.º 24 537) na seguinte frase:

«O hotel goza de grande proximidade...» — com/a?

E também gostaria que me indicassem qual é a preposição correcta para utilizar com o verbo brindar.

«O hotel brinda os seus hóspedes com...», ou  «O hotel brinda aos seus hóspedes...»?

Vi que faz referência ao Dicionário de Regimes Substantivos e Adjectivos, de Francisco Fernandes. Existe algum outro (bom) dicionário de regências que me possa indicar?

Resposta:

1 — As preposições mais lógicas, seguindo a regra do advérbio próximo, serão de e a; ex.: «O hotel fica próximo da cidade»; «o hotel fica próximo à praia». Assim, a frase poderia ser formulada: «O hotel goza de grande proximidade de...» ou «O hotel goza de grande proximidade a...».

2 — a) Podemos brindar a (= «formular um voto ou um desejo»); ex.: «O hotel brinda ao bem-estar dos seus hóspedes.» Também podemos brindar por, com o mesmo significado, «formular um voto ou um desejo»; ex.: «Vamos brindar pela paz no mundo.»
b) Podemos brindar alguém com (= «oferecer elogios, presentes, amabilidades»); ex.: «O público brindou o pianista com uma enorme salva de palmas.»

3 — Existe o Guia Prático de Verbos com Preposições (Helena Ventura e Manuela Caseiro, ed. Lidel).

Pergunta:

Uma das canções de José Afonso, O Que Faz Falta, começa com «Quando a corja topa da janela». Gramaticalmente correcto teria de ser «topa na janela», não é?

Resposta:

O verbo topar, utilizado neste contexto, significa: «ter a imagem de alguém ou alguma coisa, através da visão»; «dar com, ver».

Na frase, a preposição de não tem o significado de posse, de determinação, mas sim, de proveniência, origem (P.: «Donde topa a corja?» R.: «da janela»).

Se dizemos «topa na janela», pode haver ambiguidade, pois a frase poderia significar «chocar em», «embater em». Para se utilizar a frase com em, mantendo o verbo, o seu significado de ver, seria necessário utilizar o objecto directo, para que não houvesse ambiguidade («Quando a corja, na janela, topa alguém...»).

Pergunta:

Li recentemente o seguinte título: «Itália proíbe pais de baptizar filhos de "Sexta-feira".» É correcta a expressão «baptizar de...»

Não é mais correcto: «baptizar "Sexta-feira"»?

Obrigada.

Resposta:

A maneira correcta, segundo o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, é «baptizar alguém ou alguma coisa de...» e «baptizar alguém com o nome de...».

No Dicionário Gramatical de Verbos Portugueses, de Malaca Casteleiro (2007), o verbo baptizar, no sentido de «dar nome», é classificado como transitivo directo predicativo, sendo seguido de um complemento directo e de um predicativo do complemento directo que pode ter a seguinte configuração:

a) simples: «Os pais baptizaram a criança Alexandre»;
b) introduzido pela preposições de: «O empregado baptizou o patrão de "lesma".»

Saliente-se que na obra de Casteleiro o predicativo do complemento directo é realizado por um nome próprio ou equivalente (por exemplo, uma alcunha como "lesma" na alínea b). Também se diz  aí que a preposição com pode introduzir este predicativo, mas a respectiva atestação mostra que só é assim quando essa preposição é seguida do substantivo comum nome: «O armador baptiza os barcos com nomes mitológicos.» Presume-se que, quando se trata da construção com a preposição com, o substantivo nome tenha de ter um complemento preenchido por um nome próprio opcionalmente introduzido pela preposição de: «O armador baptiza o barco com o nome (de) Neptuno.»

Por conseguinte, a frase em causa pode ter as seguintes versões:

«Itália proíbe pais de baptizar filhos "Sexta-feira".»
«Itália proíbe pais de baptizar filhos de "Sexta-feira".»
«Itália proíbe pais de baptizar filhos com o nome (de) "Sexta-feira".»

Pergunta:

Qual a regência correta para o verbo criticar? Observe a frase: «O texto é uma severa crítica à ocupação das tropas estrangeiras no Haiti.» O uso da crase está correto?

Resposta:

O verbo criticar apresenta-se do seguinte modo: como frase-exemplo, «critico alguém ou alguma coisa por algo»; ex.: «O jornalista criticou o ministro por este apoiar a invasão do Haiti por tropas estrangeiras.» «O jornalista criticou a decisão do governo por achar ingerência nos assuntos internos do Haiti.»

Em relação ao substantivo crítica, este pode significar:

a) «apreciação minuciosa»; ex.: «Crítica construtiva ao Tratado de Lisboa»;

a) «julgamento, dito desfavorável, para censurar»; ex.:«Fizeram críticas à acção política dos EU no estrangeiro.»

Quer em a) quer em b), o substantivo tem um complemento introduzido pela preposição a. Quando é seguida do artigo a, ocorre uma contracção (crase, no Brasil) e escreve-se como acontece no exemplo b). Assim, a frase apresentada pelo consulente está correcta.