Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Lê-se e ouve-se frequentemente «de Sir Y» ou «de Lord(e) X». Penso que isto segue um certo hábito de prescindir do artigo definido associado a nomes, nas traduções do inglês («Andrew levantou-se»). Mas não será um português mais "normal" usar «do Sir Y» e «do Lord(e) X», à semelhança de «do Comendador Z», assim como «o Andrew levantou-se»?

Quanto a «Sir», «Lord(e)», «Comendador» (tal como «Rei», «Presidente», «Engenheiro», etc.), quando a preceder um nome, creio que o uso de maiúscula ou minúscula inicial («Sir Peter» ou «sir Peter») é apenas uma questão de gosto, eventualmente para dar maior ou menor relevância ao título em questão ou para tratar com maior ou menor deferência a pessoa referida. Estou correcto?

Obrigado.

Resposta:

1. Como títulos, deveriam seguir o uso generalizado em português, com artigo definido («o conde de Viseu», «o comendador Santos»). No entanto, assinale-se que dom e dona admitem um uso formal, sem artigo, e outro informal, com artigo: «D. Afonso Henriques foi o primeiro rei de Portugal.»; «Encontrei a D. Josefa na padaria.»

É plausível que a ausência de artigo se deva a influência do emprego dos nomes de títulos e cargos associados aos antropónimos em inglês («sir Francis Drake»; «prime-minister Gordon Brown»). No entanto, no uso destes nomes em português europeu oral, regista-se a presença de artigo: «a lady Di era amiga do sir Elton John»; «o lorde Nelson morreu em Trafalgar». Mas a ausência de artigo com nomes próprios no português europeu literário pode não ser o resultado do contacto com padrões linguísticos anglo-saxónicos: o artigo omite-se mais frequentemente em português do Brasil; também não aparece no português europeu formal nem em muitos textos literários já desde antes de a influência do inglês se ter intensificado. Penso que se pode falar em convergência desse uso inglês com uma prática que em português europeu já existia de forma restrita em certos registos.

2. Sim, quanto ao segundo parágrafo da pergunta.

Pergunta:

Em primeiro lugar, os meus cumprimentos e parabéns pelo site e serviço de esclarecimento público e pedagógico tão utilmente prestado.

A minha dúvida, na senda da mais correcta expressão oral das palavras, é perceber como proferir oralmente a forma verbal dos verbos da 1.ª conjugação na 1.ª pessoa do plural nos tempos verbais pretérito perfeito e presente, ambos do modo indicativo. Distinguem-se, quer pelo seu contexto, quer, quando na forma escrita, pelo acento (obrigatoriedade que julgo desaparecer com o famigerado acordo ortográfico).

E foneticamente? Não são ambas as formas verbais palavras graves, com acentuação na penúltima sílaba? Como portuense, confesso que tenho manifesta dificuldade em imitar as pronúncias mais sulistas, que alternam o a aberto com o a fechado, conforme seja o tempo pretérito ou presente. Pergunto: qual a forma mais correcta de pronúncia? Está errada a não distinção fonética/sonora feita no Norte, no que tange à pronúncia dos dois tempos verbais?

Antecipadamente grato pela vossa resposta, deixo os meus votos de sucesso para este sítio virtual e para os seus colaboradores.

Resposta:

Só se dirá que é correcta a distinção entre a fechado e a aberto nas formas de primeira pessoa do pretérito perfeito do indicativo, quando se considera que o padrão do português europeu se identifica com o dialecto das chamadas classes cultas de Lisboa. O facto de a diferença ser funcional, porque permite contrastar valores temporais distintos, favorece a opinião segundo a qual a indistinção é resultado de confusão e, como tal, constitui erro linguístico.

Mas se o critério em causa se pautar pela maior antiguidade da pronúncia, então dificilmente se pode dizer que a distinção é mais correcta que a não distinção, até porque existe um caso sem contraste de abertura de vogal; refiro-me à primeira pessoa do plural do presente e do pretérito perfeito do indicativo de verbos da 2.ª conjugação: «normalmente comemos arroz ao almoço» (presente do indicativo); «ontem comemos arroz ao almoço» (pretérito perfeito do indicativo).

Ivo Castro, na sua Introdução à História do Português (Lisboa, Edições Colibri, 1982, pág. 193), refere-se assim ao aparecimento do contaste entre a aberto e a fechado em sílaba tónica:

«[No sistema do vocalismo tónico do português quinhentista,] a vogal central [ɐ] ainda não adquirira pertinência distintiva, limitando-se a funcionar como variante contextual de /a/ em posição não acentuada, antes da consoante nasal. Paul Teyssier (1982: 42), contra a opinião de Serafim da Silva Neto (Neto 1...

Pergunta:

Gostaria de ser esclarecida sobre as palavras acima referidas (bem-vindo, boas-vindas, bem-estar), no sentido de perceber se as mesmas alteram ou não a sua grafia, ao abrigo do novo Acordo Ortográfico (AO).

Antecipadamente grata.

Resposta:

Não se altera a grafia de compostos que tenham o advérbio bem como um dos elementos. Lê-se no Acordo Ortográfico de 1990 (AO 90), Base XV, 4.º:

«Emprega-se o hífen nos compostos com os advérbios bem e mal, quando estes formam com o elemento que se lhes segue uma unidade sintagmática e semântica e tal elemento começa por vogal ou h. No entanto, o advérbio bem, ao contrário de mal, pode não se aglutinar com palavras começadas por consoante. Eis alguns exemplos das várias situações: bem-aventurado, bem-estar, bem-humorado; mal-afortunado, mal-estar, mal-humorado; bem-criado (cf. malcriado), bem-ditoso (cf. malditoso), bem-falante (cf. malfalante), bem-mandado (cf. malmandado), bem-nascido (cf. malnascido), bem-soante (cf. malsoante), bem-visto (cf. malvisto).

Pergunta:

A dúvida que gostaria de colocar prende-se com a frase «Ele falou tanto, que fiquei cansada de o ouvir». Atendendo à sua análise sintáctica, «de o ouvir» desempenha uma função sintáctica individual, ou funciona em conjunto com «cansada», que, neste caso, é o nome predicativo do sujeito?

Muito obrigada pela atenção.

Resposta:

O constituinte «de o ouvir» tem função sintáctica própria: é o complemento do adjectivo no grupo adjectival «cansada de o ouvir». Este grupo adjectival, por sua vez, é o predicativo do sujeito da oração «que fiquei cansada de o ouvir».

Note que no complemento do adjectivo se encaixa uma oração subordinada completiva de infinitivo («de o ouvir»).

Pergunta:

Como poderia traduzir a palavra homing (em contexto biológico/científico)? «Retorno à origem»?

Obrigado.

Resposta:

Não encontro uma expressão portuguesa equivalente nos dicionários gerais, mas consultas na Internet levam-me a considerar «retorno ao lar» ou «retorno» como alternativa válida ao anglicismo homing, pelo menos, no contexto de outra expressão, «instinto de retorno ao lar». Pelo menos é assim que se traduz homing instinct, expressão que ocorre na obra Anatomy of Restlessness, de Bruce Chatwin:

«I have a compulsion to wander and a compulsion to return — a homing instinct like a migrating bird [...].»

«Tenho a compulsão da partida e a compulsão do regresso — o instinto de retorno ao lar da ave migratória» (Bruce Chatwin, A Anatomia da Errância, Lisboa, Quetzal, p. 100; citado no blogue Rascunho).

É tudo o que posso dizer sobre a tradução em linguagem não especializada, porque a respeito de termo científico consagrado terá de ouvir os especialistas que, por enquanto, não consegui consultar.