Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber de onde vem o significado da palavra orelhudo enquanto «viciante e facilmente memorizável para o ouvido», patente em expressões como «riffs orelhudos» ou «refrães orelhudos», usadas frequentemente por críticos de música, e que, curiosamente, não se encontra como uma das definições nos verbetes da Infopédia nem do Priberam.

Resposta:

Trata-se de uma extensão do significado de orelhudo, muito provavelmente a partir de um jogo com a aceção de «teimoso, obstinado; estúpido», fazendo com que esta denotação passe das pessoas que ouvem – tanto até chegar quase à falta de inteligência ou à insanidade – para a música que as põe nesse estado. Este processo conceptual e semântico é enquadrável na metonímia e na hipálage, que, sendo figuras de retórica associadas habitualmente à literatura, têm também incidência na construção e evolução do significado lexical. Observe-se ainda que este uso de orelhudo, ao contrário do que é dito em parte da pergunta, já tem registo e definição no dicionário da Priberam: «[Portugal, Informal] Diz-se da música cuja melodia facilmente se recorda e se consegue reproduzir após a sua audição (ex.: canção orelhuda).»

Recorde-se que orelhudo é um derivado adjetival de orelha que genericamente quer dizer «que tem orelhas grandes». As aceções acima mencionadas já são, portanto, desenvolvimentos semânticos deste significado básico.

Obs. – Um breve esclarecimento sobre o anglicismo riff, usado pelo consulente. É um substantivo que designa «uma frase em ostinato num solo improvisado no jazz» e «o fragmento melódico baseado nessa frase» (Dicionário Houaiss).

Pergunta:

«Depois disso, espreguiçava-se lentamente, deixava-se cair sobre a relva, braços e pernas esticados ao máximo, olhos fixos no azul celeste, por onde tufos de nuvens, aqui e acolá, passavam indolentes.»

Na frase acima, pode-se grafar «azul celeste», assim, sem o hífen, considerando não a cor, mas um tipo de azul que seja celeste, significando «do céu»?

Obrigado.

Resposta:

Pode escrever-se «azul celeste» assim mesmo, sem hífen, não para denotar um tom de azul (neste caso, grafa-se azul-celeste), mas para fazer referência à cor azul que o céu apresenta.

Com hífen, azul-celeste – como se já respondeu aqui – é um adjetivo e uma palavra composta que significa «cor azul-clara, como a do céu quando limpo» (Dicionário Houaiss).

Já a sequência «azul celeste», interpretável como «azul do céu», não constitui um composto, funcionando como combinação sintática que mantém a sua composicionalidade, isto é, cuja semântica é redutível à literalidade dos seus elementos constituintes – o substantivo azul e o adjetivo celeste. Neste caso, não se emprega hífen, porque celeste é um adjetivo relacional que significa «relativo ao céu», tal como ocorre em «corpos celestes» e «espíritos celestes» (=«corpos/espíritos que aparecem ou estão no céu»; cf. Dicionário Houaiss). Celeste ocorre igualmente como adjetivo nas aceções de «divino» e «sobrenatural» (ex.: «voz celeste»; cf. idem).

Pergunta:

É correcto dizer ou escrever «penso-te»?

Resposta:

«Penso-te» é um uso correto, que tem o seu devido contexto, quando o verbo significa «julgar» ou «imaginar».

O verbo pensar tem muitas vezes associada a preposição em, conforme o esquema «penso em alguma coisa/alguém», o que legitima uma frase como «penso em ti». Contudo, quando pensar ocorre com complemento direto («pensar alguma coisa») parece dificultada a realização de tal complemento, quando este tem por por núcleo um substantivo ou um pronome pessoal que façam referência a entidades concretas animadas (animais ou pessoas, às quais é comum o traço semântico [+animado]). É, pois, estranho, se não mesmo inaceitável, que se diga «penso o cão», «penso o João», ou, com pronome pessoal, «penso-te».

Regista-se, porém, a possibilidade de pensar equivaler a «julgar» ou «imaginar», numa aceção que torna este verbo compatível com um complemento direto realizado por uma expressão nominal com o traço semântico [+animado], desde que seguida de um predicativo do complemento direto (complemento direto sublinhado e o seu predicativo em negrito): «pensei o cão cheio de fome» (mesmo neste caso, a intuição linguística pode levar à rejeição da frase), «pensas o João dececionado», «pensava-te no Porto». Esta possibilidade é equivalente a pensar seguido de uma oração com o verbo num tempo finito: «pensei que o cão estava/estivesse cheio de fome»; «pensas que o João está dececionado»; «pensava que tu estavas no porto».

O emprego de pensar com complemento direto + predicativo do complemento direto  não é desconhecido dos dicionários de verbos, co...

Pergunta:

Existe a expressão «atirar pagaias» no sentido de «dar palpites»?

Resposta:

Não foi possível encontrar registo dicionarístico ou outro de tal expressão.

Os dicionários gerais consignam o vocábulo pagaia, como designação de uma «espécie de remo curto, com pá larga, usado em pirogas e canoas» ou de «remo com uma pá (pagaia simples) ou com uma pá de cada lado (pagaia dupla), usado em canoagem desportiva, nomeadamente em caiaques» (Dicionário Priberam da Língua Portuguesa). Não é, portanto, descabido supor o uso efetivo de «atirar pagaias» como imagem do canoísta que avança sobre águas nem sempre calmas, manejando a pagaia com algum risco, à semelhança de quem dá palpites, ou seja, de quem dá a sua opinião por intuição ou mera ignorância atrevida.

Mesmo assim, convém assinalar que as fontes lexicográficas acolhem também as palavras pangaia e pangaio, que vêm a significar o mesmo que pagaia (cf. Dicionário Houaiss). Pangaio pode ser igualmente a designação de «grande embarcação alterosa, resistente, rápida e de boa estabilidade, com dois mastros de velas bastardas, usada na África oriental e na Índia» (idem*). Esta forma tem ainda um homónimo de origem obscura que significa «jovem que trabalha pouco; preguiçoso, indolente» (idem*) e que parece estar contido na expressão «armado em pangaio», interpretável como «dando-se ares, afetando importância» (cf. A. M. Pires Cabral, Língua Charra. Regionalismos de Trás-os-Montes e Alto Douro, Lisboa, Âncora Editora, 2013, s. v. pangaio)**. Não é, portanto, de excluir que «atirar pagaias» seja uma variante (ou deturpação) de «armar-se em pangaio», idiomatismo equivalente a «dar palpites», expressão que, por sua vez, pode denotar o comportamento da pessoa intrometida ou convencida que dá opiniões, sugestões e pare...

Pergunta:

Gostaria de saber se está correta está frase: «A aula em campo de Pedra Azul foi adiada para o dia 20 de junho.»

Ou seria: «A aula de campo em Pedra Azul...»?

Obrigada!

Resposta:

Se, como na expressão «trabalho de campo», «atividade de recolha de dados para serem posteriormente estudados e analisados», se trata de uma aula que decorre fora da escola, no espaço onde se possa observar um dado fenómeno físico e explorar as condições da sua ocorrência, então a expressão mais adequada será «aula de campo». Trata-se de um termo que já encontra atestado em certas áreas de estudo, conforme atesta a seguinte definição, facultada por uma página da Universidade Estadual do Ceará:

«A aula de campo é um método bastante utilizado em disciplinas que exigem análises empíricas sobre o assunto em estudo. Compreende-se que esse tipo de metodologia possui grande eficácia no processo ensino aprendizagem, permitindo, aos alunos, um contato com aspectos mais amplos referentes aos temas Ecologia de Campo, Fauna, Botânica, Solos, Biogeografia, etc, aspectos estes, que não poderiam ser identificados ou compreendidos apenas com leituras. Desse modo, todas as emoções e sensações surgidas durante a aula de campo em um ambiente natural podem auxiliar na aprendizagem dos conteúdos, à medida que os alunos recorrem a outros aspectos de sua própria condição humana, além da razão, para compreenderem os fenômenos. O desenvolvimento de atividades em espaços com essas características traz a vantagem de possibilitar, ao estudante, a percepção de que fenômenos e processos naturais estão presentes no ambiente como um todo, possibilitando explorar aspectos relacionados com os impactos provocados pela ação humana nos ambientes.»

Refira-se, no entanto, que a expressão «em campo» é legítima. Acha-se, por exemplo, atestada no dicionário da Academia das Ciências de Lisboa como locução associada a certos verb...