Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Em conversa com pessoas de diversos pontos do país reparei que existem várias formas de chamar às divisões de uma casa e também alguns elementos. O mais que mais me chama a atenção é a «casa de banho» que também recebe o nome «quarto de banho». Já no Brasil usam banheiro ou privada. E também o lavabo, que seria mais pequeno apenas com lavatório e sanita, ou caso se tratasse de instalações públicas, embora exista sempre uma pressão muito grande para a utilização de anglicismos como w. c. O mesmo acontece com walk-in closet, para o qual não conheço tradução. Por outro lado também fui confrontado com a utilização de «casa de jantar» para denominar a «sala de jantar», no entanto também encontrei «casa de jantar» para representar um móvel da sala onde se guardam as louças. Existem formas mais e menos corretas de chamar estes espaços?

Resposta:

Não havendo uma nomenclatura fixa ou unívoca para denominar cada uma das divisões de uma casa, não se impõe a necessidade de distinguir entre formas corretas e incorretas, desde que seja salvaguardada a sua compatibilidade com a função de cada compartimento. Existe certa variação regional, mas, em Portugal, tendem a predominar termos como «casa de banho», «casa de jantar» – esta a par de «sala de jantar» –, mas «sala de estar», e não *«casa de jantar». Nada disto impede que se usem outras denominações.

Mesmo assim, reconheça-se que há termos estáveis, usados entre arquitetos e engenheiros civis. Em Portugal, as páginas de Trabalhar com Arquitectos (este sítio mantém a ortografia anterior ao acordo ortográfico em vigor), disponibilizam um glossário, do qual, em relação a compartimentos de uma habitação,  constam os seguintes termos, sem modificadores que lhes restrinjam o sentido:

– compartimento: «Cada uma das divisões de uma casa.»

– sala: «Compartimento principal de uma casa, geralmente destinado a usos sociais. Qualquer compartimento de uma casa (à excepção dos quartos de dormir), destinado a vários usos. Designação antiga da cortina que entesta com o baluarte.»

– casa: «1-Edifício destinado a habitação. 2-Cada uma das divisões de uma habitação.»

Destas definições, é possível concluir, por exemplo, que, pelo menos, no que ao uso da expressão «sala de jantar» diz respeito, é legítimo substituí-la pela alternativa «casa de jantar» (conclusão muito semelhante também se tira da consulta do

Pergunta:

Creio que o futuro é um composto do infinito do verbo que se está a conjugar com o verbo haver. Assim sendo, como se explicam as formas do plural?

Resposta:

A pergunta parece referir-se à história do futuro do indicativo (no Brasil, futuro do presente do indicativo), mais precisamente ao desenvolvimento das terminações -emos e -eis da 1.ª e 2.ª pessoas do plural; exemplos: cantaremos, cantareis (1.ª conjugação); comeremos, comereis (2.ª conjugação); partiremos, partireis (3.ª conjugação). Estes sufixos flexionais remontam às 1.ª e 2.ª pessoas do plural do presente do indicativo do latino habere, isto é, habemus e habetis, as quais evoluíram para havemos e haveis, no português contemporâneo, formas que ocorrem quando o verbo haver é empregado como auxiliar: «havemos de cantar», «haveis de partir». Como explicar que, por um lado, havemos e haveis, e, por outro, -emos e -eis têm origem comum?

Acontece que a flexão do futuro do indicativo se explica historicamente pelo latim vulgar. É o que faz, por exemplo, o linguista galego Manuel Ferreiro, na sua Gramática Histórica Galega (Laiovento, 1996, p. 297), que, relativamente à génese do futuro do indicativo e à sua evolução semântica e morfológica, propõe uma descrição também válida para o português, pois, como se sabe, até ao século X...

Pergunta:

Lembro-me de que quando criança aprendi uma frase engraçada e penso que sem sentido (será?) e que é a seguinte: «Antão era moleiro, fazia anzóis e pescava caracóis.»

Alguém consegue adiantar alguma dica que leve a pensar num possível significado?

Resposta:

Trata-se de versos jocosos sobre o nome de uma pessoa, para a arreliar ou provocar.

A propósito de expressões depreciativas que traduzem rivalidades ou situações de conflito entre comunidades ou entre indivíduos, o filólogo português Teófilo Braga (1843-1924) regista esse versos num estudo incluído em O Povo Português nos seus Costumes, Crenças e Tradições (vol. I, Edições Vercial), em referência «[...] aos chascos [=gracejos mordazes] pessoais, ligados ao nome do indivíduo, ou ao seu apelido». A preceder a frase em apreço, o autor citado apresenta outra também em verso, em que o mesmo nome serve igualmente de motejo: «Antão guardava ovelhas,/umas suas/outras alheias.»

Pergunta:

No novo acordo ortográfico, deve escrever-se "editor-executivo" ou "editor executivo"? A mesma pergunta faço para "editor-executivo-adjunto". Já vi a vossa resposta relativamente a "diretor-executivo", mas na minha redação surge permanentemente esta dúvida com a grafia dos editores...

Muito obrigada.

Resposta:

O tipo de composto em questão, formado por substantivo + adjetivo (eventualmente com mais um adjetivo), não tem tido uma grafia consistente. E o problema, se for resolúvel, não encontra resposta nem no atual acordo ortográfico (ler Base XV, 1) nem nos precedentes. Com efeito, aceitando o princípio de a hifenização se aplicar como sinal indicativo da autonomia e estabilidade do composto – diretor-geral terá uso enraizado e um significado próprio, não redutível às unidades lexicais diretor e geral –, reconheça-se que pode ser mínimo o contraste semântico da palavra composta com a simples associação em frase das unidades que a constituem.

Será aceitável a hifenização de compostos que incluam o adjetivo executivo, mas o emprego sistemático de tal sinal depende de uma opção editorial, e não da aplicação de um princípio ou critério claramente enunciados nos normativos ortográficos. Atendendo ao exemplo de diretor-geral (cf. Dicionário Houaiss e dicionário da Porto Editora), justifica-se o hífen em editor-executivo pelo seu uso recorrente na formação da denominação de cargos ou funções; por outras palavras. não se trata de apor o adjetivo executivo ao nome editor, mas, sim, de distinguir globalmente um cargo de outro, que se denomina apenas editor. Contudo, não é forçoso empregar tal sinal (consulte-se respostas aqui e

Pergunta:

Em textos jurídicos é muito utilizada a palavra "probando", para designar os factos que são objecto de prova no processo. Por exemplo: «Os factos probandos [a provar] são os seguintes: "O sujeito A vendeu ao sujeito B a coisa C?"»

Porém não encontro a palavra em qualquer dos dicionários que consultei. Será correcta a sua utilização?

Obrigado.

[N. E.: O consulente segue a ortografia anterior ao acordo ortográfico em vigor, razão por que escreve objecto em vez de objeto, e correcta em lugar de correta.]

Resposta:

Os dicionários gerais não apresentam entrada para probando, o que não significa que o vocábulo esteja incorreto. Com efeito, encontramos este adjetivo mencionando pelo Dicionário Houaiss (2009), numa série lexical respeitante ao radical prob-, de origem culta, que concorre com o radical prov- (este de origem popular e presente no verbo provar):

«[...] representado por cultismos em português a partir do século XVIII como probidade, probidoso e probo, bem como, com base no latim probabìlis, e 'provável, verossímil, que pode ser provado' [...], f. port. cultas como probabilidade, probabiliorismo, probabiliorista, probabiliorístico, probabilismo, probabilíssimo, probabilista, probabilístico, probabilização, probabilizado, probabilizador, probabilizante, probabilizar, probabilizável, probácio, probador, probando, probante, probativo, probatório, improbidade, improbidoso [...]» (sublinhado nosso).

A palavra em questão encontra também registo no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras. Poderia, portanto, pensar-se que se trata de uma criação de uso exclusivamente brasileiro, mas observa-se que o termo ocorre em Portugal, no discurso de Direito.

(1) «A primeira tese é defendida, entre nós, por Germano Marques da Silva e traduz-se e...