Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Obrigado pelo excelente site.

Queria saber se me poderiam esclarecer quanto ao significado e origem da palavra "timpeira", muito em voga aqui no Nordeste de Portugal.

É nome de uma zona de Vila Real e também de várias quintas.

Obrigado, Rodrigo Vaz

Resposta:

Nas fontes aqui consultadas, não se encontra explicação para o topónimo em questão.

O único comentário disponível sobre a sua origem, é o de José Pedro Machado, no seu Dicionário Onomástico Etimológico, e resume-se a considerar que o topónimo é de origem obscura: reconhece-se o sufico -eira, frequente na toponímia (sobretudo com nomes relativos à flora e à fauna), mas, sobre o radical timp-, não há informação.

Pergunta:

Ouço regularmente falar de enclave a respeito de Gaza.

Para ser enclave tem de estar totalmente rodeado, sem saída para o mar, pelo que qualquer pessoa que queira sair tem de passar por outro território. É o caso Nagorno-Karabak, sempre bem denominado como enclave.

Agradecia um esclarecimento

Resposta:

Não foi possível aqui chegar a resposta direta a adequação do termo enclave na referência à Faixa de Gaza. Na linguagem corrente, não se pode dizer que constitua um claro erro chamar enclave à faixa de Gaza.

A pergunta é de natureza técnica, e a informação recolhida para este parecer é de origem anglo-saxónica e parece muito estrita quanto à definição de enclave, que tem a mesma forma que o português  – cf. Wikipedia e Online Etymology. No entanto, consultando as versões da Wikipedia em francês, espanhol e, paradoxalmente, até em inglês, verifica-se que se usam homógrafos sinónimos do português enclave como apelativo da Faixa de Gaza, o que se compreende, porque o uso do termo mais adequado semienclave (dado que é território com litoral) poderá configurar um preciosismo dispensável, pelo menos, em contextos em linguagem corrente.

Dito isto, nota-se que, inclusivamente em textos mais especializados, se usa enclave mesmo que o território assim designado se encontre junto à costa, como é o caso do território de Kaliningrado, nome retomado pelo inglês enclave no seguinte título: Diener, Alexander, and Joshua Hagen. "Geopolitics of the Kaliningrad exclave and enclave: Russian and EU perspectives." Eurasian Geography and Economics 52.4 (2011): 567-592.

De qualquer modo, é de notar que, pelo menos, em português, não há claro juízo normativo que impeça o emprego de enclave para referir um território de um país que se encontra rodeado por território de outro país ou outros países, havendo ou não saída para o mar.

Pergunta:

Entre adstringido e adstrito só a primeira pode ser particípio passado do verbo adstringir?

Resposta:

Embora a maioria dos dicionários e das gramáticas não o refira, o verbo adstringir tem duplo particípio.

Ou seja, tem a forma regular adstringido, que se usa com o auxiliar ter em tempos compostos, e adstrito, que ocorre na voz passiva (com ser e nas variantes com estar e ficar)1.

O facto de adstringir ter duplo particípio passado é assinalado por Rebelo Gonçalves, no Vocabulário da Língua Portuguesa, publicado em 1966: «adstringir, verbo. Particípio passado: adstringido e adstrito.»; «adstrito, particípio passado de adstringir (coexistente com adstringido)».

1 Sobre o uso de adstringir, consultar também o comentário de Helder Guégués no blogue Linguagista.

Pergunta:

Há uma questão que eu queria esclarecer. Ao conversar com um falante nativo de português europeu, aprendi que existe uma diferença entre a pronúncia do verbo podemos no presente, com e fechado, e pudemos no passado, com e aberto.

Imagino que isso se aplique também aos outros verbos da segunda conjugação.

Tentei aprofundar o assunto na Internet, mas não encontrei nada. Podiam direcionar-me para algum recurso sobre esse tópico?

Obrigado.

Resposta:

Essa alternância só ocorre na 1.ª pessoa do plural dos verbos irregulares da 2.ª conjugação na pronúncia padrão do português de Portugal. Nos verbos regulares dessa conjugação não há diferença, e a vogal e é sempre fechada.

Nos verbos irregulares, por exemplo, com poder, há de facto diferença no padrão da pronúncia do e de podemos e pudemos no português europeu:

«nós podemos ir hoje ao cinema» – [pudêmuch] – com [ê] fechado

«ontem, não pudemos ir ao cinema» – [pudémuch] – com [é] aberto

Ou seja, a forma que se escreve com o na primeira sílaba de podemos tem e fechado – é a forma do presente do indicativo. A forma que se escreve com u na primeira sílaba de pudemos tem e aberto – é a forma do pretérito perfeito do indicativo.

Com os verbos regulares, não há tal contraste, e a vogal e é sempre fechada, como no Brasil:

«comemos alface amanhã» – com[ê]mos

«ontem só comemos alface» – com[ê]mos

Pergunta:

A palavra vigilantismo já aparece nos dicionários da língua portuguesa?

No dicionário que tenho em casa em português do Brasil, não. Em dicionários da Internet, sim.

Qual palavra em português melhor substitui a palavra vigilantismo? Alguém sabe do primeiro registro dessa palavra em solos falantes do português?

Resposta:

É um neologismo provavelmente com perto de duas décadas, decalcado do inglês vigilantism.

Tem registo nos dicionários em linha elaborados em Portugal, designadamente, a Infopédia e o Priberam.  É palavra aceitável, até porque o termo inglês que adota deriva de um vocábulo do espanhol, vigilante, que tem a mesma forma e o mesmo significado que a forma homónima vigilante em português. Pode, no entanto, recorrer-se a outras palavras: justiceirismo, autojustiça (cf. "Justiceiro", na Wikipédia), vocábulos que estão bem formados e se aceitam.