Edite Prada - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Edite Prada
Edite Prada
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Edite Prada é consultora do Ciberdúvidas. Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Português/Francês, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; mestrado interdisciplinar em Estudos Portugueses, defendido na Universidade Aberta de Lisboa. Autora de A Produção do Contraste no Português Europeu.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

É frequente assinalar-se o que do verso «Que eu canto o peito ilustre lusitano» como causal.

No entanto, na pergunta 31 499, o que do exemplo «Empresta-me o teu dicionário, que deixei o meu em casa» é classificado como explicativo.

Não são as duas frases semelhantes? Nesse caso, poderíamos classificar a oração desse verso d´Os Lusíadas como explicativa?

Confesso que a noção de orações coordenadas explicativas aplicada a estes dois exemplos me causa alguma dificuldade. Compreendo perfeitamente o exemplo dado no Dicionário Terminológico, mas não tenho a certeza.

A indicação, dada em várias fontes, de que a coordenada explicativa não pode ser colocada no início da frase não está, por outro lado, de acordo com a explicação dada a uma pergunta já de 1/03/2007, com o título A função do que. Nessa questão, é apresentado o exemplo da frase «passámos a tarde debaixo do chapéu, que o calor era insuportável», tendo sido sugerida a classificação da oração iniciada por que como subordinada causal. Ora, não me parece que esta oração pudesse iniciar a frase: *«que o calor era insuportável, passámos a tarde debaixo do chapéu».

Agradeço, desde já, a vossa resposta e todo o trabalho que têm vindo a realizar.

Resposta:

Gostaria, antes de mais, de salientar que a nossa língua não tem uma interpretação tão linear como desejaríamos, sobretudo quando estamos num contexto educativo.

Respostas únicas, inquestionáveis, integram o desejo de qualquer professor. Todavia, a língua, como a vida, não é assim tão simples. E mantém muitas franjas acerca das quais há, ainda, necessidade de investigar mais, o que não implica, porém, que da investigação saia uma interpretação unívoca. Com efeito, muitas vezes, o que da investigação nos advém é a necessidade de aceitar a diversidade. E, perante a diversidade, desde que devidamente justificada, nem sempre há argumentação que imponha, inequivocamente, uma das possibilidades.

Vale a pena salientar, também, que muitos são os investigadores e os gramáticos que consideram não existir coordenação conclusiva nem explicativa.

Acerca deste assunto, dizem Gabriela Matos e Eduardo Raposo, na recém-publicada Gramática do Português (doravante gramática da Gulbenkian), organizada por Eduardo Raposo e outros, e publicada pela Fundação Calouste Gulbenkian (no mês de outubro saíram os primeiros dois volumes). O sublinhado é meu:

«Com base num critério sobretudo semântico, a tradição gramatical luso-brasileira apresenta frequentemente um leque de conjunções e locuções conjuncionais coordenativas mais alargado do que aquele que é apresentado no quadro 1, da secção 35.3 [copulativas simples: e, nem; copulativas correlativas: nem… nem, quer… quer, não só… mas também, não só… como (também); disjuntivas simples: ou; disjuntivas correlativas ou… ou, ora… ora, quer… quer; adversativas simples: mas (p. 1787)]

Pergunta:

Qual a função sintática de «aos necessitados» na frase «Os donativos chegaram aos necessitados»?

Obrigada.

Resposta:

O verbo chegar, no seu significado prototípico, é um verbo de movimento que, muitas vezes, se utiliza sem a explicitação dos seus complementos, que são, por norma, referências a locais servindo de ponto quer de partida, quer de chegada.

Há, no entanto, situações e contextos em que o verbo adquire outros sentidos e, com eles, outra estrutura argumental. Assim, pode significar «bastar» como em

1 – «Basta de poluição»,

ou «ser suficiente», como em

2 – «O vencimento não chega à Maria».

Analisando bem, há uma semelhança estrutural entre a frase 2 e a que está em apreço que se regista como 3:

3 – «Os donativos chegaram aos necessitados.»

No entanto, creio que estas frases são distintas. Em 2, é possível substituir «à Maria» pelo pronome pessoal lhe:

2.1 – «O vencimento não lhe chegava.»

No caso da frase 3, poderemos dizer que ela é ambígua, pois num dos sentidos que lhe podemos atribuir é equivalente a 2, podendo aos necessitados ser substituído por lhes:

3.1 – «Os donativos chegaram-lhes.»

A frase 3.1 veicula a ideia de que os donativos dados aos necessitados são suficientes para eles. Todavia, o conhecimento que temos do mundo não facilita esta interpretação otimista… Creio que a ideia essencial é de deslocação, de movimento, transmitindo uma informação de rigor. Os donativos têm uma origem e têm um destino. Em 3, veicula-se a ideia de que os donativos atingiram o destino. Temos, pois, uma ideia, clara, de movimento.
Tendo em conta o ...

Pergunta:

Considerando a frase de Felizmente Há Luar!, de Sttau Monteiro, «Que sabe você de meu primo?», gerou-se uma certa discussão entre os meus pares, defendendo uns que «de meu primo» terá a função de complemento oblíquo, e outros que estamos perante um modificador do verbo.

Peço-vos uma opinião sobre esta questão.

Agradecendo antecipadamente.

Resposta:

Quando significa conhecer, o verbo saber pode construir-se com dois complementos, um direto e um oblíquo. Pode, também, construir-se apenas com um complemento oblíquo.
Na frase em apreço, «de meu primo» designa a entidade acerca da qual o sujeito sabe alguma coisa e desempenha a função de complemento oblíquo.

 

Pergunta:

Qual das frases abaixo está correta? Ou ambas estão?

«É necessário um milhão e quinhentas mil assinaturas para que seja apresentado o projeto de lei.»

«São necessárias um milhão e quinhentas mil assinaturas para que seja apresentado o projeto de lei.»

Obrigado.

Resposta:

Eu diria que ambas as situações estão corretas.

Perante a expressão «é necessário», a primeira coisa que importa ter em consideração é verificar se estamos perante uma frase cujo sujeito seja, ou não, uma oração subordinada completiva subjetiva, como em «É necessário que faças o trabalho.», ou em «É necessário fazer o trabalho.»

Neste contexto, o verbo ser e respetivo predicativo ficam no singular e no masculino.

A expressão é, também, usada tendo como sujeito uma estrutura não-frásica, como acontece nos exemplos em apreço, em que o sujeito é «um milhão e quinhentas mil assinaturas», mantendo-se preferencialmente a posição pós-verbal para o sujeito.

Nesta situação é frequente a expressão ficar invariável como em «É necessário muita paciência para ultrapassar a crise.», mas pode concordar com o sujeito: «É necessária muita paciência para ultrapassar a crise.»

Na frase em apreço, há ainda a ter em conta que o núcleo do sujeito é constituído por um nome «assinaturas» a que se associa numeral «um milhão e quinhentas mil». Neste caso, a concordância poderá ser com o numeral ou com o nome a que este se associa. Como o sujeito está em posição pós-verbal, o mais formal é a concordância fazer-se com o elemento mais próximo. Neste caso, o numeral: «É necessário um milhão e meio de assinaturas.» Tal não impede, porém, que a concordância se faça com o nome: «São necessárias um milhão e quinhentas mil assinaturas...»

Se, porventura, o sujeito estivesse na sua posição canónica, ou seja, à esquerda do verbo, manter-se-iam como aceitáveis as duas concordâncias, embora constituíssem um conjunto pouco eufónico, sobretudo com o verbo no singular: ?«Um milhão e quinhentas mil assinaturas são necessárias…»; ?«Um milhão e...

Pergunta:

Na frase «O Bobo partiu para longe», gostaria de saber se «para longe» é considerado complemento oblíquo, ou modificador.

Resposta:

Na frase em apreço, o verbo partir é interpretado como um verbo de movimento, que subentende uma deslocação de um local para outro.

Nesse sentido, embora possa não o ter expresso, suporta, ou admite, um complemento oblíquo que designe o ponto de chegada, podendo, em alguns casos, completar-se, igualmente, com um outro complemento oblíquo que designe o ponto de partida.

O que pode ser surpreendente na frase em apreço é o facto de o ponto de chegada continuar, afinal, desconhecido, dado ser representado por um advérbio que apenas nos dá uma ideia de que o ponto de chegada será longe. Todavia, «para longe» pode se substituído por «para Lisboa».

Por outro lado, se fizermos o teste pregunta-resposta, verificamos que há uma estreita ligação entre o grupo preposicional e o verbo:

1 – P. – *O que fez o Bobo para  longe?

     R. – Partiu.

2 – P. – O que fez o Bobo?

     R. – Partiu para longe.

Tendo em conta o exposto, poderemos dizer que «para longe» é complemento oblíquo, e não modificador do grupo verbal.

Note-se ainda que, ainda que seja comum a não expressão do complemento com os verbos de movimento, outros casos há em que um complemto pode não vir expresso. Lembremo-nos, por exemplo, de verbos como comer, ler ou escrever.