Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Devo dizer: «Preterido pelo consumismo» ou «preterido para o consumismo»?

Resposta:

A forma correta é «preterido pelo consumismo».

Diz-se e escreve-se «ser preterido por», no sentido de «rejeitado», introduzindo a preposição por a expressão nominal que se refere a coisa ou pessoa a favor da qual se pretere ou rejeita outra. Isto mesmo confirma o Dicionário de Regimes de Substantivos e Adjetivos de Francisco Fernandes, que atesta o uso de por entre as regências possíveis do adjetivo participial preterido: «O oficial antigo foi preterido por um afilhado do ministro.»

Pergunta:

Na frase «aqueles textos eram as coisas mais bonitas e perfeitas do mundo», podemos considerar que os dois adjetivos se encontram no mesmo grau (superlativo relativo de superioridade), ou temos de considerar o primeiro nesse grau e o segundo no grau normal?

Obrigada.

Resposta:

Ambos os adjetivos estão no superlativo relativo de superioridade. Se assim não fosse, não faria grande sentido ter a ocorrência «do mundo» associada a «as coisas perfeitas» numa frase simples, no exemplo a seguir (o ? indica que a frase tem problemas  de aceitabilidade):

(1) ? Eram as coisas perfeitas do mundo.

Em 1, «as coisas perfeitas»  não está no grau superlativo, e, portanto, não tem sentido nela ocorrer «do mundo», a não ser que, com esta expressão, queira fazer-se referência às coisas perfeitas que pertencem ao mundo. Mas o que (1) não diz é que se trata das coisas mais perfeitas que se salientam de outras coisa perfeitas existentes no mundo – não é, portanto, uma construção do superlativo relativo. O que se observa em (1) é que «do mundo» constitui apenas um modificador do nome, tal como «perfeitas».

Sendo assim, na frase em questão – «aqueles textos eram as coisas mais bonitas e perfeitas do mundo» –, «do mundo» completa claramente uma construção de superlativo, inferindo-se que «perfeitas» está coordenado com «bonitas» e que ambos os adjetivos fazem parte da mesma construção de superlativo, sendo modificados pelo advérbio mais.

Pergunta:

Qual o processo de formação de palavras de "chalé"?

Obrigada.

Resposta:

Trata-se de um caso de empréstimo, e não de um derivado nem um composto. A forma chalé é o aportuguesamento fonético e gráfico do francês chalet, «casa campestre suíça, esp. da região alpina, feita de madeiras, com telhado de pouco caimento e beirais avançados» e «habitação cuja forma lembra ou imita a do chalé suíço» (Dicionário Hoauiss, 1.ª edição brasileira, de 2001).

Sobre a origem deste termo francês, é possível também saber que designava na origem uma «[...] 'habitação do pessoal que tinha direito de levar o rebanho para pastar nos Alpes, (d1723) cabana de pastagem alpina, onde se abrigam os pastores durante o verão e onde eles fazem o queijo', por extensão 'habitação dos Alpes, construída em madeira, freqüentemente avarandada, com telhado em ponta', por extensão (1833) 'habitação campestre', vocábulo do francês dialetal (Suíça), formado sobre uma base pré-indo-européia ou antigo provençal e catalão *cala, no sentido primitivo de 'abrigo de montanha', + sufixo -ïttu (francês -et) [...]» (idem, ibidem).

Pergunta:

Pretendo saber como articular [a vogal] em -oz, como em Estremoz...

Aprendi que o z abre a vogal, mas ouço dizer com frequência ESTREMÔS...

Obrigada.

Resposta:

Apesar de noz, foz e veloz, o -z final nem sempre indica que o "o" precedente é aberto, porque o exemplo mais acessível é o de arroz, pronunciado com ó fechado ("arrôs", e não "arrós", com "o" aberto). Sendo assim, não se contraria nenhuma regra quando se verifica que a pronúncia recomendada do nome da cidade em apreço é com "o" fechado: "Estremoz" = "estremôs". É esta também a pronúncia indicada num apontamento em vídeo produzido na região do Alentejo. O Vocabulário da Língua Portuguesa, que Rebelo Gonçalves publicou em 1966, também indica que esse ó final é fechado, e não aberto.

Se numa região se prefere pronunciar Estremoz com ó aberto, pode dizer-se que se trata de variante regional, que não tem de ter uma origem remota, porque até a escolaridade e alfabetização também são suscetíveis de ter produções regionais que a norma-padrão não acolhe, tal como como acontece noutros casos. Exemplo: Tejo, que tem e aberto entre falantes do Centro e do Sul de Portugal – "téjo" –, mas que alguns falantes do Norte pronunciam frequentemente como "teijo". Há situações inversas: o rio que se chama Sabor, tem este nome pronunciado com "a" átono aberto ("sàbor"), mas é eventualmente pronunciado como homófono de sabor entre falantes do Centro e do Sul que não estão expostos à prolação tradicional e inferem a pronúncia dos princípios gerais da correspondência entre ortografia e fonia, os quais, no entanto, não se aplicam à leitura deste nome.

Ainda sobre a suposição de que o-z final abre necessariamente a vogal precedente, diga-se que o sufixo -ez -, em casos como os de acidez,

Pergunta:

Na minha freguesia existe uma rua denominada «rua da Cancelinha». Qual será a origem deste topónimo? É frequente este topónimo em Portugal? Pessoas idosas me disseram que em tempos não havia rua neste local, apenas uns campos com um caminho, cuja entrada era vedada com uma cancela! Poderá ser esta a origem do topónimo referido ou haverá outra explicação?

Obrigado.

Resposta:

Em princípio, trata-se efetivamente do diminutivo de cancela, se não houver documentação antiga que apresente uma forma diferente que possa ter sofrido deturpação, convergindo com o referido vocábulo. Pode também acontecer que os vocábulos cancela e cancelinha tenham começado a ser aplicados como topónimos em época em que não tinham o significado atual mais corrente («portão ou porta gradeada»).

A. de Almeida Fernandes, em Toponímia Portuguesa. Exame a um Dicionário (1999), criticando a etimologia proposta por José Pedro Machado, no Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa (2003), considera o seguinte:

«[...] estas palavras devem ter designado uma área agrícola delimitada (por cancellatio [delimitação de campos], se remotamente, como deve ter sido na maioria dos casos, sobretudo, nortenhos, mas, também no Sul por transporte da designação nos séc. XII-XIV). Uma forma de metonímia: os limites, ou melhor, a delimitação, considerada (na área delimitada), tendo passado para o tracto agrícola.»

Em suma, Cancela e Cancelinha  não são topónimos raros em Portugal. Alguns casos terão que ver com um antigo uso de cancela, que, na Idade Média, podia significar «extensão, terreno agrícola». Será talvez Cancelinha um exemplo, mas para uma confirmação, seria necessária documentação antiga referente à região de Matosinhos, à qual não se teve aqui acesso.