Pergunta:
Com vista à corroboração da conformidade de frases passivas que integrem o verbo mandar com a norma-padrão, proponho a análise sintática de um período de um romance coetâneo, As Viúvas de Dom Rufia, de Carlos de Campaniço: «Uma cadeira foi mandada buscar para a prima Joaquina, (...)».
Por norma, quase todos os verbos transitivos diretos permitem uma formulação ativa e passiva. Contudo, estou em crer que, a despeito da elaboração romanesca, estejamos, provavelmente, perante uma inapropriada identificação, ensaiada pelo narrador, do complemento direto, como se este correspondesse a «cadeira», no lugar de uma oração subordinada substantiva completiva não finita, conforme pode ser ilustrado por uma construção ativa da mesma frase «Ela mandou ir buscar uma cadeira», em que «ir buscar uma cadeira» desempenha a função sintática de complemento direto, podendo ser substituído por isso ou, eventualmente, permutada por uma conjunção subordinativa completiva, procedendo-se, então, às alterações necessárias. Não obstante, não tenho a certeza de que estas cogitações da minha parte sejam completamente consentâneas, pelo que peço o vosso parecer.
Obrigado.
Resposta:
Em português, o verbo mandar pode ocorrer na passiva quando o infinitivo que o completa tem o mesmo sujeito e é transitivo:
1. O Marquês de Pombal mandou construir a Baixa lisboeta.
2. A Baixa lisboeta foi mandada construir pelo Marquês de Pombal.
O caso ilustrado por 2 é possível, porque na ativa correspondente – como acontece no exemplo 1 – só ocorre um infinitivo cujo sujeito (não realizado nem identificado) está controlado pelo sujeito que mandar. No entanto, quando esse infinitivo tem sujeito realizado, a construção passiva levanta problemas de aceitabilidade:
3. O Marquês de Pombal mandou os arquitetos construir a Baixa.
4. ?Os arquitetos foram mandados construir a Baixa (pelo Marquês de Pombal).
Isto mesmo se observa na Gramática do Português (Fundação Calouste Gulbenkian, 2013, p. 1960):
«[...] [com os verbos causativos mandar, deixar, fazer] a passivização das construções de elevação do sujeito para o objeto resulta em frases muito marginais, se não mesmo agramaticais:
(iv) a. *Os filhos foram {mandados/deixados/feitos} ˍ [Or [-] sair do quarto] pelo pai. [...]»*
Contraponha-se, porém, um exemplo apresentado por João Peres e Telmo Móia em Áreas Críticas da Língua Portuguesa (Lisboa; Editoril Caminho, 1995, pág. 227), que o dão como gramatical: «Três oficiais da polícia tailandesa foram recentemente mandos cortar o bigode por um general.»
De qualquer modo, ...