Edite Prada - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Edite Prada
Edite Prada
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Edite Prada é consultora do Ciberdúvidas. Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Português/Francês, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; mestrado interdisciplinar em Estudos Portugueses, defendido na Universidade Aberta de Lisboa. Autora de A Produção do Contraste no Português Europeu.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Ainda na sequência das nossas discussões a propósito do predicativo do sujeito e após ter feito uma leitura concentrada da referida gramática de Lindley Cintra, devo ainda colocar algumas questões

(i) «Rico, desdenhava dos humildes.»

«Rico» trata-se de um predicativo do sujeito em construção elíptica, ou de um modificador apositivo do sujeito nulo subentendido (à luz do DT, está claro)? Porquê? Quando temos construções elípticas deste género (se é que as temos...)? Se mo perguntassem, diria que só ocurriam em frases sem qualquer verbo...

Obrigado.

Resposta:

Uma das características das línguas vivas prende-se com a capacidade que qualquer falante tem de produzir, e compreender, enunciados nunca antes ouvidos ou pronunciados. Tal facto implica que, por vezes, ocorram produções linguísticas que se não enquadrem com facilidade nas regras de organização sintática. Surgem, assim, aqui e ali, possibilidades diversas, e igualmente legítimas, de interpretação de algumas frases. Surge, também, a necessidade de articular a profundidade da análise com a competência metalinguística dos destinatários, sobretudo se se trata, como parece ser o caso, de alunos do ensino básico ou secundário…

No caso de «Rico, desdenhava dos humildes», uma das interpretações, eventualmente a mais fácil para um jovem, será a seguinte:

(i) «Rico, desdenhava dos humildes.»

Sujeito – nulo subentendido – «ele»;

     Modificador apositivo – «rico»;

Predicado – «desdenhava dos humildes»;

     Complemento oblíquo – «dos humildes».

A interpretação de «rico» como modificador apositivo justifica-se pelo facto de estar isolado por vírgula. Se o sujeito estivesse expresso, «rico» viria, igualmente, isolado por vírgulas:

«Ele/O Mário, rico, desdenhava dos humildes.»

Note-se que o modificador apositivo tem, frequentemente, uma interpretação causal, ou explicativa, o que é visível em análises com a de Evanildo Bechara, na Moderna Gramática Portuguesa, 2002, p. 457, segundo a qual estruturas deste tipo são «apostos circunstanciais»:

(ii) «Paulinho, amigo, tirou-o da dificuldade.»

A poss...

Pergunta:

Como classificar morfologicamente «mais que» na seguinte frase: «Mais que um simples participante, ele era um vencedor»?

Obrigado.

Resposta:

A frase em apreço, de grande beleza, não é de fácil análise, até pelo valor avaliativo que veicula e que pode, de algum modo, condicionar a classificação, já por si difícil...

Importa dizer, antes de mais, que as orações comparativas não reúnem consenso entre os investigadores, havendo quem as aproxime quer das estruturas subordinadas em que, tradicionalmente, estão incluídas, quer das estruturas coordenadas.

Para a sua aproximação à coordenação, concorre uma das características que são mais comuns às comparativas e que, se assumirmos que é, de alguma forma, comparativa, a estrutura em apreço não cumpre: a impossibilidade de vir em início absoluto o elemento introduzido pelo conetor…

Gabriela Matos ilustra a proximidade entre coordenadas e comparativas na Gramática da Língua Portuguesa de Mira Mateus e outras, p. 746 (aqui, numerada como 1):

1.  «O Luís é mais inteligente do que o João é trabalhador.»

1.1.   *«Do que o João é trabalhador o Luís é mais inteligente.»

Note-se que, em 1, a construção contém um elemento correlativo quantificador (advérbio de quantidade na gramática tradicional…), mais, presente no primeiro elemento relacionado (do ponto de vista tradicional, a subordinante).

Ora, o exemplo que estamos a analisar e que numeramos como 2 parece ser uma variante deste e caracteriza-se por ter o quantificador adjacente ao conetor (chamemos-lhe assim, pelo menos por enquanto). Menos relevante é a presença ou não da preposição:

2. «Mais (do) que um simples participante, ele era um vencedor.»

Esta situação parece ser condição necessári...

Pergunta:

Na frase «brindemos ao teu sucesso», «brindemos ao teu sucesso» desempenha a função de complemento indireto, ou de complemento oblíquo?

Resposta:

Segundo o Dicionário Gramatical de Verbos Portugueses, o verbo brindar pode construir-se com complemento direto, se significa «presentear»: «O patrão brindou o funcionário mais eficiente.»

Nesta mesma aceção, pode, ainda, além do complemento direto, construir-se com um complemento oblíquo: «O filho brindou os pais com um presente.»

Em frases como a que está em apreço, o verbo constrói-se com um complemento oblíquo. O exemplo dado no dicionário citado é «Os sócios brindaram ao sucesso da empresa».

O facto de este complemento oblíquo ser introduzido pela preposição a pode induzir em erro e levar à interpretação desse complemento como indireto. Todavia, uma das características do complemento indireto é ser substituído pelo pronome oblíquo lhe, o que não é possível no exemplo em apreço: «Brindemos ao teu sucesso»; «*Brindemos-lhe.»

Perante o exposto, «ao teu sucesso» é um complemento oblíquo.

Armanda Ferreira

Pergunta:

É frequente assinalar-se o que do verso «Que eu canto o peito ilustre lusitano» como causal.

No entanto, na pergunta 31 499, o que do exemplo «Empresta-me o teu dicionário, que deixei o meu em casa» é classificado como explicativo.

Não são as duas frases semelhantes? Nesse caso, poderíamos classificar a oração desse verso d´Os Lusíadas como explicativa?

Confesso que a noção de orações coordenadas explicativas aplicada a estes dois exemplos me causa alguma dificuldade. Compreendo perfeitamente o exemplo dado no Dicionário Terminológico, mas não tenho a certeza.

A indicação, dada em várias fontes, de que a coordenada explicativa não pode ser colocada no início da frase não está, por outro lado, de acordo com a explicação dada a uma pergunta já de 1/03/2007, com o título A função do que. Nessa questão, é apresentado o exemplo da frase «passámos a tarde debaixo do chapéu, que o calor era insuportável», tendo sido sugerida a classificação da oração iniciada por que como subordinada causal. Ora, não me parece que esta oração pudesse iniciar a frase: *«que o calor era insuportável, passámos a tarde debaixo do chapéu».

Agradeço, desde já, a vossa resposta e todo o trabalho que têm vindo a realizar.

Resposta:

Gostaria, antes de mais, de salientar que a nossa língua não tem uma interpretação tão linear como desejaríamos, sobretudo quando estamos num contexto educativo.

Respostas únicas, inquestionáveis, integram o desejo de qualquer professor. Todavia, a língua, como a vida, não é assim tão simples. E mantém muitas franjas acerca das quais há, ainda, necessidade de investigar mais, o que não implica, porém, que da investigação saia uma interpretação unívoca. Com efeito, muitas vezes, o que da investigação nos advém é a necessidade de aceitar a diversidade. E, perante a diversidade, desde que devidamente justificada, nem sempre há argumentação que imponha, inequivocamente, uma das possibilidades.

Vale a pena salientar, também, que muitos são os investigadores e os gramáticos que consideram não existir coordenação conclusiva nem explicativa.

Acerca deste assunto, dizem Gabriela Matos e Eduardo Raposo, na recém-publicada Gramática do Português (doravante gramática da Gulbenkian), organizada por Eduardo Raposo e outros, e publicada pela Fundação Calouste Gulbenkian (no mês de outubro saíram os primeiros dois volumes). O sublinhado é meu:

«Com base num critério sobretudo semântico, a tradição gramatical luso-brasileira apresenta frequentemente um leque de conjunções e locuções conjuncionais coordenativas mais alargado do que aquele que é apresentado no quadro 1, da secção 35.3 [copulativas simples: e, nem; copulativas correlativas: nem… nem, quer… quer, não só… mas também, não só… como (também); disjuntivas simples: ou; disjuntivas correlativas ou… ou, ora… ora, quer… quer; adversativas simples: mas (p. 1787)]

Pergunta:

Qual a função sintática de «aos necessitados» na frase «Os donativos chegaram aos necessitados»?

Obrigada.

Resposta:

O verbo chegar, no seu significado prototípico, é um verbo de movimento que, muitas vezes, se utiliza sem a explicitação dos seus complementos, que são, por norma, referências a locais servindo de ponto quer de partida, quer de chegada.

Há, no entanto, situações e contextos em que o verbo adquire outros sentidos e, com eles, outra estrutura argumental. Assim, pode significar «bastar» como em

1 – «Basta de poluição»,

ou «ser suficiente», como em

2 – «O vencimento não chega à Maria».

Analisando bem, há uma semelhança estrutural entre a frase 2 e a que está em apreço que se regista como 3:

3 – «Os donativos chegaram aos necessitados.»

No entanto, creio que estas frases são distintas. Em 2, é possível substituir «à Maria» pelo pronome pessoal lhe:

2.1 – «O vencimento não lhe chegava.»

No caso da frase 3, poderemos dizer que ela é ambígua, pois num dos sentidos que lhe podemos atribuir é equivalente a 2, podendo aos necessitados ser substituído por lhes:

3.1 – «Os donativos chegaram-lhes.»

A frase 3.1 veicula a ideia de que os donativos dados aos necessitados são suficientes para eles. Todavia, o conhecimento que temos do mundo não facilita esta interpretação otimista… Creio que a ideia essencial é de deslocação, de movimento, transmitindo uma informação de rigor. Os donativos têm uma origem e têm um destino. Em 3, veicula-se a ideia de que os donativos atingiram o destino. Temos, pois, uma ideia, clara, de movimento.
Tendo em conta o ...