Eunice Marta - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Eunice Marta
Eunice Marta
69K

Licenciada em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre (Mestrado Interdisciplinar em Estudos Portugueses) pela Universidade Aberta. Professora de Português e de Francês. Coautora do Programa de Literaturas de Língua Portuguesa, para o 12.º ano de escolaridade em Portugal. Ex-consultora do Ciberdúvidas e, atualmente, docente do Instituto Piaget de Benguela, em Angola.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Na frase «Estes seres e aqueles ficam à minha guarda» (A Fada Oriana), minha é um pronome, ou um determinante possessivo?

Agradeço a atenção!

Resposta:

Na frase que nos apresenta, em que «minha» precede o nome «guarda», não há dúvida alguma de que se trata de um determinante possessivo.

Um determinante distingue-se de um pronome, precisamente, porque o primeiro antecede o nome, «contribuindo para a construção do seu valor referencial» (Dicionário Terminológico), enquanto o pronome o substitui.

Por exemplo, na frase «Estes seres e aqueles ficam à minha guarda», «estes (que precede «seres») é um determinante demonstrativo, ao passo que «aqueles» é um pronome demonstrativo.

Do mesmo modo, se criássemos uma frase como «Estes seres ficam à minha guarda e não à tua», enquanto «minha» corresponde a um determinante possessivo, a palavra «tua» é um pronome possessivo.

Pergunta:

Tendo frequentado o ensino primário nos primeiros anos da década de 80, sempre me intrigou a origem do alfabeto cursivo nessa altura ensinado nas escolas. Foi criado propositadamente para esse fim em Portugal? É uma adaptação de outro mais amplamente usado? Quando foi adotado no nosso sistema de ensino?

Entendo que esta questão é, na melhor das hipóteses, tangencial aos assuntos normalmente tratados neste local, e compreenderei se não for respondida. Não pretendo, certamente, abusar do serviço que aqui prestam e que sigo com regularidade e interesse.

Resposta:

Da pesquisa que fizemos sobre «cursivo», verificámos que se trata de «forma de letra manuscrita», «letra que se faz, correndo a letra sobre o papel» (Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, 2010), «o modo corrente de escrever, a caligrafia» (Grande Dicionário Etilmológico Prosódico da Língua Portuguesa, de Silveira Bueno, 1964). Este termo que deriva do latim medieval cursivu-, utilizado para se referir à escrita romana cursiva (também chamada de maiúscula cursiva ou capitalis cursiva), ou seja, «a forma quotidiana de escrita à mão, utilizada para cartas, por mercadores nos seus relatórios, pelos alunos que estudavam o alfabeto romano e até pelos imperadores nos seus despachos», uma vez que o estilo mais formal de escrita era baseado em maiúsculas quadradas romanas. O estilo cursivo era, portanto, utilizado para uma escrita mais rápida e informal, havendo notícias de que teria sido usado com mais intensidade do século I a. C. ao séc. III d. C.

A referência à escrita cursiva romana não surge por acaso, pois o alfabeto português resulta do alfabeto latino original. Ora, se a escrita cursiva corresponde à escrita à mão, conclui-se que o alfabeto — enquanto «o conjunto ordenado das letras de que nos servimos para transcrever os sons da linguagem falada» (Cunha e Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, 17.ª ed., Lisboa, Sá da Costa, p. 63) — cursivo represente o alfabeto manuscrito, grafando as formas de cada uma das letras que são traçadas de forma corrente, imitando a maneira de escrever à mão, distinta da tipográfica, o que se pode verificar através do registo das imagens do

Pergunta:

Queria saber porque o imperfeito de conjuntivo às vezes leva acento circunflexo e outras acento agudo na primeira pessoa do plural.

Obrigado pela resposta.

Resposta:

As formas verbais seguem as regras de acentuação gráfica comum a todas as outras palavras do léxico português.

Tratando-se as formas da primeira pessoal do plural do pretérito imperfeito do conjunto de um dos exemplos de palavras proparoxítonas [esdrúxulas], obedecem às seguintes regras: «recebem o acento agudo as que têm na antepenúltima sílaba as vogais a aberta [ex.: cantássemos, levássemos, ficássemos], e ou o semiabertas [ex.: quiséssemos, déssemos, puséssemos], i ou u  [ex.: víssemos, servíssemos, feríssemos]; levam acento circunflexo aquelas em que figuram na sílaba predominante as vogais a, e, o semifechadas [ex.: perdêssemos, movêssemos, devêssemos, fôssemos]» (Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, 17.ª ed., Lisboa, Sá da Costa, 2002, p. 70).

O uso do acento agudo e o do circunflexo está, como é natural, associado ao facto de as vogais que se acentuam serem abertas, grafadas como á, é e

Pergunta:

Consultando dicionários como Aurélio e Houaiss, percebi que a palavra "veredito" (grafada sem C) não existe ou, pelo menos, não está devidamente dicionarizada, pois é registrada apenas a variante "veredicto".

No Brasil é mais comum ouvir a palavra pronunciada como [vere'ditu] ou [viri'ditu] onde o C nunca é pronunciado.

Estaria essa pronúncia realmente correta, visto que por aqui não se costuma conservar este tipo de consoante quando não é articulada?

Resposta:

O Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras indica dupla grafia para a palavra: veredicto e veredito. O mesmo fazem a versão impressa do VOLP da Porto Editora e o Vocabulário Ortográfico do Português do ILTEC. Também o mais recente Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2009), segundo a ortografia do novo Acordo Ortográfico, regista duas formas para essa palavra: veredicto e veredito («o mesmo que veredicto», o que atesta a existência de duas pronúncias, sendo igualmente correctas uma e outra).1

Recordemos, para que não haja dúvidas, as indicações do Acordo Ortográfico de 1990 sobre a grafia das palavras com sequências consonânticas, mais especificamente dos casos em que figure «o c, com valor de oclusiva velar, das sequências interiores cc (segundo c com valor de sibilante), e ct […] que ora se conservam, ora se eliminam. Assim:

a) Conservam-se nos casos em que são invariavelmente proferidos nas pronúncias cultas da língua: compacto, convicção, convicto, ficção, friccionar, pacto, pictural;

Pergunta:

Li uma frase num livro sobre denotação e conotação e fiquei em dúvida na frase: «A cabeça dele é grande, ele tem uma carona.» Aqui ocorre denotação ou conotação no que diz respeito à palavra carona?

Agradeço se puderem me auxiliar.

Resposta:

Na frase que nos apresenta, a palavra carona reproduz precisamente a ideia de «cara grande», apesar de esse termo não se encontrar designado como aumentativo de cara. Parece tratar-se de uma frase de um discurso informal, em que o sujeito de enunciação utiliza a palavra carona para reforçar a imagem que está a transmitir sobre a pessoa de quem está a falar: como o que o destaca é a sua «cabeça grande», a sua cara corresponde ao tamanho da sua cabeça. Por isso, usou o termo carona.

Não se verifica aí a atribuição de outro(s) sentido(s) a essa palavra para além do seu sentido imediato. Por isso, não parece haver razão para se poder considerar que haja aí conotação, uma vez que esta «remete para as ideias e as associações que se acrescentam ao sentido original de uma palavra ou expressão, para as completar ou precisar a sua correcta aplicação num dado contexto» (E-Dicionário de Termos Literários).