Há um conjunto de verbos que podem designar-se como verbos de transferência em que a ação designada pelo verbo se projeta, ou é transferida, no complemento indireto (CI), que, do ponto de vista semântico, assume o papel temático de alvo, meta, ou destino.
No caso do verbo responder há uma entidade agente (o sujeito) que responde, e há uma entidade, normalmente com o traço mais humano, que recebe a resposta. Essa entidade desempenha a função sintática de CI a que se atribui facilmente o papel temático de destino.
O que acaba de se expor explicita-se numa frase como 1:
1. «Ele respondeu com convicção à Maria.»
A entidade com função de CI em 1 é facilmente substituída pelo pronome:
1.1. «Ele respondeu-lhe com convicção.»
Curiosamente, a par desta construção, que poderemos considerar prototípica, o verbo responder assume outro tipo de construções em que à função sintática de complemento indireto não é atribuído o papel temático de destino. É o caso da frase em apreço que repetimos como 2:
2. «Ele respondeu com convicção a todas as questões.»
Note-se que, neste exemplo, o CI dificilmente pode ser substituído pelo pronome (os ??? indicam aceitabilidade reduzida ou nula):
2.1. ???«Ele respondeu-lhes com convicção.»
O referente de lhes em 2.1 parece ser não «a todas as questões», mas, sim, a pessoa, ou pessoas, que terá formulado essas questões. E, nesta interpretação, a expressão «a todas as questões» assume um papel temático mais próximo do tema, associável em muitos casos ao complemento direto.
Importa dizer que a tradição gramatical atribui ao grupo preposicional «a todas as questões» a função sintática de complemento indireto.
Todos os dicionários de regência consultados fazem essa análise.
É interessante, todavia, destacar o que refere Epifânio Dias da Silva, na Sintaxe Histórica, 1.ª edição, página 100, parágrafo 132: «Alguns verbos intransitivos que têm complemento indirecto podem pôr-se na passiva, tendo por sujeito o comp. indireto: taes são obedecer e responder» (respeita-se a grafia original).
Assim teríamos:
3. «Ele respondeu com convicção a todas as questões.»
4. «Todas as questões foram respondidas por ele com convicção.»
Ou seja, estamos perante um verbo que, numa dada construção em que tem como complemento indireto – assim o interpreta a tradição – uma entidade que não tem o papel temático de destino, mas que se aproxima do papel temático de tema, atribuível habitualmente ao complemento direto, se comporta como se, efetivamente, esse complemento fosse um complemento direto, permitindo a construção passiva, e assumindo esse complemento a função de sujeito da passiva…
Em síntese, não temos conhecimento de trabalhos de investigação que proponham para a estrutura em análise uma outra interpretação além da de complemento indireto. Sublinha-se, no entanto, o facto de se tratar de um CI não prototípico cuja análise, pela complexidade de que se reveste, deve ser evitada no ensino não superior.
Nota (atualização em 2/06/2016) – Recebemos de João de Brito (Vila Real) as seguintes observações críticas:
«Peço desculpa pela insistência. Acontece que muitos dos consulentes são alunos e professores. Ora, se as respostas se ficam por aspetos descritivos e estatísticos, pela citação de autores que escrevem ou analisam de formas diversas, então não há um verdadeiro conhecimento explícito da língua nem o mínimo de normatividade que garanta a existência de uma verdadeira língua. Os efeitos perniciosos de tal conduta já se fazem sentir a todos os níveis. Mais algum tempo e, por este caminhar, documentos científicos e jurídicos, por exemplo, terão de ser escritos em inglês, porque, em português, a expressão de ideias claras e distintas não será mais possível. Indo ao caso: por força da lógica, não pode haver complemento indireto sem complemento direto. Seria uma contradição nos termos. O que acontece é que o complemento direto nem sempre está explícito. Na frase em apreço, ele está implícito no núcleo do predicado «respondeu», que deve ser entendido como «deu resposta», em que «resposta» é, de facto, o complemento direto. Também a formulação «Todas as questões foram respondidas por ele com convicção.», em rigor e pela mesma razão, terá de ser entendida como: «A(s) resposta(s) a todas as questões foi(foram) dada(s) por ele com convicção.» Assim, as pessoas compreenderão a razão das coisas e concluirão que a lógica (e a sintaxe é uma lógica) não tem exceções. E que a oralidade e a literatura são contas doutro rosário. Se queremos ter uma sociedade organizada, teremos de organizar primeiro o pensamento.»
Apresenta-se a réplica da consultora Edite Prada:
«Por uma questão de clareza e de organização, uma crítica a um conjunto de afirmações deveria centrar-se nelas e não em juízos de valor gerais e, quiçá, vagos, cujo efeito nos professores e alunos que consultam o Ciberdúvidas seria interessante averiguar.
Tem isto a ver com o facto de não encontrar, na resposta que dei, aspetos estatísticos que justifiquem a referência no seu texto.
Devo reconhecer, antes de avançar, que não domino todos os aspetos da língua portuguesa nem sou detentora da verdade absoluta e que desconhecia que era pernicioso dar aos leitores pistas acerca da origem de leituras e interpretações. Ignorava mesmo que seria pernicioso para os interessados focar a Sintaxe Histórica em aspetos em que, apesar dos seus cem anos, veicula uma interpretação inovadora, e rigorosa, convenhamos.
Por outro lado, procuro sempre, por respeito para com os consulentes e todos os leitores, veicular pontos de referência que possam ser compreendidos e verificados. Devo confessar que desconheço bibliografia que prove a inexistência de verbos que se completem apenas com um complemento indireto. A maioria, como a bibliografia refere, tem os dois complementos: o direto e o indireto. Todavia, há verbos que apenas têm complemento indireto, e é minha convicção que nem todos têm uma paráfrase equivalente com recurso a um verbo leve… Aponto, por exemplo, obedecer ("Ele obedece ao João."/ "Ele obedece-lhe.") ou acudir ("Ela acudiu ao amigo."/ "Ela acudiu-lhe.")
Voltando ao verbo em apreço, ou seja, responder, gostaria de saber em nome da clareza, do rigor e do respeito pelos leitores que João de Brito defende, qual é, para ele, a função de «a todas as questões». Trata-se de um verbo que, efetivamente, incorpora, lexicalmente, o conceito "resposta" sendo admissível a defesa de que se trate de um verbo que, em rigor, tem um complemento direto incorporado e só explicita o complemento indireto.
A questão que devolvo e repito, em nome da clareza, do respeito e do rigor, e que foi aquela a que respondi e que o levou a reagir é: qual é a função de «a todas as questões» na frase «Ele respondeu com convicção a todas as questões.»
Resta-me agradecer o interesse que o Ciberdúvidas lhe desperta.»