Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria se saber qual é o superlativo absoluto sintético do adjetivo esguia.

Resposta:

Diz-se e escreve-se esguiíssima (e esguiíssimo), tal como friíssima (ou friíssimo)* ou cheiíssima. O que se disse aplica-se a adjetivos como esguio/esguia, frio/fria ou cheio/cheia, que têm um i em sílaba tónica ("esguío", "frío"; em cheio o i faz parte de um ditongo em sílaba tónica).

Note-se, porém, que quando a sequência -io/-ia se encontra em sílabas átonas em adjetivos como necessário ou sério, não é preciso repetir o i no superlativo absoluto sintético, o que significa que se aceita necessaríssimo, a par de necessariíssimo, e seríssimo, com seriíssimo (ver Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, 1984, pág. 260).

* Existe uma forma culta: frigidíssima (ver Textos Relacionados).

Pergunta:

Gostaria de saber a vossa opinião sobre o processo de formação das palavra justapor. Julgo saber que justa é um prefixo latino, cujo sentido de «ao lado de» poderá não ser imediato para os falantes e por isso ser considerado um eruditismo. Mesmo assim, o elemento justa parece manter as características prototípicas de um prefixo. No vosso entender há fundamento para considerar a palavra justapor como formada por composição? E nesse caso, o elemento justa é visto como radical ou palavra?

Resposta:

A classificação de justa- como prefixo não é consensual. O gramático brasileiro Evanildo Bechara não inclui esta forma entre os prefixos, o que permite considerar que, em certa perspetiva, justapor não é um derivado prefixal, mas, sim, um composto morfológico. Contudo, tendo em conta que Celso Cunha e Lindley Cintra (Nova Gramática do Português Contemporâneo, 1984, p. 87) e até o Dicionário Houaiss (1.ª edição brasileira) o inscrevem entre os prefixos, podemos classificar justapor como derivado prefixal (até porque os verbos compostos sao muito raros)*. Numa perspetiva ou noutra, justa- é sempre uma unidade não autónoma e, portanto, não se diz que é uma palavra.

Cf. Palavras que vêm do grego

Pergunta:

Devo dizer: «Preterido pelo consumismo» ou «preterido para o consumismo»?

Resposta:

A forma correta é «preterido pelo consumismo».

Diz-se e escreve-se «ser preterido por», no sentido de «rejeitado», introduzindo a preposição por a expressão nominal que se refere a coisa ou pessoa a favor da qual se pretere ou rejeita outra. Isto mesmo confirma o Dicionário de Regimes de Substantivos e Adjetivos de Francisco Fernandes, que atesta o uso de por entre as regências possíveis do adjetivo participial preterido: «O oficial antigo foi preterido por um afilhado do ministro.»

Pergunta:

Na frase «aqueles textos eram as coisas mais bonitas e perfeitas do mundo», podemos considerar que os dois adjetivos se encontram no mesmo grau (superlativo relativo de superioridade), ou temos de considerar o primeiro nesse grau e o segundo no grau normal?

Obrigada.

Resposta:

Ambos os adjetivos estão no superlativo relativo de superioridade. Se assim não fosse, não faria grande sentido ter a ocorrência «do mundo» associada a «as coisas perfeitas» numa frase simples, no exemplo a seguir (o ? indica que a frase tem problemas  de aceitabilidade):

(1) ? Eram as coisas perfeitas do mundo.

Em 1, «as coisas perfeitas»  não está no grau superlativo, e, portanto, não tem sentido nela ocorrer «do mundo», a não ser que, com esta expressão, queira fazer-se referência às coisas perfeitas que pertencem ao mundo. Mas o que (1) não diz é que se trata das coisas mais perfeitas que se salientam de outras coisa perfeitas existentes no mundo – não é, portanto, uma construção do superlativo relativo. O que se observa em (1) é que «do mundo» constitui apenas um modificador do nome, tal como «perfeitas».

Sendo assim, na frase em questão – «aqueles textos eram as coisas mais bonitas e perfeitas do mundo» –, «do mundo» completa claramente uma construção de superlativo, inferindo-se que «perfeitas» está coordenado com «bonitas» e que ambos os adjetivos fazem parte da mesma construção de superlativo, sendo modificados pelo advérbio mais.

Pergunta:

Qual o processo de formação de palavras de "chalé"?

Obrigada.

Resposta:

Trata-se de um caso de empréstimo, e não de um derivado nem um composto. A forma chalé é o aportuguesamento fonético e gráfico do francês chalet, «casa campestre suíça, esp. da região alpina, feita de madeiras, com telhado de pouco caimento e beirais avançados» e «habitação cuja forma lembra ou imita a do chalé suíço» (Dicionário Hoauiss, 1.ª edição brasileira, de 2001).

Sobre a origem deste termo francês, é possível também saber que designava na origem uma «[...] 'habitação do pessoal que tinha direito de levar o rebanho para pastar nos Alpes, (d1723) cabana de pastagem alpina, onde se abrigam os pastores durante o verão e onde eles fazem o queijo', por extensão 'habitação dos Alpes, construída em madeira, freqüentemente avarandada, com telhado em ponta', por extensão (1833) 'habitação campestre', vocábulo do francês dialetal (Suíça), formado sobre uma base pré-indo-européia ou antigo provençal e catalão *cala, no sentido primitivo de 'abrigo de montanha', + sufixo -ïttu (francês -et) [...]» (idem, ibidem).