Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Posso aceitar pobre, em vez de pobr- como forma de base da palavra pobreza? Ou posso aceitar as duas?

Obrigada.

Resposta:

O radical de pobre é pobr-, e o elemento -e, o seu índice temático. Sendo assim, perante pobreza, a análise dever ser a seguinte:

pobr- [radical] + -ez- [sufixo] + -a [índice temático]

Sabemos que o sufixo é -ez-, pela análise de outros casos. Por exemplo, é do radical de belo, bel-, que se deriva beleza (não *beloza, diretamente de belo, nem *belaza, do feminino bela): bel- + -ez- + -a.

Pergunta:

Qual a diferença entre obrigação e obrigatoriedade?

Resposta:

Obrigação tem um sentido moral, enquanto obrigatoriedade tem um sentido legal:

1- Cuidar dos filhos é nossa obrigação. [neste contexto, não se diz «nossa obrigatoriedade»]

2 - «Governo avança com fim da obrigatoriedade da entrega do PEC» [seria menos exato empregar obrigação, porque se pretende referir um ato obrigatório]

Pergunta:

Durante a leitura de Jubiabá (1935), de Jorge Amado (1912-2001), deparei com a palavra "encongruado" no seguinte contexto:

«A vida é boa, velho... Você fala porque tá encongruado.... – o ex-soldado riu» (Amado, 1935, p.215).

Não há registro deste verbete nos dicionários gerais. Vocês poderiam me ajudar na atribuição de sentido à palavra "encongruado"?

Grato por qualquer luz.

Resposta:

Nas fontes de que dispomos não encontramos nem registo da palavra em apreço, nem informação que a esclareça cabalmente. Pelo contexto citado na pergunta, pode supor-se que significa «amargurado» ou «ressabiado» (Jorge Amado, Jubiabá, São Paulo, Companhia das Letras. p. 191):

«— Esse mundo é ruim — cuspiu o velho com raiva. — Nós nasce para sofrer…
— A vida é boa, velho… Você fala porque tá incongruado… — o ex-soldado riu.»

Note-se que, na edição consultada, a forma do vocábulo em questão é "incongruado", e não "encongruado".

Considerando uma forma ou outra, cumpre salientar a forma da sequência -congr-, identificável com incôngruo, sinónimo de incongruente. É de supor um verbo derivado, "incongruar", do qual "incongruado" seria particípio passado, eventualmente usado adjetivalmente. De qualquer modo, a falta de registos da palavra não permite confirmar esta hipótese.

Pergunta:

A propósito do conceito decrescimento – tese segundo a qual a degradação progressiva do ambiente e dos recursos do planeta só tem como saída a inversão da lógica depredadora do capitalismo* − e como não encontro a palavra no arquivo do Ciberdúvidas, peço-vos uma abordagem sobre a formação desta palavra e deste sentido novo.

* Cf. Serge Latouche, "As vantagens do decrescimento" (Le Monde Diplomatique – Brasil, 1/11/2003) e Decrescimento Sereno, Lisboa, Edições 70, 2012;  "Serge Latouche, o precursor da teoria do decrescimento, defende uma sociedade que produza menos e consuma menos", Instituto Humanitas Unisinos, 3/09/2013; Ana Poças Ribeiro, "A economia contra os limites da Terra: o decrescimento sustentável é a solução", Público, 4/09/2018

Resposta:

Trata-se de um derivado correto do verbo decrescer, formado por sufixação (decresci+-mento) e registado por alguns dicionários como sinónimo de decréscimo (cf. dicionário da Academia das Ciências de Lisboa).

Poder-se-á argumentar que o uso de decréscimo, muito mais frequente, torna supérfluo o de decrescimento. Contudo, tendo em conta os usos de crescimento como sinónimo de «progresso, avanço, desenvolvimento económico», afigura-se útil o emprego de decrescimento como antónimo, no contexto da crítica à visão desenvolvimentista das últimas décadas no campo político e económico.

Pergunta:

Qual é a regência de conveniado?

Grato.

Resposta:

A forma conveniado constrói regência com a preposição com: «dirigiu-se ao hospital conveniado com o centro de saúde» (cf. Dicionário Priberam da Língua Portuguesa).

Conveniado é o particípio passado de conveniar, verbo classificado como brasileirismo e que significa «estabelecer convénio (com)» (Dicionário Houaiss, 2001). Esta forma participial, conservando a regência com a preposição com do verbo correspondente (conveniar com), é também empregado como adjetivo, na aceção de «que mantém convénio, em expressões como «hospital conveniado» (Dicionário UNESP do Português Contemporâneo, 2003).

Em Portugal, em referências a unidades que têm acordos com diferentes sistemas para prestar cuidados de saúde, empregam-se as expressões «ter acordo» e (mais formalmente) «ter convenção»: «o hospital é particular, mas tem acordo/convenção com a ADSE».