Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

[...] [D]eíticos, ou dêiticos? Se no termo gramatical português dêixis é reconhecido o ditongo -ei- (e bem!, uma vez que etimologicamente isso se verifica nos vocábulos gregos deiknumi e deixis, de onde procede dêixis), por que motivo na palavra derivada por sufixação (deíticos) esse ditongo se transformou no hiato "-e-í-"?

Grato pela vossa atenção.

Resposta:

A forma mais adequada do adjetivo em questão – entendido como «palavra cuja significação referencial só pode ser definida em função da situação, do contexto, do locutor e do recetor do ato de fala» (dicionário da Academia das Ciências de Lisboa) – será dítico ou díctico1. Dêitico (ou dêictico) é também aceitável, enquanto deítico (ou deíctico) menos favor histórico (filológico) tem, embora seja a forma mais usada nos estudos linguísticos, pelo menos em Portugal. O substantivo correspondente tem as variantes díxis (considerada a mais correta), dêixis, deíxis e deixis (esta a menos aceitável).

Começando por dítico, encontra-se o seu registo no Vocabulário da Língua Portuguesa (1966), de F. Rebelo Gonçalves, definido como sinónimo de demonstrativo e acompanhado da seguinte observação: «Inexacta a forma deíctico (decalque do francês déictique).» Esta apreciação pressupõe que o acento da grafia francesa não representa um acento de intensidade, mas é antes um diacrítico de timbre vocálico (é uma vogal igual ou semelhante ao e de cedo); a sequência éi pronuncia-se, portanto, "ê-i", articulando as duas vogais separadamente (hiato). O termo francês, que teve voga na investigação linguística portugues...

Pergunta:

Significado da palavra paradocente?

Resposta:

A palavra paradocente ocorre em textos elaborados em Portugal. Figura, por exemplo, como adjetivo na legislação: n

(1) «5 - A formação contínua pode também contribuir para viabilizar a transição dos docentes entre os diversos níveis a graus de ensino e grupos de docência ou para o exercício de actividades especializadas de natureza paradocente.» (Decreto-Lei Decreto 344/89, Diário da República Eletrónico)

Pelo contexto de (1) e atendendo a que o prefixo para- sugere as noções de proximidade ou semelhança – cf. o caso de paramédico = « relativo a atividades relacionadas com a medicina» e «que complementa ou auxilia os serviços médicos» (Dicionário de Língua Portuguesa da Porto Editora,na Infopédia) –, depreende-se que paradocente significa «relativo a atividades relacionadas com a docência» e «que complementa ou auxilia a docência».

Refira-se que, pelo menos, potencialmente, a palavra pode também ser usada como substantivo, tal como acontece com paramédico (= « indivíduo que exerce a sua profissão no campo da medicina, realizando atividades auxiliares ou complementares às de um médico», idem). Um paradocente, portanto, será também um indivíduo que exerce a sua profissão no campo da docência ou da escola em geral, realizando atividades auxiliares ou complementares às de um professor».

Pergunta:

A expressão «ter à mão» pode incluir um pronome possessivo? A título de exemplo, a pergunta que se segue estaria correta: «Por acaso, tem um lápis à sua mão?»?

Obrigado pela atenção.

Resposta:

É possível associar possessivos à expressão, uso que se encontra atestado, embora não seja tão frequente como o de «à mão»1:

1. «Estava ali, bem à minha mão, a possibilidade de encontrar um som» (do corpus Linguateca).

2.  «Se nenhuma das opções estiverem à sua mão, pode sempre dar o seu dinheiro por bem gasto a bater o pé, quando Prince se propõe transformar Alvalade em estádio-discoteca» (idem).

Em 1. e 2. «estar à mão» significa o mesmo que «estar ao alcance/perto/próximo (para utilização)». A expressão pode também associar-se ao verbo ter, como em «ter alguma coisa à mão», isto é, «ter alguma coisa ao alcance».

Apenas consideramos contextos em que se pode considerar que a construção com o possessivo é praticamente equivalente à expressão sem possessivo. É óbvio que «à minha/tua/sua/nossa/vossa mão» é perfeitamente aceitável em expressões como «chegar à mão», «vir à mão», «parar à mão» ou «vir ter à mão»; exemplos (extraídos do Corpus do Português, de Mark Davies):

3. «A salvação da quinta podia estar nos fornos. Estaria – tinha a certeza, se eles viessem parar à sua mão» (Carlos de Oliveira, Uma Abelha na Chuva, 1953).

4. «O dinheiro dar-me-á para viver os poucos anos de vida q...

Pergunta:

Comumente utilizado no meio forense, qual seria a pronúncia mais adequada do vocábulo interregno em bom português?

Resposta:

O substantivo interregno – que significa « período entre dois reinados, em que não há rei hereditário ou eletivo», «período em que algo deixa de estar em vigor ou um cargo deixa de ser preenchido», ou simplesmente «interrupção temporária» (Dicionário de Língua Portuguesa, disponível na Infopédia – tem e aberto na sílaba tónica -rre- e a sequência de sons [gn] na última sílaba.

Portal da Língua Portuguesa indica que a transcrição fonética da palavra, de acordo com o padrão aceite em Portugal, é [ĩtɨʀˈɛgnu]. Segundo a mesma fonte, no Brasil ou em parte deste país, regista-se a tendência para inserir uma vogal no meio da sequência [gn]: [ĩteɦˈɛgə̃nʊ] (Rio de Janeiro) e [ĩtexˈɛgənʊ] (São Paulo). Apesar disso, considera-se que a pronúncia correta é sem a inserção (epêntese) de vogal1 (cf. registo da palavra interregno pronunciada por uma falante de sotaque brasileiro no sítio Forvo).

1 Convém assinalar que, na transcrição do Portal da Língua Portuguesa, pode parecer inusitado representar-se com o símbolo [ə] o segmento vocálico inserido no meio do encontro consonântico [gn] no contexto das variedades linguísticas brasileiras. Note-se, porém, que o símbolo mencionado, geralmente conhecido como schwa (aportuguesamento xevá, segundo o Dicionário Houaiss), aplica-se geralmente a...

Pergunta:

Gostaria de lhes fazer uma pergunta relativa à pronúncia das letras c e s. Reparei que alguns portugueses (mesmo apresentadores da RTP) pronunciam estas duas letras como [ʃ], quando seguidas de e ou i (em palavras tipo cerca, cinco, sete). Qual pode ser a razão ou explicação desse fenômeno fonético?

Muito obrigado pelos esclarecimentos.

Resposta:

As palavras em questão, isoladas, descontextualizadas, têm [s] inicial, e não [ʃ]1 – por outras palavras todas começam pelo s de sal, e não pelo ch de chave ou o x de Xavier. No entanto, pode acontecer que, no encadeamento de uma frase, no português de Portugal, essa consoante inicial possa ser assimilada a um [ʃ] que a preceda, por exemplo, um morfema de plural.

Dando exemplos:

1- «Os cerca de cinco milhões de euros de que falei estão perdidos.»

2- «Os Cinco são uma criação de Enid Blyton

3- «A Branca de Neve e os Sete Anões é uma história longa.»

Em 1, 2 e 3, dá-se o encontro de [ʃ] e [s], tal como ocorre em nascer ou descer, palavras cuja pronúncia cuidada corresponde à sequência [ʃs]: [nɐʃ’seɾ], [dɨʃ’seɾ] (cf. Portal da Língua Portuguesa).

Contudo, na pronúncia menos tensa, de débito rápido, mais informal, essa sequência pode reduzir-se a [ʃ]: «o[ʃ]erca...», «O[ʃ]inco...», «O[ʃ]ete Anões...», na[ʃ]er, de[ʃ]er2.

Este fenómeno não tem que ver com as vogais e e i. Na verdade, não é determinado pelo contexto vocálic...