Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber o gentílico dos habitantes da Freguesia de Leitões (concelho de Guimarães).

Obrigado.

Resposta:

Nas fontes consultadas, não há registo de tal gentílico.

Não havendo registo, o que se costuma fazer é empregar a construção «os de» + topónimo, o que significa que os naturais ou habitantes de Leitões são «os de Leitões» (cf. Dicionário de Gentílicos e Topónimos do Portal da língua Portuguesa).

Acrescente-se que, sobre a origem deste topónimo, não há consenso. José Pedro Machado, no seu Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, propõe que se relacione com leitão. Contudo, Almeida Fernandes, em Toponímia Portuguesa (Exame a um Dicionário), contesta tal atribuição, interpretando o topónimo como evolução do latim lactones, com o significado «alagadiço». Leitões seria, portanto, o resultado de uma expressão do latim popular que queria dizer «terrenos alagadiços».

Pergunta:

Gostaria de saber o significado da expressão «Furacão na Botocúndia», referida ao escritor Monteiro Lobato.

Desde já agradeço a resposta.

Resposta:

É o título de uma biografia do escritor Monteiro Lobato (1882-1948), que inventou o nome Botocúndia, com base no termo botocudo, nome dado a diferentes grupos étnicos indígenas do Brasil, e como forma de crítica a certos aspetos da vida do Brasil.

Recolhe-se informação sobre Botocúndia, por exemplo, num estudo sobre os Botocudos:

«Também num registro irônico e com certa dose de ambiguidade, o conhecido escritor e polemista Monteiro Lobato forjou a expressão "Botocúndia" na primeira metade do século XX para apelidar o Brasil: era uma versão ampliada e coletiva do Jeca Tatu para caracterizar criticamente a nação e suas mazelas.» (Marco Morel. A Saga dos Botocudos, 2018 , p. 404 f).

Jeca Tatu é o nome de outra personagem de Monteiro Lobato.

Pergunta:

Ao ler um texto de 1857, de autoria de um brasileiro, topei com uma palavra nova (para mim): jesuítico.

O contexto era insultuoso: o autor falava de alguém «atrevido e jesuítico». Os dicionários esclarecem-me que, além de referir-se a assuntos atinentes à ordem dos jesuítas, o adjetivo jesuítico ganhou uma acepção pejorativa. Algumas definições: «que é considerado fingido ou dissimulado», diz o Priberam; «fingido, dissimulado», ecoa o Caldas Aulete; «que não merece confiança; hipócrita», informa o Michaelis.

Minhas perguntas:

Qual é a origem dessa palavra em sua conotação depreciativa?

Tem algo que ver com a política anti-jesuítica do Marquês de Pombal?

Era comum, na época do marquês e depois dele, pespegar nos jesuítas a mácula da hipocrisia, do fingimento ou da dissimulação?

É possível ouvir-se ainda hoje, em Portugal, a mesma palavra pejorativamente?

Muito obrigado!

Resposta:

O registo mais antigo que se identifica no Dicionário Houaiss é de 1758, mas não foi aqui possível ter acesso ao contexto, de modo a confirmar se a palavra foi sido criada já com significado negativo e no contexto da campanha contra a Companhia de Jesus no reino de Portugal.

O certo é que a conotação negativa de jesuítico tem registo no dicionário de Morais (1798), já depois de Pombal: «JESUITICO – adj. de jesuita, enredos [jesuíticos], intrigas [jesuíticas]»

No dicionário de Morais, as palavras associadas a jesuítico são, portanto, disfóricas, o que permite concluir que a palavra era assim usada geralmente nos territórios de língua portuguesa. Em Portugal, a forma jesuítico ainda mantém o tom depreciativo ou pejorativo (ver jesuítico na Infopédia).

Em suma, pretendendo referir de forma neutra o que é relativo à Companhia de Jesus, emprega-se antes jesuíta, e não jesuítico.

Pergunta:

Vi uma questão que dizia ser transitivo direto o verbo namorar.

Porém, segundo o dicionário Aulete e o Aurélio, o verbo namorar pode ser tanto transitivo direto como transitivo indireto. O Aulete chega a citar um exemplo: «O homem namora com todas as mulheres do clube.»

Na questão afirmava-se que estava errado dizer «eu namoro com Maria». Em outro caso, um professor disse que o «com Maria» seria apenas uma adjunto adverbial de companhia, sendo o verbo namorar intransitivo. Em todo caso, no Brasil, penso que as três formas estão corretas, não sendo possível afirmar que está errado dizer «namoro com Maria». Estou certo?

Obrigado.

Resposta:

«Namorar com» é construção correta. O que acontece é que as opiniões se dividem quanto à análise de «namorar com», como bem ilustra o que menciona o consulente.

Mesmo assim, nos dicionários mais recentes (incluindo os elaborados em Portugal1), considera-se que «namorar com» é exemplo do uso de namorar como verbo transitivo indireto e a expressão introduzida por com é complemento verbo. Esta classificação não é propriamente uma novidade, pois já se encontra em obras normativas anteriores – caso do Dicionário Prático de Regência Verbal de Celso Pedro Luft, que, sobre «namorar com», observa:

«OBS. A regência primitiva é de transitivo direto – namorá-lo –, aliás no sentido de 'inspirar amor a ’, evolução que é de "enamorar". Puristas condenam, por isso, a regência "namorar com..." [...], que no entanto é normal considerando-se os traços 'companhia, encontro’ e 'conversa’ (v. "conversar" ‘namorar’) — uso “perfeitamente legitimo, moldado em 'casar com' e 'noivar com'” (Aurélio). “E o Dr. Carmo, namorando agora com aquela sem-vergonha” (José Lins do Rego: Jucá). “O Promotor namorava com a filha do coronel Quincas" (Bernardo Élis: Aurélio) [...].»

 

1 Ver InfopédiaDicionário da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa.

Pergunta:

Qual o significado das iniciais SPA (ex.: hotel com SPA)?

Resposta:

"SPA" é uma pseudossigla, porque resulta de uma interpretação (historicamente fantasista) do topónimo Spa, nome de uma conhecida estância termal na Bélgica.

Popularmente, considera-se que Spa representa as expressões latinas salus per aquam ou sanitas per aquam, que se traduzem por «a saúde pela água». Trata-se, porém, de uma etimologia falsa, que apareceu no contexto de razões de promoção comercial e não deve ser anterior ao século XX, visto não se encontrar atestada nem na Antiguidade, nem na Idade Média, nem em séculos mais próximos.

Na verdade, Spa parece ter origem ou num substantivo comum do valão (dialeto do francês) – espa = «fonte» –, ou num topónimo latino, do tempo em que a região de Spa se encontrava no norte da Gália romana – Aquae Spadanae.

 

Fontes: Spa, Wikipedia (inglês), e Online Etymology Dictionary.