É natural que se coloque essa dúvida, pois a antítese e o oxímoro (termo literário para designar o paradoxo, de origem filosófica) são dois recursos estilísticos que pertencem ao domínio da antonímia, uma vez que se referem a casos em que sobressai uma «relação entre unidades de sentido contrário» (E-Dicionário de Termos Literários, sob coordenação de Carlos Ceia). Na mesma linha de sentido, João David Pinto Correia, em «A expressividade na fala e na escrita» (Falar melhor, Escrever melhor, Lisboa, Ed. Selecções do Reader’s Digest, 1991, pp. 499-500) coloca a antítese e o oximoro no grupo das «figuras de pensamento com efeitos de comparação por oposição».
No entanto, cada uma destas figuras se distingue pela suas particularidades. A antítese («da palavra grega antithesis e que a civilização latina adoptou com a grafia de antithese, designando oposição, contraste») destaca-se por se tratar de um caso em que sobressai a «aproximação de dois seres, duas realidades, duas situações com sentido antagónico, com o fim de tornar um deles mais enfático […] e tem a coordenação como fundamento sintáctico» (idem), de que são exemplos os versos de Camões — «Repousa lá no céu eternamente/ E viva eu cá na terra sempre triste» — e o excerto de Vieira — «Entre os servos de Deus há esta diferença: uns são servos de Deus, porque servem a Deus; outros são servos de Deus, porque Deus se serve eles.»
Por sua vez, o oximoro («do grego oxymóron, de oxýs = ‘arguto’ + morón = ‘estúpido’ , […] combinação e expressão de vocábulos paradoxais») distingue-se como «uma espécie particular de antítese :[…] variante especial de antíteses de palavras isoladas que constitui, entre os membros antitéticos, um paradoxo intelectual, que, por sua vez, pode resultar de uma tensão entre o portador da qualidade e a qualidade em si («Ele era um camponês/ Que andava preso em liberdade pela cidade», de Pessoa), da tensão entre qualidades («Aquela triste e leda madrugada», de Camões) ou da distinção que afirma a existência e a inexistência simultâneas de uma mesma coisa («Não levais de vencer-me grande glória./ Maior levo eu de ser vencido», de Camões)» (idem). Portanto, a particularidade desta figura de estilo que se «aproxima da antítese» reside no facto de «no oximoro ambos os termos se excluírem, a fim de revelar que a conciliação de contrários é possível e, por vezes, indispensável para se exprimir a verdade» (E-Dicionários de Termos Literários).
Por isso, analisando os dois versos de Florbela Espanca que nos apresenta, em que a antonímia sobressai, poderemos considerar que nos encontramos perante um caso de antítese em «É ser mendigo e dar...» (uma vez que se enfatize uma das situações — a de «dar» , sendo um «mendigo» — das duas de sentido contrário), mas também em presença de um oximoro em «E não saber sequer que se deseja», pois a realidade do sujeito poético reside, precisamente, na consciência da existência em si de duas realidades contrárias que não se excluem, mas que coexistem dentro de si – entre o saber e o querer, entre o «não saber» e o «desejar». Com o oximoro, confrontamo-nos com uma situação que parece ilógica, mas em que nos apercebemos que tem lógica.