Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Com vista à corroboração da conformidade de frases passivas que integrem o verbo mandar com a norma-padrão, proponho a análise sintática de um período de um romance coetâneo, As Viúvas de Dom Rufia, de Carlos de Campaniço: «Uma cadeira foi mandada buscar para a prima Joaquina, (...)».

Por norma, quase todos os verbos transitivos diretos permitem uma formulação ativa e passiva. Contudo, estou em crer que, a despeito da elaboração romanesca, estejamos, provavelmente, perante uma inapropriada identificação, ensaiada pelo narrador, do complemento direto, como se este correspondesse a «cadeira», no lugar de uma oração subordinada substantiva completiva não finita, conforme pode ser ilustrado por uma construção ativa da mesma frase «Ela mandou ir buscar uma cadeira», em que «ir buscar uma cadeira» desempenha a função sintática de complemento direto, podendo ser substituído por isso ou, eventualmente, permutada por uma conjunção subordinativa completiva, procedendo-se, então, às alterações necessárias. Não obstante, não tenho a certeza de que estas cogitações da minha parte sejam completamente consentâneas, pelo que peço o vosso parecer.

Obrigado.

Resposta:

Em português, o verbo mandar pode ocorrer na passiva quando o infinitivo que o completa tem o mesmo sujeito e é transitivo:

1. O Marquês de Pombal mandou construir a Baixa lisboeta.

2. A Baixa lisboeta foi mandada construir pelo Marquês de Pombal.

O caso ilustrado por 2 é possível, porque na ativa correspondente – como acontece no exemplo 1 – só ocorre um infinitivo cujo sujeito (não realizado nem identificado) está controlado pelo sujeito que mandar. No entanto, quando esse infinitivo tem sujeito realizado, a construção passiva levanta problemas de aceitabilidade:

3. O Marquês de Pombal mandou os arquitetos construir a Baixa.

4. ?Os arquitetos foram mandados construir a Baixa (pelo Marquês de Pombal).

Isto mesmo se observa na Gramática do Português (Fundação Calouste Gulbenkian, 2013, p. 1960):

«[...] [com os verbos causativos mandar, deixar, fazer] a passivização das construções de elevação do sujeito para o objeto resulta em frases muito marginais, se não mesmo agramaticais:

(iv) a. *Os filhos foram {mandados/deixados/feitos} ˍ [Or [-] sair do quarto] pelo pai. [...]»*

Contraponha-se, porém, um exemplo apresentado por João Peres e Telmo Móia em Áreas Críticas da Língua Portuguesa (Lisboa; Editoril Caminho, 1995, pág. 227), que o dão como gramatical: «Três oficiais da polícia tailandesa foram recentemente mandos cortar o bigode por um general.»

De qualquer modo, ...

Pergunta:

Na última década, na televisão e de forma oral, a expressão «no final de...» tem começado a ser utilizada com abundância. Já encontrei artigos contraditórios sobre o uso de final em vez de fim neste tipo de situações. Como referência temos os exemplos de Fim a encerrar livros e filmes. Porque referir «o Final do filme»? Se uma situação tem um final, não deve também ter seu correspondente inicial? «O final do filme» e «o inicial do filme»? Qual é o sentido de se utilizar final de duas formas distintas em comparação com o seu antónimo inicial? Esta expressão deve ter origem no português do Brasil. Há referências para a utilização da expressão «Final do dia» antes do ano 2000 em Portugal?

Obrigado.

Resposta:

1. «No final» e «no fim» são expressões sinónimas que estão corretas. Entre elas, existe um pequeno contraste semântico: enquanto «no fim» marca uma conclusão como evento, na expressão «no final» vinca-se mais a noção de «período final» ou «segmento final» de qualquer processo.

2. Quanto à possibilidade de «no inicial», esta não se verifica, porque simplesmente tal expressão não se fixou na língua. O que realmente existe tanto nos dicionários como na comunicação quotidiana é a expressão «no início», que alguns puristas não recomendavam, para aconselhar «no princípio» ou «no começo».

3. É duvidoso que «no final» tenha origem brasileira. Na verdade, não parece que seja assim, porque já se atesta a expressão, por exemplo, na escrita literária portuguesa do século XIX, nos textos de Júlio Dinis ou nos de Fialho de Almeida (neste caso, como expressão adverbial):

1. «Chegando ao limiar da porta, assistiu ainda ao final da cena que descrevemos» (Júlio Dinis, A Morgadinha dos Canaviais, Porto, Livraria Lello, 1932, p.249, in dicionário da Academia das Ciências de Lisboa, s. v. final).

2. «O jornal Novidades, no dia 9, publicava, no final, e em normandos, o telegrama seguinte que é útil transcrever [...]» (Fialho de Almeida, Os Gatos, in Corpus do Português).

É também verdade que também se encontra «...

Pergunta:

O que é uma revolução cultural? E uma revolução industrial?

Obrigado.

Resposta:

As definições aqui expostas são as facultadas pela dicionarística e, portanto, não poderão ser exaustivas. Assim, citando o Dicionário Houaiss (revolução, no Dicionário Houaiss), diga-se que uma revolução é uma «série de acontecimentos de ordem cultural que caracterizam uma significativa mudança dos padrões culturais de uma nação ou sociedade qualquer». Quanto a revolução industrial, emprega-se geralmente esta expressão com maiúsculas iniciais – «Revolução Industrial» –, para designar o «conjunto das transformações socioeconômicas iniciadas por volta de 1760, na Inglaterra (e mais tarde nos outros países), e caracterizadas esp. pela substituição da mão-de-obra manual pela tecnologia (tear mecânico e máquina a vapor, a princípio), seguida da formação de grandes conglomerados industriais» (idem, ibidem; manteve-se a ortografia da edição consultada, de 2001, portanto, anterior à aplicação do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa).

Pergunta:

Existe a palavra "revesil" ? A minha mulher refere-se a isso como sendo a parte terminal da manga, confeccionada em malha!?...

Resposta:

A forma correta é revesilho ou revessilho.

Vários dicionários registam estas formas; cite-se, por exemplo, o Grande Dicionário da Língua Portuguesa (1991) de José Pedro Machado:

«Revesilho, s.m. Linha de pontos que na meia se dão às avessas em todo o comprimento dela até ao calcanhar, e na qual fecha com os mates [remate, acabamento] o conjunto das malhas; feição especial da meia que resulta de o ponto ser dado às avessas. || De revesilho, às avessas, de esguelha.»

A mesma fonte também acolhe revessilho, que define como «o mesmo que revesilho».

Outros dicionários mais recentes também consignam as duas formas, mas não a que o consulente apresenta (cf. Priberam e dicionário da Porto Editora). "Revesil" será, portanto, uma alteração destas formas que não está dicionarizada nem parece ser aceite.

Pergunta:

Quando nos referimos ao discurso de uma pessoa, devemos dizer que o mesmo é "hiper-eloquente", "hiper eloquente", "hipereloquente" ou "híper eloquente"?

Resposta:

Escreverá hipereloquente" sem hífen e com o prefixo hiper- agregado a eloquente, ou seja, em adjunção à sua base de derivação. 

O uso deste prefixo não foi alterado pelo Acordo Ortográfico de 1990 (AO 90): só ocorre o hífen, quando a palavra prefixada começa por h (hiper-humano) ou r (hiper-rugoso) – cf. Vocabulário da Língua Portuguesa, de Rebelo Gonçalves, e AO 90. Antes de outras consoantes ou de vogal, junta-se à palavra prefixada: hipersensível, hiperagressivo ou hiperespacial.