Fernando Pestana - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Fernando Pestana
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Fernando Pestana é um gramático e professor de Língua Portuguesa formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e mestre em Linguística pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Atua há duas décadas no ensino de gramática voltado para concursos públicos e, atualmente, em um curso de formação para professores de Português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Vi, numa aula de conjunções coordenativas adversativas, que o valor semântico de "ressalva" é diferente do de "contraste". Contudo, embora a professora explicasse a diferença, ela não ficou tão clara para mim, pois foram me dados poucos exemplos.

Se vocês puderem enriquecer meu material de estudos, ficaria eternamente grata.

Veja abaixo o que a professora me mostrou:

a) «Tentei chegar mais cedo, porém não consegui». No período composto acima, a conjunção "porém" possui valor semântico de contraste, oposição.

b) «Seu discurso foi breve, mas violento». No período composto acima, a conjunção "mas" possui valor semântico de ressalva, compensação.

Vocês poderiam me mostrar mais exemplos?

Resposta:

Como se atesta na gramática de M. H. M. Neves¹, há pelo menos quatro valores semânticos da conjunção adversativa mas: contraste, compensação, restrição, negação de inferência. A definição sempre dependerá do contexto.

Quanto à ideia de contraste, pode haver, segundo a autora, contraste com oposição, isto é, entre significados opostos (1) ou contraste sem oposição, ou seja, entre significados não antitéticos (2):

(1a) «Esse tempo chuvoso é um pouco deprimente, mas de algum modo me traz paz.»

(1b) «Ela estudou muito para a prova, mas foi desclassificada.»

(2a) «Uma argumentação sem muito fundamento mas repetida dezenas de vezes pode convencer muitas pessoas.»

(2b) «Desistiu de concorrer àquela vaga, mas continuou no emprego de sempre.»

Sobre o valor semântico de compensação, diz Neves que «geralmente resulta da diferente direção dos argumentos, podendo ir do argumento mais forte para o mais fraco (3), ou o contrário [...]» (4):

(3a) «João era muito simpático, mas sua aparência atrapalhava tudo.»

(3b) «Os dois se amam bastante, mas vivem brigando entre si.»

(4a) «João tinha uma personalidade insuportável, mas era bastante prestativo.»

(4b) «Aqueles dois vivem discutindo, mas sempre buscam a reconciliação.»

 

Sempre às ordens!

 

1 Cf. Neves, A gramática do português revelada em textos. Editora Unesp, 2018, p. 832-840.

Pergunta:

No período:

«[A]conteceu que, quando o espírito repousou sobre eles, profetizaram; mas depois nunca mais.»

O termo mais pertence sintaticamente a que classe gramatical?

Presumo não ser advérbio de intensidade, logo a que classe pertence?

Obrigada!

Resposta:

No segmento em apreço, o mais pertence à classe gramatical dos advérbios. Sua função sintática é de adjunto adverbial, pois modifica um verbo (implícito no segmento destacado):

«... e aconteceu que, quando o espírito repousou sobre eles, profetizaram; mas depois nunca mais (profetizaram).»

Segundo o gramático brasileiro D. P. Cegalla¹ e os dicionários on-line Aulete e Michaelis, a palavra mais (em frases negativas) pode apresentar valor semântico temporal, quando indica a cessação definitiva de um evento. É exatamente isso que se dá no trecho acima.

Como adendo, cabe dizer que tal advérbio de tempo equivale ao também advérbio . Observe a semelhança:

(1) As pessoas já não se abraçam como na minha época.

(2) As pessoas não se abraçam mais como na minha época.

Sempre às ordens!

 

1. Cf. Cegalla, Dicionário de dificuldades da língua portuguesa. Lexicon, 3ª ed., p. 224, 240.

A classificação de <i>que</i> em «felizmente que ele chegou» I
Uma perspetiva do Brasil

A divulgação do apontamento intitulado «Felizmente que ele chegou» (21/11/2023) motivou, no mural do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa no Facebook, um comentário do gramático brasileiro Fernando Pestana que recorda uma análise alternativa no quadro da Nomenclatura Gramatical Brasileira.

Era uma vez um estrangeiro que desejava aprender
A unidade na diversidade

«[Jack] digitou no Google: «Professor língua brasileira». Quanto mais procurava, menos encontrava. Percebeu que o Google direcionava a intenção de busca do estrangeiro para «língua portuguesa» ou «português».» Em jeito de parábola, o gramático brasileiro Fernando Pestana defende a unidade da língua, apesar da sua dispersão por diferentes países, em diferentes continentes. Apontamento transcrito, com a devida vénia, do mural que o referido autor mantém no Facebook (24 de novembro de 2023).

 

A aceitação das variantes brasileiras  <br>no ensino em Portugal
E vice-versa

«Entre as duas normas (a europeia e a brasileira) há mais fatos em comum do que o avesso — do contrário não nos conseguiríamos comunicar —, os cursos de Letras (ou cursos de formação de professores já graduados e atuantes em salas de aula) devem ter em sua grade curricular uma disciplina que ensine sistematicamente as diferenças entre as duas normas/variedades.»

Defende o gramático brasileiro Fernando Pestana num comentário ao problema da aceitação de outras variedades de português que não a nacional (ler "Países de Língua Oficial Portuguesa e norma linguística"), questão que se levanta frequentemente em Portugal, mas também no Brasil. O texto original foi publicado em 11 de outubro de 2023 na página do Ciberdúvidas no Facebook.