Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Qual a pronuncia correta? "Culmatar" ou "co(u)lmatar"?

Resposta:

Em Portugal, a pronúncia padrão é com o fechado, com "ôl", como ocorre em voltar ou soltar, em que a vogal o, embora átona1, se encontra em sílaba fechada por l.

Note-se, porém, que não é impossível, regionalmente, ouvir-se "culmatar", que se aceita.

 

1 Recorde-se que no português de Portugal as vogais em silaba átona tendem a reduzir-se (ver Textos Relacionados). Seria, portanto, de esperar que, na norma-padrão, voltar, soltar, colmatar soassem, respetivamente, como "vultar", "sultar" e "culmatar". Contudo, não é isto o que se verifica, como se assinala na Gramática do Português (Fundação Calouste Gulbenkian, 2013-2020, p. 3320), onde se assinala que «a redução fonológica de  sonoridade fonológica não se aplica» às vogais representadas na escrita por a, e ou o e seguidas de l a fechar sílaba (por exemplo, salmoura, relvado e moldar).

Pergunta:

A expressão team building ou team-building é usada em Portugal para definir uma tipologia de atividades especificas de desenvolvimento de equipas.

Procurei no dicionário de estrangeirismos da língua portuguesa e encontro a palavra team mas não team building ou team-building

1. É a expressão team building um estrangeirismo?

2. Em caso negativo, como classificar a mesma?

Outra questão que aproveito para colocar é a seguinte:

Em inglês, de acordo com os dicionários Oxford Learner's e Cambridge, 2023 team building e team-building são ambos termos correctos e a sua aplicação depende do contexto. Alegadamente no primeiro caso quando a expressão é usada como um substantivo e team-building usa-se como adjetivo antes do substantivo que está a descrever.

3. Assim sendo, esta regra aplica-se também num mesmo contexto português?

Resposta:

É claramente um estrangeirismo, tal como team, «grupo, equipa».

Ambos os anglicismos devem escrever-se em itálico ou entre aspas.

Como é difícil transpor para português a forma adjetival hifenizada, afigura-se mais adequado manter a forma nominal sem hífen – team building –, que pode ser usada como modificador do nome: «atividade de team building». Não será impossível empregar adjetivalmente team-building – supondo "atividade team-building" –, mas o resultado é forçado, pois redunda na imposição de um padrão de inglês, mais flexível que o português na conversão de palavras (de nome para verbo, de adjetivo para verbo, de nome para adjetivo).

Pergunta:

Estava lendo um artigo do site Origem da Palavra, que indica que tataravô, como pai do trisavô, está errado... Eles dizem que, embora muitos a usem, o correto é tetravô mesmo!

Pois muito bem, qual a origem/de onde vem tataravô? É gramaticalmente incorreto e esteticamente feio utilizar tetravô? Por quê no caso? E, caso não seja, existe também "tatataravô" (que seria o «pai do tetravô»)?

A propósito: meus parabéns por sempre se empenharem em escrever no mais correto português… Muitos dos livros que leio são recheados de erros de digitação, idioma e informação! Bem triste, não é verdade isso?

Muitíssimo obrigado e um grande abraço!

Resposta:

 A forma mais correta é de facto tetravô, ou seja, «quatro vezes avô», de acordo com o significado do elemento tetra-, que vem do grego téttares, es, a («quatro») e ocorre também em tetraneto.

Contudo, não se pode dizer que tataravô seja forma errónea, porque, perante tetravô/tetravó e tetraneto, pode defender-se que o elemento tetra- resulta da interferência erudita sobre a forma tata(r)-, que terá origem não grega, mas, sim, latina ou românica. Com efeito, a forma tata(r) pode remontar a trás, no sentido de «anterior». Cita-se o comentário do Dicionário Houaiss a respeito da entrada tataraneto:

«[Tataraneto tem] origem controversa; [é] geralmente considerado alteração de tetraneto; segundo [Antenor] Nascentes, do português antigo trasneto (m.q. bisneto) fez-se *traneto e ao seu filho chamou-se *tratraneto, e daí, por dissimilação *tatraneto, por suarabácti [inserção de vogal] "tataraneto"; a forma tetraneto é, segundo ele, criação erudita moderna; o elemento tatar(a)- passa a ser usado, por analogia, em tataravô e outros vocábulos [...].»

Note-se que os vocábulos castelhanos homólogos são tatarabuelo, «tetravô», e tataranieto, «tetraneto», os quais são explicados por Joan Coromines e José Antonio Pascual (Diccionario Crítico Etimológico Castellano e Hispánico, versao em CD-ROM, 2012), como formas que ex...

Pergunta:

Qual é a origem do topónimo Mealhada, pertencente ao distrito de Aveiro visto que o primeiro registo remonta ao séc. XIII com a designação de "Mealhada Má".

De ressalvar a mesma existência de topónimo no concelho de Loures, e de uma fonte em Castelo de Vide.

Resposta:

Não foi possível reunir dados concretos nem decisivos sobre a etimologia de "Mealhada" para esta resposta.

Trata-se, como bem diz o consulente, de um topónimo que ocorre, pelo menos, três vezes no território Portugal1. A atestação mais antiga deste topónimo, referente à cidade da região da Bairrada, remonta a 1288, de acordo com o estudo de J. Branquinho de Carvalho, "A antiguidade da Mealhada" (Arquivo do Distrito de Aveiro, vol. XVI, 1950, pp. 213-226). Como também se assinala na pergunta, a forma realmente documentada é um composto: Mealhada Má.

Quanto à análise etimológica do topónimo, diga-se que a mais comum é a de se tratar de um derivado de mealha, que seria a denominação de uma medalha de cobre. Mas falta informação que permita esclarecer:

a) se as três Mealhadas identificadas têm realmente a mesma origem;

b) a congruência do significado de mealhada com o espaço e a paisagem onde se encontra a Mealhada bairradina.

Há uma proposta alternativa, a de Almeida Fernandes (Toponímia Portuguesa, 1999), que relaciona Mealhada com malhada, que, entre várias aceções, se usa ou usava no sentido de «redil, local onde se reúne o gado», hipótese que se conjuga com o topónimo Vacariça, nome alusivo à criação de gado bovino e que designa a povoação que foi sede de concelho, à qual se subordinou a Mealhada até à década de 30 do século XIX.

O problema da hipótese de Almeida Fernandes é o de não esclarecer a relação entre Mealhada e...

Pergunta:

Gostava de saber se o verbo docere (latim) pode assumir o significado de «conduzir» e se o termo docente pode ser considerado «aquele que conduz».

Resposta:

A palavra docente vem do particípio presente docens, docentis, «que ensina», do verbo latino docēre, «ensinar», mas este não tem etimologicamente relação com conduzir.

Com efeito, conduzir vem do latim conducĕre, que encerra a raiz duc-, que parece remontar à raiz indo-europeia *deuk-, «puxar, arrastar, conduzir»1. A raiz de docēre provém de outra raiz, também indo-europeia, *dek-, «tomar, aceitar»2. Apesar da semelhança formal das raízes indo-europeias mencionadas, não parece haver relação direta entre elas, pois a verdade é que não se consegue recuar mais no tempo para achar entre elas eventual relação.

Note-se, porém, que em educar e, portanto, educação, educativo e educador, existe a raiz latina duc-, com a qual se relaciona diretamente conduzir e palavras conexas como condução e condutor.

Em suma, no campo lexical do ensino-aprendizagem, há palavras que se relacionam com a noção de «conduzir, liderar», mas não através da palavra docente, que remonta a uma raiz com outro significado.

1 Consultou-se o Online Etymology Dictionary, que inclui a raiz *deuk.

2 Ver *dek- no Online Etymology Dictionary.