Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

O apelido Rolim, deve ler- se “Rólim”ou “Rulim”?

Obrigado

Resposta:

A pronúncia recomendada de Rolim é com ó aberto átono.

Algo de semelhante acontece com o topónimo Roriz, cujo o é também aberto, apesar de estar em sílaba átona.

Fonte: Rebelo Gonçalves, Vocabulário da Língua Portuguesa, 1966.

Pergunta:

Vi a construção «Ele punha a outra equipa a ridículo», traduzida do castelhano. É de uso em português europeu?

Ou não será antes: «Ele expunha a outra equipa ao ridículo»?

Muito obrigado.

Resposta:

Aceita-se, mas os usos com maior tradição de registo nos dicionários são os seguintes: «meter a ridículo» «expor ao ridículo» e «expor a ridículo».

No entanto, há exemplos literários de «pôr a ridículo», os quais estão longe de configurarem um uso incorreto, até porque, do ponto de vista da tradição purista, tem-se considerado que pôr é, em geral, mais vernacularmente adequado do que meter:

(1) «Não porque estejamos convencidos de que o coração do homem seja uma coisa idealmente clara e perceptível, mas porque a vulgaridade da frase já está desacreditada e posta a ridículo» (Abel Botelho, Fatal Dilema, 1917, in Corpus do Português).

(2) «... e na sua crueza e primitivismo punha singularmente a ridículo as ideias que apregoava e as suas reivindicações de carácter social» (Mário Ventura, A Noite da Ventura, 1960, ibidem).

Pergunta:

Nas minhas fontes e pesquisas não encontrei uma referência à tradução de hajj, a peregrinação realizada à cidade santa de Meca pelos muçulmanos.

Existe uma referência na Wikipédia a Alves, Adalberto (2014). Dicionário de Arabismos da Língua Portuguesa, mas gostaria de saber se o Ciberdúvidas concorda com esta solução ou se tem opinião diferente sobre a forma correta de escrever esta palavra de origem árabe em português.

Uma vez mais agradecido.

Resposta:

É uma palavra que não tem grafia estável em português, pois parece não haver tradição de registo

Há que distinguir entre a peregrinação – hajj – e a pessoa que a fez, o peregrino – hajji.

Nesta perspetiva, a entrada que Adalberto Alves regista no seu Dicionário de Arabismos da Língua Portuguesa é o segundo termo, haji, muito embora inclua na respetiva definição a transcrição ḥajj, que significa «peregrinação». A grafia adotada por Adalberto Alves é legítima, pois já é a recomendada por José Pedro Machado no Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa. Mas também se aceitam as variantes hadji, háji, haje, sobretudo na lexicografia brasileira (ver Aurélio e Dicionário Houaiss). Há ainda o registo da forma hagi, na Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira.

Quanto ao nome da peregrinação a Meca, a Infopédia adota uma solução simples: regista a forma Hajj, que trata como nome próprio, atribuindo-lhe maiúscula inic...

Pergunta:

Como ensinar a letra e em início de palavra (escola) ou no meio (veado) no ensino básico, quando esta letra é dita/lida como [i]?

Para um aluno que está a aprender a escrever e a ler, deveremos ler o som [e] e não [i], apesar de os alunos dizerem *viado e *iscola?

Como proceder?

Muito obrigada.

Resposta:

Em relação à primeira pergunta, uma correção: em escola e veado, figura um e, que é uma letra (ou melhor um grafema), e não um som.

Relativamente ao problema levantado – ensinar o uso do grafema <e> em início de palavra (escola) ou no meio (veado) quando o som associado a este grafema é pronunciado [i] -, deve observar-se que muitas vezes o grafema e corresponde a um [i] na pronúncia. Por exemplo, na pronúncia padrão do português de Portugal, a letra e, em começo absoluto de palavra, lê-se e pronuncia-se geralmente como [i], quando corresponde a vogal átona seguida de consoante: elefante = [i]lefante, [i]xame1.

Aceitando que na aprendizagem da leitura e da escrita se deve partir do som para a ortografia2, não se afigura difícil explicar que o grafema e no começo de escola, como os de espaço, escada, estar ou esmagar, se pronuncia [i]. Também a letra e que se escreve no interior de palavra, como em veado ou geografia, imediatamente antes de letra vocálica – a ou o –, representa um [i], que se encontra em sílaba átona e é seguido de vogal tónica.

Devem, porém, assinalar-se certas oscilações regionais na pronúncia deste e inicial, as quais podem chegar ao extremo de este grafema não ter realização fonética. É o que se verifica, por exemplo, na pronúncia corrente do português europeu centro-meridional nos casos acima mencionados: escola – "ch...

Pergunta:

Não tenho dúvidas sobre as posições possíveis do pronome pessoal átono nas construções formadas por auxiliar finito e verbo principal no infinitivo. Há mesmo muitas respostas sobre o assunto.

Contudo, interessa-me saber se é coerente a justificativa para a norma idiossincrásica que sigo. Sei estarem em conformidade com o uso culto corrente as seguintes construções, transcritas da resposta do consultor Carlos Rocha à consulente Ana Magalhães, em 7 de novembro de 2018:

1. Vai/Pode conhecer-se muitos lugares.

2. Vai-se/Pode-se conhecer muitos lugares.

3. Vão/Podem conhecer-se muitos lugares.

4. Vão-se/Podem-se conhecer muitos lugares.

Sei também que se é pronome indeterminado em 1 e 2, mas apassivante em 3 e 4, estas consideradas preferíveis pela norma mais conservadora.

Vem, finalmente, a minha pergunta: a despeito de o uso corrente não fazer distinção entre as construções formadas por um auxiliar modal e as formadas por um não modal, não há alguma diferença entre elas, que tem implicações relevantes? Explico-me com exemplos.

Não se diria, normalmente, «Conhecer muitos lugares pode-se», mas a frase não é agramatical e poderia ser empregada para fins enfáticos, como em «Conhecer muitos lugares pode-se; o que não se pode é usar o desejo de conhecer muitos lugares como pretexto para justificar a falta de compromisso com os estudos». Portanto, «Conhecer muitos lugares» é sujeito, e, como o núcleo do sujeito é um verbo no infinitivo, a forma verbal finita mantém-se no singular: «pode-se». Trata-se, a meu ver, não de construção com sujeito indeterminado, mas sim de construção com sujeito determinado, cujo núcleo é um verbo no infinitivo que obriga à manutenção da forma verbal finita no singular.

Por ser construção com sujeito determinado é que entendo menos aceitável (sempre à luz do m...

Resposta:

O verbo poder, como dever, tem propriedades sintáticas que levam a considerá-lo como um semiauxiliar, e não exatamente como um auxiliar1.

Entre as características de poder como semiauxiliar, conta-se a de o infinitivo associado ter um funcionamento próximo de um domínio oracional. Se assim é, então, talvez se consiga explicar a deslocação e autonomia do domínio sintático do infinitivo, a gramaticalidade do se indeterminado e a impossibilidade da passiva sintética:

(1) Conhecer muitos lugares(,) pode-se.

(2) OK Conhecer muitos lugares, isso pode-se [fazer].

(3) *Conhecer muitos lugares, isso podem-se [fazer]

Em (1), admite-se que, na escrita, é fortemente aconselhável uma vírgula de forma a dar conta da deslocação do infinitivo associado ao modal poder, configurando assim um caso de topicalização.

Além disso, apresentam-se em (2) e (3) duas possibilidade de paráfrase: a primeira aponta, de algum modo, para a retoma globalmente apositiva de «conhecer muitos lugares» e para a ocorrência subentendida de fazer como pró-verbo, evidenciando que o verbo poder seleciona a estrutura de infinitivo ao modo de um oração («conhecer muitos lugares»); a segunda paráfrase é agramatical, a gramaticalidade da paráfrase anterior não é conciliável com a concordância de pode. Por outras palavras, em (1), a ocorrência de «pode-se» é elíptica.

Mesmo assim, aceitando a frase tal como se apresenta na pergunta – «Conhecer muitos lugares pode-se» –, é discutível que «conhecer muitos lugares» seja sujeito e «pode-se» configure um predicado, com se apassivante; portanto, poder não é verbo principal nem verbo transitivo direto que possibilite a leitura de se como partícula apassivadora. A tese de «conhecer muitos lugares» constituir sujeito não...