Helena Ventura - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Helena Ventura
Helena Ventura
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Licenciada em Filologia Germânica, pós-graduação em Linguística. Autora, entre outras obras, do Guia Prático de Verbos com Preposições.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Primeiramente, quero enaltecer o excelente serviço prestado pelos consultores, que muito nos têm ajudado a esclarecer as dúvidas com que frequentemente nos deparamos no dia-a-dia ou no trabalho.

Dito isso, vamos à dúvida: nos mandados que são distribuídos aos oficiais de justiça para serem cumpridos, consta o seguinte texto: «o MM. Juiz de Direito manda a qualquer Oficial de Justiça ao qual for este mandado apresentado que se dirija ao local, e proceda ao despejo.»

Apesar de ter consultado as respostas anteriores, persiste a dúvida quanto à regência do verbo mandar. Contudo, darei alguns exemplos que creio serem aceitos, a saber:

1) «O MM. Juiz de Direito manda qualquer Oficial de Justiça ao qual for este mandado apresentado que se dirija ao local, e proceda ao despejo»;

2) «O MM. Juiz de Direito manda qualquer Oficial de Justiça ao qual for este mandado apresentado dirigir-se ao local, e proceder ao despejo»;

3) «O MM. Juiz de Direito manda que qualquer Oficial de Justiça, ao qual for este mandado apresentado, dirija-se ao local,e proceda ao despejo.»

Em outros manuais vi que é possível utilizar o verbo mandar na acepção de ordenar tanto com o pronome o quanto com o lhe, assim:

1) «O MM. Juiz de Direito manda qualquer Oficial de Justiça cumprir o mandado»;

1a) «O MM. Juiz de Direito manda-o cumprir o mandado»;

1b) «O MM. Juiz de Direito manda-lhe cumprir o mandado.»

Gostaria de saber se apenas nessa situação o verbo mandar re...

Resposta:

A — O verbo mandar, no contexto em que é apresentado, com o sentido de «dar uma ordem ou determinar a realização de uma acção», é um verbo transitivo.

Por conseguinte, respondendo à questão, aceitam-se como correctas as frases 1 («O juiz manda qualquer oficial cumprir o mandado»), 1a («O juiz manda-o cumprir o mandado») e 1b («O juiz manda-lhe cumprir o mandado»).

A construção pode ser feita através de oração completiva de infinitivo («mandar alguém cumprir um mandado»), ou de conjuntivo («mandar que alguém cumpra um mandado»). Se o verbo da oração de infinitivo for transitivo, o respectivo sujeito pode ser realizado como objecto directo ou objecto indirecto de mandar, conforme se pode ler na Gramática da Língua Portuguesa, de M.ª Helena Mira Mateus et al. (pág. 648):
 
«[...] o constituinte interpretado como sujeito do domínio encaixado ocorre como objecto directo do predicado complexo, se o verbo encaixado for mono-argumental [cf. (31a)], e como objecto indirecto do predicado complexo, quando o verbo encaixado é transitivo ou ditransitivo [cf. (31b)]:
 
(31) (a) O professor mandou-os entrar.
       (b) O professor mandou-lhes concluir o trabalho na próxima semana.»
 
Ou seja:

«ordena-se a alguém (ind.) que cumpra uma ordem»,

mas:

«manda-se alguém (dir.) ou a alguém (ind.) cumprir uma ordem»; ou ainda «manda-se que alguém cumpra uma ordem».

Em relação aos primeiros exemplos apresentados pelo consulente, na frase 3, observe-se que português europeu deve antepor-se o pronome reflexo ao verbo,1 pois que obriga a tal, para qualquer pronome pessoal de complemento, seja ele obj...

Pergunta:

«Preocupação em garantir», ou «preocupação de garantir»?

Resposta:

O verbo preocupar-se rege a preposição com; p. ex.: «As mães preocupam-se sempre com os filhos.» À  expressão «estar preocupado»  também se segue a preposição com: «Estou preocupado com a saúde do meu pai.»

Quanto ao substantivo, poderemos aceitar uma ou outra preposição, em ou de. Pode existir «a preocupação, da parte de alguém, em fazer o quê?»; p. ex.: «a preocupação em garantir toda a segurança necessária.» Mas também pode existir «a preocupação de quê?»: R.: «de garantir toda a segurança necessária.»

Daí que possamos aceitar a utilização de uma ou outra preposição, mas talvez a preposição de seja mais frequentemente utilizada.

Pergunta:

Na frase:

«capaz de atender às necessidades do presente»

— o emprego da crase é opcional por causa da transitividade dupla do verbo, ou pelo fato de o substantivo estar no plural e podermos omitir o artigo as?

— se a expressão fosse «capaz de atender à necessidade do presente», a crase seria obrigatória?

Resposta:

A crase é obrigatória porque o verbo atender, na acepção em que surge na frase apresentada pelo consulente, rege a preposição a. Quer o vocábulo esteja no singular (a) quer no plural (as), temos de fazer sempre a contracção. Assim: «atendemos à necessidade»/«atendemos às necessidades».

O verbo pode surgir sem preposição quando tem o sentido de:

a) «receber alguém em casa, receber em entrevista ou em consulta»; ex.: «Hoje não atendo ninguém que me procure»; «O director atendeu o candidato»; «O médico atendeu a doente no fim da consulta.»

b) «procurar saber o que um cliente deseja e servi-lo, satisfazendo o seu pedido»; ex.: «Só havia uma empregada para atender os clientes.»

Pergunta:

Tenho uma dúvida em relação a transitividade do verbo hesitar na oração: «Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim...» No caso, o verbo hesitar é transitivo direto, ou intransitivo?

Resposta:

O verbo hesitar não é um verbo transitivo directo, mas sim transitivo indirecto.

Um verbo intransitivo expressa uma ideia completa: «o homem morreu»; «Ana viajou», etc.

Quando a ligação do verbo com o seu complemento se faz mediante o emprego de uma preposição, o verbo é transitivo indirecto.

Há verbos que se usam, na mesma acepção, com mais de uma preposição; ex.: «meditar num assunto»/«meditar sobre um assunto».
 
No caso do verbo hesitar, ele pode reger a preposição em ou a preposição entre.

Mas por vezes podemos formular a frase omitindo a preposição; exs.: «O médico hesitou (em) dizer a verdade ao doente» (o médico hesitou entre dizer a verdade e ocultá-la); «hesitei (em) se devia ou não cumprimentá-lo.» (hesitei entre se devia cumprimentá-lo ou não).

Damos agora um exemplo em que, segundo o modo como a frase é formulada, apenas se deve usar entre:

«O cliente hesitava entre os vários pratos à escolha.»

(Quer dizer que o cliente hesitava em escolher um prato ou outro; i. e.: hesitava entre um prato e outro.)
 
No exemplo dado pelo consulente, podemos subentender a omissão da preposição em [... hesitei (em) se devia abrir...].

Pergunta:

Eu preciso saber sobre a regência do verbo suportar, e a gramática foge de mim! Como se escreve a frase seguinte?

«[...] suportou "os" impulsos dielétricos»

ou

«suportou "aos" impulsos dielétricos?»

A Internet não ajudou, visto que vi jornalistas colocando que alguns feridos não suportaram "aos" ferimentos, e outros "os" ferimentos.

Parece-me natural que quem suporta, suporta alguma coisa, o quê! Mas preciso fazer revisão em um relatório e não posso acreditar no natural que provém do meu cerébro.

«Não consigo suportar isso», ou, «a isso»?

Aguardo respostas! Desde já, muito agradecido!

Resposta:

O verbo suportar, quer seja usado num contexto concreto, material, quer seja usado num contexto abstracto, é transitivo directo. Ex.: «As colunas suportavam o arco»; «suportava na cabeça o cesto da vindima»; «tenho grande capacidade de suportar a dor»; «suportou fome, frio e humilhações»; «não gosto daquele cantor, mas suporto-o». Por conseguinte, deve dizer «... suportou os impulsos...» e «não suportou os ferimentos...».