«As intensas emigrações dos portugueses para o Brasil no século XX e as dos brasileiros para Portugal no século XXI tendem a aproximar cada vez mais os dois povos e as duas variedades da língua, ainda que um ou outro torça o nariz.»
Não sei exatamente quando e qual foi o primeiro discurso separatista a respeito das variedades lusitana e brasileira da Língua Portuguesa.
Só sei que já faz tempo essa ideia alarmista de que "daqui a X décadas", as variedades vão se separar de vez e se transformarão em línguas diferentes.
De tempos em tempos, isso vem à tona.
No dia 13 de novembro de 1993, tratando do tema "O futuro da língua portuguesa", o linguista português Ivo Castro, catedrático da Universidade de Lisboa, a convite da Academia Brasileira de Filologia, proferiu, segundo o linguista brasileiro Sílvio Elia, «substanciosa, clara e bem fundamentada palestra».
Diz Elia que, ao tratar da variedade brasileira da língua portuguesa, o professor Ivo Castro «mostrou-se a respeito um tanto pessimista, pois vê os dois países caminharem no sentido da separação».
Todavia, o linguista brasileiro reforça algo com o qual muitos do passado e do presente concordam:
«Se a língua portuguesa não se fracionou até hoje, quinhentos anos passados, em dois idiomas, um europeu e outro americano, não cremos que, na atualidade, com o encurtamento das distâncias geográficas e os mais frequentes e rápidos contatos trazidos pelo avanço tecnológico dos meios de comunicação, isso venha a acontecer. Não nos esqueçamos, porém, de um fator bastante poderoso: o sentimento e a vontade de permanecermos unidos ou separados, tanto lá como cá. Se formos consequentes, veremos que só a união nos fortalecerá e nos engrandecerá.»
Detalhe: este texto foi escrito em dezembro de 1993. De lá para cá, as tecnologias têm aproximado cada vez mais as duas variedades, apesar de haver entre nós (há mais de 500 anos) um enorme oceano; as intensas emigrações dos portugueses para o Brasil no século XX e as dos brasileiros para Portugal no século XXI tendem a aproximar cada vez mais os dois povos e as duas variedades da língua, ainda que um ou outro torça o nariz... seja lá por qual motivo.
Não sendo profeta nem praticante de futurologia, só me resta dizer que linguisticamente (até então) permanecemos unidos na diversidade, assim como os países de língua espanhola, inglesa, francesa...
P.S.: Este texto de Sílvio Elia está no volume 2 da maravilhosa coletânea Na ponta da língua (2002, 2ª edição, p. 191-193).
Na imagem, A proclamação da Independência (1844, Palácio Imperial de Petrópolis), de François-René Moreaux (1807-1860). O quadro evoca o momento em que o príncipe D. Pedro foi rodeado por uma multidão em São Paulo depois de dar a notícia da independência do Brasil, em 7 de setembro de 1822. Crédito: "Independência do Brasil", Wikipédia.
Apontamento publicado no mural do gramático Fernando Pestana no Facebook (31/10/2024).