Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Ouvi numa música a seguinte frase: «E a nossa filha já vai ter um mano ou mana» A ocultação do artigo uma antes de mana aceita-se gramaticalmente?

Obrigado.

Resposta:

Aceita-se a omissão (elipse) do artigo indefinido correspondente, mas no discurso formal oral ou escrito recomenda-se a realização dessa forma: «E a nossa filha já vai ter um mano ou uma mana.» Às vezes, uma palavra ou construção são adequadas em determinado registo, mas deixam de o ser, quando se transferem para um registo mais elevado ou mais baixo.

No caso da frase em apreço – que faz parte da canção «Os Tais», do cantor português Carlos Nobre (ou Pacman no grupo musical Da Weasel) –, a omissão é perfeitamente legítima, até porque o tom da letra é coloquial. Além disso, compreende-se que, por razões rítmicas, o apagamento de uma seja mesmo necessário, para o verso não ter muito mais sílabas métricas que os restantes.

Pergunta:

A expressão «toda a sorte de informações» está correcta?

Obrigada.

Resposta:

A expressão está correta, porque à locução «toda a sorte» é reconhecida legitimidade, como atesta o seu registo dicionarístico, por exemplo, no Dicionário Estrutural, Estilístico e Sintático da Língua Portuguesa (Porto, Livraria Chardron de Lello & Irmão, 1985), de Énio Ramalho, com as seguintes abonação e definição: «ele fazia toda a sorte de tropelias mas nunca a polícia o incomodou (toda a espécie de, as mais variadas)». Também no Dicionário Houaiss (1.ª edição brasileira, de 2001) se regista a expressão, em subentrada a sorte: «toda sorte de: completa variedade de; conjunto de (coisas, pessoas) as mais variadas Ex.: "sobre a mesa via-se toda sorte de frutas"; "nesse clube entra toda sorte de gente"» (é de notar que na forma brasileira se omite o artigo definido depois de toda, ao contrário da variante portuguesa, que o exibe).

Pergunta:

Como se diz:

«Famílias obrigadas a pedirem ajuda» ou «famílias obrigadas a pedir ajuda»?

Resposta:

As duas frases estão corretas.

Na oração não finita selecionada pelo verbo obrigar, pode usar-se quer o infinitivo flexionado quer o não flexionado, conforme se infere do seguinte exemplo, recolhido em J. Peres e T. Móia, Áreas Críticas da Língua Portuguesa (1995, pág.227):

1. «O general obrigou os recrutas a cortar(em) o bigode.»

Neste exemplo, evidencia-se a possibilidade de ocorrência tanto de «cortar» (infinitivo não flexionado»), como de «cortarem» (infinitivo flexionado, a concordar com «famílias»).

Estes dois usos são também possíveis mesmo que obrigar ocorra na voz passiva (exemplo 2,  a seguir) ou o seu particípio passado, obrigado, modifique um nome (exemplo 3):

2. Estas famílias são obrigadas a pedir/pedirem ajuda.

3. Famílias obrigadas a pedir/pedirem ajuda.

Pergunta:

Vejamos a seguinte frase: «É melhor levares a caixa para a cozinha.»

Se quisermos substituir a expressão «a caixa» por um pronome, como ficaria? A frase correta será «É melhor levá-la para a cozinha» (ou seja, igual à 1.ª e à 3.ª pessoas do singular)?

Resposta:

Em teoria, segundo as regras – com formas verbais terminadas em -s, este desaparece o pronome o(s)/a(s) passa a lo(s)/la(s) –, fica «é melhor levare-la para a cozinha».

Contudo, na prática, evita-se a conjugação pronominal da 2.ª pessoa do singular do infinitivo flexionado, talvez porque, soando como "levarla", soe como um erro, por levá-la. A estrutura alternativa é empregar a construção impessoal, com o infinitivo não flexionado («é melhor levá-la»), ou recorrer à uma oração finita («é melhor que tu a leves»).

Pergunta:

Como é a tradução portuguesa de «stand-up comedy»?

Obrigado.

Resposta:

Há várias maneiras de traduzir o inglês stand-up comedy: «solo cómico», «comédia a solo», «solo humorístico», «humor a solo». Contudo, em Portugal, parece ter algum uso a expressão «espetáculo de humor», em lugar do anglicismo (ver aqui). Poderia ainda pensar-se em «número cómico» ou «número humorístico», mas estas designações aplicavam-se em Portugal à intervenção de um humorista ou artista cómico que preenchia (sozinho ou não) parte de um espetáculo que tinha outras atrações. Por stand-up comedy, entende-se, portanto, um tipo espetáculo que se aproxima do monólogo, porque nele atua apenas um artista, embora tenha características próprias, como seja a utilização de textos cómicos originais e certo grau de interação com o público, conforme se assinala no artigo que lhe dedica a Wikipédia em português.

Cf. 8 palavras  que os ingleses nos roubaram