Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Depois dos polvos pronunciados [pól], o sr. Daniel Catalão, locutor da RTPN, deixou-me, mais uma vez, perplexo (noticiário 27/02/2010, 19 horas) com a explicação dos terramotos por deslocação das placas "técnicas". Ora, se não estou muito esquecido destas questões de geomorfologia, eu diria que se trata de «placas tectónicas». Não, aqui o c pronuncia-se, portanto, salvo melhor opinião, mantenho-o na escrita. Não é assim?

Resposta:

O Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, regista as palavras tectónica, «parte da geologia que estuda as deformações produzidas na crusta terrestre (enrugamentos, fracturas) pela acção de forças internas», e tectónico, «relativo à estrutura da crusta terrestre», cuja transcrição fonética é, respectivamente, [tɛ`ktɔnikɐ] e [tɛ`ktɔniku], com [k] na articulação do radical tect-.

Pergunta:

Tenho vindo a reparar na utilização frequente de "conosco" em vez de connosco, sendo a primeira um claro erro ortográfico, no entanto parece-me que um dos "n" já deveria ter caído, sendo connosco, uma das poucas, senão a única palavra em português com dois "n" seguidos.

Existe alguma regra relativamente a esta situação, ou a palavra simplesmente não evoluiu?

Resposta:

Em português de Portugal, escreve-se e continuará a escrever-se connosco (ver Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Porto Editora, e Vocabulário Ortográfico do Português, do ILTEC). A forma conosco é brasileira (ver Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras).

Pergunta:

No calendário revolucionário francês, o dia 16 do Brumário era o dia de chervis (sium sisarum), cuja tradução para o português parece ser "cherívia". Confirmam o acerto desta tradução?

Muito obrigado.

Resposta:

É difícil dar-lhe uma resposta precisa, porque os nomes não especializados de certas espécies botânicas podem ter muitas variantes. Por exemplo, o termo faia aplica-se geralmente a uma árvore cujo nome botânico é fagus sylvatica, mas também designa qualquer outro tipo de árvore que pertença aos géneros fagus e nothofagus (Dicionário Houaiss).

O mais que consigo fazer é transmitir informação disponível em dicionários gerais e em páginas da Internet, sempre com a ressalva de poder verificar-se o tipo de variação apontado. Assim:

— para designar a Sium sisarum, encontro, não "cherívia", mas cherivia, forma registada no Vocabulário da Língua Portuguesa, de Rebelo Gonçalves, com a variante cheruvia;

— no entanto, o Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora (2004), que também regista estas formas, a par de cherovia e pastinaga, acolhe-as como designação de planta comestível, da família das Umbelíferas, cultivada em Portugal [...]». Ora, a pastinaga ou, como se encontra grafada no Dicionário Houaiss, pastinaca é definida como nome vulgar da Pastinaca sativa.

Pergunta:

Gostaria fosse mais bem esclarecida uma questão que, na minha opinião, não foi muito bem tratada em perguntas já feitas anteriormente:

http://www.ciberduvidas.com/pergunta.php?id=20712

http://www.ciberduvidas.com/pergunta.php?id=21126

Lembro-me de que desde a escola primária que frequentei no Brasil as professoras sempre chamavam a atenção dos alunos para a não colocação do til no ditongo nasal (ão, ãe e õe) sobre a primeira vogal, e não entre as vogais como era comum alguns assim escreverem. Tal fato ainda pode ser observado de forma não rara na escrita manuscrita dos brasileiros, embora isso seja taxado como uma ignorância das pessoas de baixa classe social...

Quando me mudei para Portugal fiquei intrigado pelo assunto ao me deparar com esta mesma característica, não só na escrita manual como também nas publicidades das lojas. O que me deixou ainda mais curioso por isto foi constatar que numa nas poesias escritas no mausoléu de Alexandre Herculano no Mosteiro dos Jerónimos em Lisboa, também lá estava o til colocado entre as vogais do ditongo...

Já observei tal fato também em alguns textos manuscritos portugueses do século XVII que tive a oportunidade de ter acesso.

Por favor, poderiam sanar esta minha dúvida se haverá alguma razão plausível para esta característica encontrada em Portugal e no Brasil.

Muito obrigado pela atenção.

Coloco algumas ligações de exemplos sobre este assunto:

Placas no Brasil:...

Resposta:

É verdade que a colocação do til tem variado ao longo do tempo. Em documentos antigos o til pode aparecer sobre as duas letras do ditongo nasal. Em textos impressos no século XVIII, ou mesmo antes, era frequente, se não mesmo sistemática, a colocação do til no o do ditongo (escrevia-se <aõ> em vez de <ão> como hoje). Ivo Castro, na sua Introdução à História do Português (Lisboa, Edições Colibri, pág. 208), diz a respeito de um texto manuscrito de inícios do século XVII:

«[...] o ditongo final [ ̃ɐw] é sempre grafado <aõ>, independentemente do étimo ou da tonicidade: pode ser tónico, como em Pantaleaõ, puxaõ, mas também átono, como em meteraõ, levaraõ, podiaõ

Cf. A origem dupla do til em português

Pergunta:

Qual o grau aumentativo do nome sapo?

Resposta:

Em relação ao aumentativo de sapo, o Dicionário Houaiss regista saparrão em duas acepções: «1 sapo muito grande; 2 Derivação: sentido figurado. Pessoa gorda e desengonçada» O Dicionário de Expressões Populares Portuguesas (D. Quixote), de Guilherme Augusto Simões, acolhe saparrão com os seguintes significados: «pederasta, homossexual; indivíduo gordo e desajeitado.»

Pode derivar-se a forma sapão, que está registada, a par de saparrão, no Dicionário de Dificuldades, de Zélio dos Santos Jota (Rio de Janeiro – São Paulo, Editora Fundo de Cultura, ). O aumentativo sapão é palavra homónima de sapão, «árvore (Caesalpinia sappan)» e o mesmo que pau-brasil; o termo vem do «mal[aio] sápang, talvez do malai[ala] chappannam, "pau vermelho", der[ivado] do verbo chava, "ser vermelho"» (Dicionário Houaiss).