Pergunta:
Na gramática de Fernando Pestana (2019), ele diz que locuções adjetivas (à bela, à lenha, etc.), adverbiais (às pressas, à vista, etc.), conjuntivas (à medida que/à proporção que) e prepositivas (à custa de, à moda de, etc.) levam crase «porque a preposição a que inicia tais locuções se funde com o artigo a que vem antes do núcleo feminino. O acento grave é fixo» (p .785). Assim ensinam muitos gramáticos (Nicola/terra,etc).
Entretanto Manoel P. Ribeiro, na sua gramática, 2011, pág. 307, diz: «A tradição gramatical assinala com acento grave certas locuções (adverbiais,prepositivas e conjuncionais ,adjetivas) em que verdadeiramente não ocorre crase. O acento grave é empregado para diferenciar a preposição a do artigo a.»
[Evanido] Bechara em sua gramática, 2009, diz que o acento grave tem duas funções e uma delas é «representar a pura preposição a que rege um substantivo feminino singular, formando uma locução adverbial» (pág.308).
Então há crase (fusão artigo+preposição ) ou só acento grave assinalando a preposição nas locuções adverbiais, prepositivas , conjuncionais e adjetivas? Qual das duas visões é a correta ?
Grato pela ajuda.
Resposta:
Muito se agradece a chamada atenção do consulente, que dá uma pista muito interessante para a história da ortografia da língua portuguesa. Trata-se, com efeito, de uma interpretação que parece apenas válida no Brasil.
O que diz Fernando Pestana decorre do que se lê nas normas ortográficas vigentes no Brasil e em Portugal nos últimos 75 anos. Por exemplo, no Formulário Ortográfico de 1943, que vigorou no Brasil até 2009, lia-se que (XII, 43):
«16ª – O acento grave assinala as contrações da preposição a com o artigo a e com os adjetivos ou pronomes demonstrativos a, aquele, aqueloutro, aquilo, os quais se escreverão assim: á, às, àquele, àquela, àqueles, àquelas, àquilo, àqueloutro, àqueloutra, àqueloutros, àqueloutras.»
No Brasil, a norma ortográfica de 1943 só previa, portanto, o acento grave nas contrações da preposição a com o artigo definido a. O Acordo Ortográfico de 1945 e o atual Acordo Ortográfico de 1990, que é hoje comum ao Brasil e Portugal, não se afastam deste preceito, o qual fará supor, por exemplo, a locução «à vista» se escreve assim porque o à constitui uma contração. Em Portugal, assim se julga, até porque é o que sugere a sua pronúncia como "a" aberto, claramente contrastada com a pronúncia da preposição a e do artigo definido, que, isoladamente, soam com "a" fechado.
Contudo, tem fundamento histórico e justifica-se a visão de Manoel P. Ribeiro e de Evanildo Bechara, a qual ...