Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

«Comprei esta TV dois meses atrás.»

Nesta frase como eu classificaria a palavra atrás? Advérbio de tempo? Tenho tal dúvida, pois os dicionários classificam a palavra atrás como advérbio de lugar...

Resposta:

No contexto em questão, considera-se que atrás é um advérbio de tempo, como, aliás, se depreende por uma das aceções que o Dicionário Houaiss atribui à palavra: «no passado Ex.: "tempos atrás ele candidatou-se a deputado"; "dois meses a. não se falava em crise"».

Sobre o erro que consiste em juntar a esta construção temporal, ver os Textos Relacionados (ao lado).

Pergunta:

Gostaria de saber se a palavra "primevo" se pronuncia com "e" aberto ou fechado.

Resposta:

Como medievo, primevo tem é aberto e aplica-se ao «que diz respeito aos tempos primitivos» (dicionário da Porto Editora). Vem do latim primaevu-, «que está na primeira idade».

Sobre o elemento de composição -evo, que tem origem no latim -aevu-, observa o Dicionário Houaiss (desenvolveram-se as abreviaturas):

«pospositivo, do latim aevus ou aevum, i 'tempo', considerado na sua duração, por oposição a tempus, que designava, primitivamente, aspecto punctual do tempo; ocorre em eruditismos latinos na sua origem ou à sua feição, como coevo, eqüevo, grandevo, longevo, medievo, primevo [...].»

É curioso assinalar que nem todos os adjetivos listados na fonte citada têm o e aberto na sílaba tónica. Com efeito, notam-se oscilações na pronúncia de longevo e coevo, que são muitas vezes pronunciados com o e fechado, sem que tal seja considerado erro. De qualquer modo, no caso de primevo, mais estável, a pronúncia é mesmo com e aberto.

Pergunta:

Existe o verbo fantasmar? Pode dizer-se: «o mapa de África é fruto do fantasmar do colonizador»?

Obrigada por esclarecer o significado desta palavra.

Resposta:

A palavra existe no sentido de poder formar-se regularmente, receber um significado e até por já ter uso registado em dicionário.

Não sendo frequente, fantasmar é verbo possível, bem formado (derivado de fantasma) e facilmente interpretável – «tornar fantasma» ou «fazer fantasma», donde, neste caso, pelo contexto, se depreende que significa «imaginar», «ter a fantasia de».

O Dicionário Aulete, em versão eletrónica, confirma este uso, atestando-o com uma passagem de um autor português de começos do século XX: «O que aí vai, José!... Estás a fantasiar, homem. Ouve-me sossega. – Eu não sei se estou a fantasmar, se o que estou a fazer...» ( Sanches de Frias, Ercília , c. 4, p. 79, ed. 1908). É, aliás, curioso reparar que na frase citada fantasmar como que retoma fantasiar.

Note-se que fantasma, além de «aparição», pode significar «visão quimérica como a que oferece o sonho ou a imaginação exaltada» (Dicionário Priberam da Língua Portuguesa) ou, ainda, no domínio da psicanálise, «situação imaginária em que o sujeito está presente e na qual se realiza um de seus desejos, mais ou menos disfarçado» (Dicionário Houaiss). Fantasmar será, portanto, também, «ter visões quiméricas» ou «imaginar ou fantasiar situações».

Pergunta:

Qual a grafia correta: "espírita" (com acento) ou "espirita" (sem acento)?

Resposta:

As duas grafias estão corretas, mas é mais corrente espírita.

O substantivo e adjetivo espírita é geralmente usado como uma palavra esdrúxula (proparoxítona) e, nesse caso, exibe acento agudo na sílaba --. Existe, no entanto, a variante espirita, que é palavra grave (paroxítona), de uso escasso.

A palavra significa de modo muito genérico «relativo ao espiritismo» ou «adepto do espiritismo».

Por espiritismo entende-se «[uma] doutrina baseada na crença na sobrevivência da alma, e na comunicação entre as pessoas e os espíritos de entes mortos, por intermédio de um médium, dotado de capacidades excepcionais» (dicionário da Academia das Ciências de Lisboa, 2001; manteve-se a ortografia original). 

Esclareça-se que um médium é «segundo o espiritismo, pessoa capaz de se comunicar com os espíritos» (Dicionário Houaiss, 1.ª edição, de 2001).

Pergunta:

Diz-se «Dobrar uma folha ao meio» ou «Dobrar uma folha a meio»? A segunda formulação parece-me ser a correta, mas ouço quase sempre a primeira.

Muito obrigado!

Resposta:

A locução adverbial «ao meio» está correta, se pretende dizer que dobra uma folha ou a corta em duas partes iguais.

A referida locução está registada no Vocabulário da Língua Portuguesa (1966), de Rebelo Gonçalves, que também classifica «ao meio de» como locução prepositiva; e no Grande Dicionário da Língua Portuguesa de José Pedro Machado, aparece classificada como locução prepositiva, em subentrada a meio: «Ao meio de, tanto para um lado como para o outro; por metade, por igual.»

Dito isto, não se julgue que «a meio» e «a meio de» são locuções incorretas. Na verdade, não são, e pode-se até considerar que, entre estas e as referidas acima, se deteta certo contraste semântico:

1. Cortou a folha ao meio. [=cortou a folha em duas parte iguais]

2. Cortaram a luz a meio. [= p. ex. quando um espetáculo atingiu metade da duração prevista]