Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

«José Pacheco Pereira mostra quatro das cerca de quinze salas do seu arquivo. Trata-se da primeira reportagem multimédia em 360 graus do Expresso, que permite “passear” com o historiador, que também assina o texto. Um trabalho pioneiro em Portugal, que “dá a imagem ‘borgeana’ da biblioteca universal, ou daquilo que eram no passado os ‘gabinetes de curiosidades’, que coloca visualmente este arquivo e biblioteca numa linha de combate contra a usura do tempo, que é a da Memória”. Entre connosco na Ephemera.»

«A grande tarefa para que nos estamos a organizar a curto prazo é a recolha activa dos materiais das eleições autárquicas de 2017, desde as freguesias ao nível nacional, que já começou, mas é muito difícil de fazer pela dispersão nacional das iniciativas. Nas eleições de 2013 recolhemos cerca de 35 000 espécimes, mas ainda nos falta outro tanto.»

Esta duas transcrições, retiradas de uma notícia do semanário Expresso digital sobre o arquivo em causa – a última frase da autoria do próprio proprietário do arquivo em causa –, renovou-me uma dúvida, cujo esclarecimento desde já agradeço. E a seguinte: a expressão «cerca de» não se encontra aqui mal empregada, sendo mais apropriado o «perto de» ou o «quase»? Tendo igualmente o mesmo sentido («aproximadamente», «próximo de»), não é verdade que «cerca de», transmitindo uma ideia de distância, deve antes ser usada em casos que não de quantidade?

Por exemplo: «Estamos a cerca de cinco quilómetros do fim da viagem», «a minha casa está a cerca de 20 minutos a pé do emprego» ou «estamos a cerca de 10 m...

Resposta:

Estão corretos os usos da locução prepositiva «cerca de» exemplificados nas citações.

Nas fontes consultadas, não foi possível achar doutrina normativa que condene o uso da locução prepositiva «cerca de» seguida de uma expressão nominal referente a qualquer tipo de quantificação – defina esta um intervalo temporal, uma distância, um montante em dinheiro ou a dimensão de um conjunto. Na verdade, há exemplos de todos estes casos com a locução em causa:

(1) «Em menos de seis meses, o quadro das cedências de territórios a indivíduos ou companhias por organizar, cifra uma área de talvez cerca de dois terços da província de Moçambique.» (Fialho de Almeida, Gatos 5, in Corpus do Português)

(2) « E desde que há cerca de 10 anos veio ela espontaneamente a mim pedir-me que frequentasse a sua casa, até a última vez que a vi, foi sempre inalterável a sua amizade, a sua franqueza honrada, o seu bom humor de artista, de braço dado falando em segredo.» (Ramalho Ortigão, Cartas a Emília, 1888, ibidem)

(3) «Para pagar os bilhetes do vapor e os do caminho de ferro, custando tudo cerca de 3 marcos dei-lhe uma peça de 20 marcos em ouro.» (idem, ibidem)

(4) «Cerca de vinte homens e mulheres reuniam-se em frente de um altar sacrificial, de pedra rugosa, de que eu não me lembrava naquele sítio.» (Mário de Carvalho, Um Deus Passeando pela Brisa da Tarde...

Pergunta:

O que significa pirralho em Portugal?

Resposta:

Trata-se de uma palavra de origem obscura (cf. Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa de José Pedro Machado e Dicionário Houaiss), que em Portugal significa genericamente «criança, menino».

Curiosamente, há mais de cem anos, o lexicógrafo português Cândido de Figueiredo observava no seu Novo Dicionário da Língua Portuguesa que pirralho era ao mesmo tempo um brasileirismo e um provincianismo da Beira, atribuindo-lhe, além da aceção já referida, a de «homem de pequena estatura»,.

Refira-se que o filólogo Oscar de Pratt, num artigo de 1926 ("Notas à margem do Novo Diccionario", Revista Lusitana, XVI, pág. 264), comentando o dicionário de Cândido de Figueiredo, registou que o vocábulo era também usado no Minho. Outro estudioso da primeira metade do século XX, Urbano Canuto Soares ("Subsídios para o cancioneiro do arquipélago da Madeira", Revista Lusitana, XVII, 1928, pág. 157) igualmente assinalava no arquipélago madeirense o uso de pirralho como o mesmo que «homem pequeno».

Observe-se que uma consulta do Corpus do Português de Mark Davies, no qual se reúnem textos portugueses e brasileiros, literários e não literários, só faculta resultados de pirralho em textos brasileiros dos séculos XIX e XX, não constando ocorrências em textos do português de Portugal. Este resultado parece, portanto, reforçar a tese de que o vocábulo estaria conotado com os dialetos brasileiros e que a sua circulação em Portugal seria mais tardia. Mas, supondo que os...

Pergunta:

Não tendo encontrado referências sobre a pronúncia de pecã nas fontes onde normalmente procuro, gostaria de saber a vossa opinião sobre esta questão. Surgiu na sequência de uma conversa sobre alimentação saudável em que foi sugerido este produto, o qual foi dito como "pécã" (pɛˈkɐ̃). O meu instinto foi corrigir de imediato a pessoa para que dissesse "pecã" (pəˈkɐ̃), mas a pessoa garantiu-me que em todas as suas conversas com outras pessoas onde esta palavra entrava foi sempre dito por todos "pécã". Vejo esta palavra na ordem de romã, satã, maçã, onde a regra é a sílaba tónica ser na palavra com til caso a outra sílaba não seja acentuada e, assim, a vogal da primeira sílaba ser fechada (caso esteja errado, por favor corrijam-me).

Agradeço desde já a ajuda.

Resposta:

No português de Portugal, é verdade que as vogais se fecham (tecnicamente, fala-se em redução vocálica) quando se encontram em sílaba átona. Contudo, há muitas exceções, mesmo com palavras terminadas em ditongo ou vogal nasal tónicas:

esquecer – tem é aberto na penúltima sílaba, que é átona;

corar – tem ó aberto na primeira sílaba, que é átona;

inflação – tem á aberto na penúltima sílaba, que é átona.

Quanto a pecã, nada impede que a palavra siga a regra geral e se pronuncie (quase) como "p'cã", com o "e" mudo por estar em sílaba átona. No entanto, parece que a pronúncia mais generalizada é a que tem é aberto átono: p[è].

Diga-se que pecã (ou noz-pecã, ou noz-americana) é o termo que designa o fruto da Carya illinoensis, ou seja, a nogueira- pecã, ou nogueira-americana (ver dicionário Priberam). Pecã tem origem no inglês norte-americano pecan, por sua vez, adaptação do francês americano pacane, que veio do algonquino, uma língua ameríndia (Dicionário Houaiss).

Pergunta:

Ultimamente está na moda usar essa palavra como algumas blogueiras vêm usando. Elas dizem que estão «apaixonadas nesse vestido», «apaixonei nessa bota». Porém não consigo entender o uso dessa expressão. Me soa muito errada. Pois quem se apaixona, se apaixona "por" alguma coisa, e não "em" alguma coisa.

Correto?

Resposta:

Correto

Trata-se de um uso que só deve ocorrer no registo informal ou popular. O uso correto é mesmo com a preposição por:

1. (Estamos) apaixonadas por esse vestido.

2. Apaixonei-me por essas botas.

No Brasil aceita-se «me apaixonei por essas botas» mesmo na escrita. Já «apaixonei nessa bota» é forma que não se aceita fora do registo informal.

Pergunta:

Nas traduções de inglês para português, começa a aparecer o verbo empatizar e o adjetivo empático. Será aceitável?

Resposta:

Aceita-se sem restrições empático. Já empatizar, apesar da sua aceitação por dicionários muito recentes, pode deixar reticentes os mais puristas ou os mais ciosos da propriedade vocabular. Mesmo assim, não se perfila razão clara para considerar erróneo o seu uso.

Assim, nota-se que ambas as palavras têm visto aumentar o seu uso nas últimas duas décadas, muitas vezes em concorrência com simpatizar e simpático, cuja sintaxe reproduzem. O adjetivo empático encontra-se registado, pelo menos, desde 2001, na 1.ª edição do Dicionário Houaiss, o qual, no entanto, não regista empatizar. No entanto, este verbo, no sentido de «sentir empatia» e «identificar-se com», só figura com esta aceção na lexicografia portuguesa mais recente – nos dicionários da Porto Editora e da Priberam; ver também o brasileiro Aulete Eletrónico). Observe-se, mesmo assim, que no Grande Dicionário da Língua Portuguesa (1989) de José Pedro Machado, se regista já empatizar não na aceção que é hoje comum, mas, sim, numa aceção causal – «causar empatia» – que se afigura estranha quase três decadas passadas.

Não havendo doutrina normativa sobre este caso, nem a morfologia empatizar indiciar má formação, torna-se difícil emitir um juízo prescritivo condenatório. Contudo, do ponto de vista da semântica surgem problemas, gerando-se algumas reticências entre os mais exigentes, porque se trata de um verbo que parece ocupar sem vantagem expressiva as áreas semânticas de simpatizar (com) e id...