Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

«O seu amigo Zé salvou-o.»

Nesta frase, a palavra amigo é substantivo, ou adjectivo?

Obrigada.

Resposta:

É substantivo, porque «amigo» é núcleo de um grupo nominal. O nome próprio tem a função de aposto de especificação, tal como acontece em «o tio João», «a prima Catarina», «o rei D. Manuel» ou «o poeta Bilac» (ver Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, Edições João Sá da Costa, 1995, pág. 156). Nestas expressões, tio, prima, rei e poeta são substantivos especificados ou individualizados, respectivamente, pelos apostos «João», «Catarina», «D. Manuel» e «Bilac». Do mesmo modo, direi que, na sequência em questão, a palavra amigo é especificada pelo aposto «Zé».

Pergunta:

Respondida que está a questão sobre o uso de maiúscula quando «o País» subentende «o nosso país» (i.e., Portugal), coloco uma "subquestão": e se for um estrangeiro a dizê-lo?

Explicando melhor: entrevistei um cidadão brasileiro que me diz que, «em Agosto, o país pára». Ele refere-se ao nosso país, não ao dele. Deve ser colocado em maiúscula? E no caso inverso: se ele fizer a mesma afirmação, mas sobre o seu próprio país? Tem maiúscula?

Obrigado.

Resposta:

Tudo depende do contexto. Dizer «o País» pressupõe um universo comum de referência. Sendo assim, vivendo em Portugal, um brasileiro, um sueco ou um filipino podem referir pela expressão «o País» a comunidade e o território em que se encontram a viver e não o meio onde nasceram e foram educados. Por outras palavras, «o País» pode corresponder ao país em que (con)vivem o enunciador (independentemente da sua origem e nacionalidade) e os seus interlocutores e destinatários.

Pergunta:

Qual é o radical da palavra paciência?

Resposta:

A forma paciênci- é o radical, e -a é o índice temático da palavra paciência.

Pergunta:

Gostaria de saber por que se pronunciam algumas siglas que formam palavra com mais de uma sílaba cuja letra final é o U como paroxítona, enquanto outras são pronunciadas como oxítonas. Exemplo: ONU (paroxítona) e SAMU (oxítona).

De maneira semelhante, aparecem as siglas terminadas em I. Na sigla INPI (que aqui no Brasil pronunciamos como paroxítona), não sería correto lermos de maneira igual a "tupi", palavra oxítona que designa etnias pré-colombianas brasileiras?

Resposta:

A rigor, os exemplos apontados são acrónimos, ou seja, são siglas que têm estrutura silábica e, por isso, se pronunciam como palavras. Como tal, seguem as regras gerais da fonologia e ortografia da língua portuguesa: se ONU se pronuncia como palavra oxítona (ou aguda) "onú", então SAMU também pertence ao mesmo tipo acentual e pronuncia-se "samú". Quanto a INPI, seria de esperar que ou se soletre ("i-ene-pê-i") ou se pronuncie como "impí", com acento na última sílaba (rima com tupi).

Pergunta:

Como é a pronúncia da palavra questão em símbolos fonéticos?

Muito obrigado.

Resposta:

A seguinte: [kɨʃtɐ̃w] em português europeu, e [keʃtɐ̃w] ou [kestɐ̃w] em português brasileiro.1

Assinale-se que há regist{#|r}o da pronúncia da letra u, como "kwestão", mas trata-se de matéria controversa. Com efeito, o Dicionário Houaiss, na sua edição de 2001, que ainda apresenta formas com trema, de acordo com o Formulário Ortográfico de 1943, consigna a variante qüestão, a indicar u pronunciado, mas remete-a para questão, sem essa vogal, o que sugere que é esta a preferencial. Já a edição de 2009, de harmonia com o Acordo Ortográfico de 1990, inclui indicações fonéticas das duas pronúncias, sem assinalar preferência. Por seu lado, Maria Helena de Moura Neves, no seu Guia de Uso do Português (São Paulo, Editora Unesp, 2003) considera que a letra u «não corresponde a nenhum, e, por isso, não há trema».  Conclui-se que a pronúncia com [u] é uma variante que não tem o consenso dos gramáticos normativos, pelo que se aconselha evitá-la.

1 Por razões técnicas não é possível colocar um til também sobre a semivogal [w] nas transcrições da palavra em apreço.  Refira-se ainda que existe igualmente a variante [kɛʃtɐ̃w], com é aberto pré-t{#ó|ô}nico (informação do consulente Gilson Celerino da Silv...