Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Como se deve dizer: «vila de Lagoa», ou «vila da Lagoa»?

Obrigada.

Resposta:

Visto Lagoa ter origem num nome comum, lagoa, deveria seguir-se tendência de topónimos deste tipo serem usados com artigo definido: «vila da Lagoa». E parece que assim acontece. No entanto, verifico em páginas da Internet, em especial nas da câmara municipal da localidade açoriana assim chamada, que também se dispensa o artigo definido: «município de Lagoa», «concelho de Lagoa». Mais, noto até que a referência à povoação é feita com o artigo, mas a menção da unidade administrativa ocorre sem o artigo: «A taxa de actividade na Lagoa é de 42,7%» vs. «nota-se que o Concelho de Lagoa conta com uma população activa (cidadãos no mercado de trabalho) de 5575 pessoas empregadas». Seja como for, mesmo achando este caso como mais uma das peculiaridades do uso toponímico regional, favoreço o emprego sistemático de Lagoa com artigo definido, incluindo contracções («da Lagoa», «na Lagoa», «pela Lagoa»).

Pergunta:

Em palavras compostas em que o primeiro elemento é um verbo na terceira pessoa do singular do presente do indicativo, e o segundo é um substantivo, sendo ambos unidos por hífen, geralmente este último aparece no plural: saca-rolhas, porta-malas, guarda-volumes, salva-vidas, etc.

O fato de o último estar no plural, mesmo quando a palavra composta ao qual pertence está no singular, parece-me ter um lógica: um saca-rolhas é um instrumento que pode sacar muitas rolhas e não apenas uma rolha; um porta-malas, porta (pode conter) várias malas e não apenas uma; num guarda-volumes, guarda-se sempre mais de um volume; um salva-vidas de praia, ao longo de sua vida profissional, ou mesmo em um único dia, pode salvar muitas vidas humanas.

Casos há, todavia, em que o segundo elemento vem mesmo no singular, quando a palavra composta está no singular, indo ao plural somente quando esta se pluraliza: guarda-roupa, guarda-fato, guarda-louça, lava-louça, lava-roupa. No plural: «dois guarda-roupas»; «cinco lava-louças». Parece ser porque o segundo elemento, embora esteja no singular, tem sentido plural. Exemplificando, roupa pode ser uma peça de roupa como um conjunto de peças de roupa. O mesmo ocorre com louça.

Em guarda-chuva, parece que chuva pode ser a chuva de um momento ou toda a chuva de um período ou ano ou anos. Daí o fato de chuva estar no singular, já que tem também o sentido plural.

É o guarda-sol, e não o "guarda-sóis", pois há somente um sol.

No caso de palavras compostas análogas formadas no Brasil, creio qu...

Resposta:

O que é proposto na pelo consulente terá a sua lógica, mas sucede que língua e lógica são dimensões diferentes, muitas vezes coincidentes, mas também aqui e ali divergentes, como é o caso de certos plurais. Em compostos de verbo e substantivo, o segundo elemento recebe a marca de plural, mesmo que, do ponto de vista da semântica dos elementos constituintes, isso possa resultar ilógico ou paradoxal. Assim:

guarda-chuva (singular) > guarda-chuvas (plural)

guarda-sol (singular) > guarda-sóis (plural)

Evanildo Bechara, na sua Moderna Gramática Portuguesa (Rio e Janeiro, Editora Lucerna, 2002, pág. 129) é claro sobre o assunto:

«Plural dos nomes compostos [...] A – SOMENTE O ÚLTIMO ELEMENTO VARIA: [...] 3) nos compostos de tema verbal ou palavra invariável seguida de substantivo ou adjetivo:

furta-cor               furta-cores

beija-flor               beija-flores

abaixo-assinado      abaixo-assinados

alto-falante           alto-falantes

vice-rei                 vice-reis

ex-diretor              ex-diretores

ave-maria          ...

Pergunta:

Gostaria de saber se é incorrecta a designação «fenómeno sintáctico», ou se há alguma diferença entre recurso sintáctico e fenómeno sintáctico.

Muito obrigada!

Resposta:

Pode falar de «fenómeno sintáctico» se estiver a referir-se a um processo ou mecanismo sintácticos (por exemplo, concordância e a elipse), muito embora o Dicionário Terminológico indique o «processo sintáctico» como termo a aplicar.

A palavra recurso costuma ser usada em estudos literários para designar certos efeitos linguísticos mobilizados com intenção estética. Um recurso sintáctico é, portanto, uma estrutura sintáctica da qual se tira partido literário; por exemplo, a deslocação de certos constituintes para os tornar semanticamente salientes ou para facilitar a estrutura métrica e rimática, como acontece frequentemente em Os Lusíadas, de Luís de Camões (estâncias 122 e 123):

«Quando um gesto suave te sujeita.
Vendo estas namoradas estranhezas,
O velho pai sesudo, que respeita
O murmurar do povo e a fantasia
Do filho, que casar-se não queria,

 

Tirar Inês ao mundo determina,
Por lhe tirar o filho que tem preso,
Crendo co sangue só da morte ladina
Matar do firme amor o fogo aceso.
[...]»

 

Note-se a deslocação dos constituintes sintácticos na sequência «O velho pai sesudo [...]/Tirar Inês ao mundo determina», na qual a oração completiva «tirar Inês ao mundo» precede o verbo que a selecciona, «determina», contrariando a ordem de palavras mais frequente (canónica) — «O velho pai sesudo determina tirar Inês ao mundo». A posição não canónica da oração completiva, por um lado, permite a rima com «ladina», no verso «Crendo co sangue só da morte ladina» e, por outro, salienta a oração «tirar Inês ao mundo» logo no início de uma nova estância, aumentando o efeito de choque da...

Pergunta:

Gostaria de saber a diferença dos termos língua e idioma e qual dos dois devo usar para permitir ao utilizador ajustar a língua (ou idioma) do texto disponibilizado na aplicação.

Gostava também de sugerir que adicionassem aos "Erros mais frequentes" a utilização do termo linguagem em vez do termo língua/idioma.

Desde já obrigado.

Resposta:

São sinónimos, na acepção de «língua própria de um país ou de uma nação». Contudo, podem não permutar em todos os contextos e formações vocabulares; por exemplo, «falar idiomas» é o mesmo que «falar línguas»; em contrapartida, fixou-se no léxico o composto língua-mãe, e não "idioma-mãe" nem "idioma-pai". O uso da forma idiomas em certas aplicações informáticas parece dever-se mais ao hábito de, nesse contexto, assim se traduzir language, que deverá ter sido o termo original em inglês (língua em que a tecnologia em apreço foi concebida e transmitida). Será que tudo começou pela inabilidade de um tradutor mais treinado em castelhano, língua em que é mais frequente empregar a expressão «hablar idiomas» do que «hablar lenguas»? Deixo a pergunta em aberto.

Pergunta:

Agradecia que me dissessem qual a função sintáctica de «muito», numa frase como «Choveu muito».

Obrigada.

Resposta:

De acordo com o Dicionário Terminológico, muito constitui um modificador do grupo verbal no contexto em apreço, uma vez que se trata de um constituinte não seleccionado por chover, verbo intransitivo. Numa terminologia mais antiga, pode classificar-se como um complemento circunstancial de quantidade.