Pergunta:
A propósito de minha consulta respondida pela professora Edite Prada em 7/3/2014, ainda ficaram obscuros (pelo menos, para mim) aspectos referentes à concordância verbal na frase que apresentei. Em virtude disso, volto ao assunto com novas frases, de estrutura semelhante.
«O professor foi veementemente criticado por seu melhor amigo, que vem (venho) a ser eu mesmo.»
«O professor foi veementemente criticado por seu melhor amigo, que devo (deve) ser eu mesmo.»
«O professor foi veementemente criticado por seu melhor amigo, que continuo (continua) a ser eu mesmo.»
«O professor foi veementemente criticado por seu melhor amigo, que passo (passa) a ser eu mesmo.»
«O professor foi veementemente criticado por seu melhor amigo, que começo (começa) a ser eu mesmo.»
A minha dúvida, em suma, seria a seguinte: se, quando o verbo ser é usado numa estrutura de oração relativa + pronome pessoal, a concordância se faz com esse pronome, o mesmo não deveria ocorrer quando se trata de uma conjugação perifrástica com o mesmo verbo ser?
Cumpre dizer que a locução «vir a ser» (motivo de minha pergunta inicial), no Aulete Digital, tem as acepções de «chegar a ser, converter-se em»: «Se levasse a sério o estudo, viria a ser um grande pianista»; e de «ser, tratar-se de»: «Aquela que você criticou vem a ser minha mulher.»
Agradeço antecipadamente.
Resposta:
Agradeço ao prezado e ilustre consulente a possibilidade de refletir de novo sobre uma estrutura que constitui um desafio e que, simultaneamente, não é de fácil, nem unívoca, interpretação.
Curiosamente, na análise que anteriormente fiz, não tive em conta a designação tradicional de conjugação perifrástica, que muitos estudiosos têm vindo a abandonar nos seus trabalhos, preferindo outro tipo de abordagens, falando de modalidade, de aspeto… Se considerarmos a frase que vem sendo objeto de análise, veremos que, efetivamente, aquela frase específica não encaixa nas definições prototípicas da conjugação perifrástica. E muito provavelmente é esta posição marginal, digamos assim, que permite a não- obediência às normas da concordância preconizadas para a conjugação perifrástica. Foi esse pressuposto que me levou a propor uma análise distinta, e que não pretende ser definitiva (não teria como…), nem indiscutível. É minha convicção de que a expressão «vir a ser», podendo embora, em outros contextos, ser interpretada como conjugação perifrástica típica com sentidos próximos de «chegar a ser, converter-se em, tornar-se», naquela frase não o é, aproximando-se, eventualmente, do sentido que refere em Aulete de «tratar-se de».
Assumindo que «vir a ser» na frase «O professor foi veementemente criticado por seu melhor amigo, que vem (venho) a ser eu mesmo» tem o sentido de «tratar-se de», ou, como propõe Evanildo Bechara, na Moderna Gramática Portuguesa (2001), p. 233, «quase o mesmo sentido do verbo principal empregado sozinho», dificilmente lhe encontraremos um valor prototipicamente perifrástico, que se materializa veiculando valores aspetuais temporais ou modais.
É esse facto, a meu ver, que possibilita a flutuação da concordância, que, parecendo-nos estranha, não deixamos de aceitar…
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