Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Trata-se de um topónimo que só conheço na Arrábida: gostaria de conhecer o significado original da palavra Creiro.

Obrigada.

Resposta:

Para esta resposta, não foi possível reunir elementos que permitam esclarecer cabalmente a origem do topónimo. Mesmo assim, expõe-se a seguir alguma informação que poderá contribuir para a sua etimologia e para a história da sua fixação como nome de lugar.

Assim, o topónimo já se escreveu Quereiro, como se atesta no Guia de Portugal (1.º volume, 1924)1, coordenado por Raul Proença (1884-1941):

(1) «Para os lados do Quereiro, na encosta da serra, uma imensa rasgadura ou talisca de grande profundidade, a que é arriscado descer. Entre o Alpertuche e o Risco, finalmente, a "lapa da Greta", que nem sempre pode ser visitada por a maré alta a invadir, e onde se conserva permanentemente uma lagoa.»

Também João Bénard da Costa (1935-2009) escrevia Quereiro:

(2) «Nos anos 60 e 70, nunca imaginei que fosse desaparecer a Praia dos Pescadores, quando, depois de carregado luto pela praia da infância e da adolescência, a ela me costumava a habituar. Já nesses anos a entremeava com o Quereiro, a duna meigamente opulenta que fica no fim do Portinho. [...] Mas o século XX acabou e, no actual, a opulência do Quereiro foi-se, como se foi a meiguice» (João Bénard da Costa, "O doce pássaro", P2...

Pergunta:

Claviarpa é um instrumento musical. Eu escrevo sem h, mas dizem-me que leva um h no meio: "claviharpa".

Podem responder-me?

Obrigada.

Resposta:

Escreve-se claviarpa.

Na ortografia do português, é impossível a escrita da letra h em posição intervocálica (ver "Textos relacionados", nesta página, ao lado), razão por que "claviharpa" é grafia incorreta. Sendo assim, a forma mais congruente com a ortografia será claviarpa, palavra que encontra registo, por exemplo, no Michaelis Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa, com a seguinte definição: «espécie de piano cujos martelos ferem cordas, como as da harpa.»

Acrescente--se que claviarpa é palavra bem formada: constitui-se como composto resultante da associação do radical clavi-, relacionado com o latim clavis, is, «chave, tranca», com a palavra harpa [cf. clav(i)- no Dicionário Houaiss].

Pergunta:

Tanto quanto sei, os nomes próprios de autores ou escritores estrangeiros não são traduzidos, no entanto existe pelo menos uma notável excepção: Jules Verne, que em português é conhecido como "Júlio" Verne.

Gostaria de saber se existe alguma regra definida relativamente a esta matéria e se há outras excepções para além da que mencionei.

Resposta:

Trata-se de um preceito hoje esquecido.

Até meados do século XX, podia acontecer que alguns autores estrangeiros fossem conhecidos por uma versão do seu nome próprio (ou primeiro nome) em português, um pouco como acontece ainda com os nomes dos monarcas estrangeiros e dos seus herdeiros1. Tal é o caso de Júlio Verne, que acabou por se fixar assim mesmo e mantém atualidade. Também se dizia e escrevia Carlos Baudelaire, Gustavo Flaubert e, já no domínio da filosofia, Carlos Marx2; estas adaptações já não ocorrem hoje em dia, substituídas que foram pelas formas inteiramente estrangeiras: Charles Baudelaire, Gustave Flaubert e Karl Marx.

Registem-se a propósito as considerações de Vasco Botelho de Amaral (1912-1980), no seu Grande Dicionário das Dificuldades e Subtilezas do Idioma Português (1958; mantém-se a ortografia original):

«Uma prática errónea do português actual é a que mantém os nomes de baptismo na sua feição estrangeira ou estrangeirada. Ora o nosso idioma exige que se traduzam tais nomes e que o apelido ou sobrenome fique na forma estranha. Desta maneira, escrever-se-á: Alfredo de Musset, Henrique Heine, Guilherme Shakespeare, etc [em vez de Alfred de Musset,

Pergunta:

Na ilha das Flores, dos Açores, existe um lugar chamado "Quada" (ou "Cuada", ou "Coada"?) pertencente à freguesia da Fajã Grande, dessa ilha.

Qual será a grafia correcta, "Cuada", "Quada", ou "Coada", e qual poderá ser, em vossa opinião, a origem de tão estranha palavra?

Muito obrigada desde já.

 

N. E. – Manteve-se a grafia correcta, anterior à ortografia vigente (correta).

Resposta:

No Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, José Pedro Machado considera que "Quada" (opinião que parece extensível a Cuada, que ele não regista) é má grafia por Coada, que relaciona com o nome comum coada, cujo significado o referido autor não esclarece.

Registe-se, mesmo assim, que, como nome comum, coada significa «porção de líquido coado» e «barrela», de acordo com a definição de Cândido de Figueiredo, no Novo Dicionário da Língua Portuguesa, de 1913. Talvez coada tenha que ver, portanto, com coar ou escoar e seja alusão a uma linha definida pela escorrência de águas. Ou estará o topónimo relacionado com um lugar usado para  fazer a barrela, isto é, ou para produzir «o caldo coado de cinzas vegetais ou de soda, usualmente para clarear roupa» (Dicionário Houaiss), ou para fazer a limpeza em que se aplicava esse produto?

Por enquanto, faltam aqui ainda elementos a respeito da história desta localidade e do topónimo, que permitam alcançar um parecer etimológico mais conclusivo. É, portanto, ainda prematuro considerar completamente erróneas as formas "Cuada" e "Quada", sem uma etimologia segura.

Pergunta:

Considerando estas duas definições,

(1) «bó | interj. bó interjeição [Regionalismo] Expressão que indica admiração ou espanto. = ORA ESSA "bó» (in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa; consultado em 04-05-2020].

(2) «bô adj. Pop. e ant. O mesmo que bom: “pois que tinha bô lugar”. G. Vicente, J. da Beira.» (in Novo Diccionário da Língua Portuguesa de Cândido de Figueiredo 1913)

Como devemos escrever/dizer: "bó" ou"bô"?

Bó! — Bô!

Bó-era! — Bô-era!

Bó-geira — Bô-geira

Bó! Já agora? — Bô! Já agora?

Bó! Não querias mais nada? — Bô! Não querias mais nada?

Bó! Quem me dera? — Bô! Quem me dera?

Muito obrigado.

Resposta:

Como se trata de um regionalismo, não tem de se impor uma forma padronizada de pronunciar nem de escrever.

No entanto, tem-se considerado que a interjeição tem origem em , que é variante de bom, com o fechado desnasalizado. Nesta perspetiva, a grafia com ô seria mais correta, no sentido de a fonética e da grafia da interjeição estarem mais próximas das do adjetivo donde supostamente provêm. Contudo, não se exclui a possibilidade de, numa dada comunidade de falantes, ocorrerem casos de o aberto, e, portanto, não se dirá que esteja incorreto.

Perante cada par de exemplos da lista recolhida pelo consulente, é, portanto, difícil identificar a forma mais correta. Por outro lado, o facto de na pergunta se apresentarem tais formas em alternativa pode até indiciar que a interjeição tem oscilações de pronúncia, o que não admira, tratando-se de uma expressão profundamente implicada na oralidade. Atendendo a que a pergunta foi enviada de Vimioso, no extremo oriental de Trás-os-Montes, numa região historicamente sob influência dos dialetos leoneses (onde provém a língua mirandesa), é possível que o contraste fonológico entre o aberto e o fechado, que tais dialetos desconhecem, se neutralize, o que contribuirá para oscilações na pronúncia de casos como este.

Refira-se, entretanto, que dois dicionários de regionalismos desta região1 consignam a forma , indicativa de o fechado e correspondente não só a bom, mas também a boa