Carla Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Marques
Carla Marques
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Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do  estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Qual é o mais correto nos seguintes exemplos?

a) trajado com um fato avermelhado.

b) trajado de um fato avermelhado.

Resposta:

Ambas as construções são aceitáveis, embora correspondam a realidades sintático-semânticas distintas.

O adjetivo trajado pode construir-se com um complemento introduzido pela preposição de. Este complemento está, muito frequentemente, relacionado com a indicação de cor:

(1) «Ele chegou trajado de vermelho.»

Nesta ótica, a construção apresentada pelo consulente é correta, sendo mais natural sem a utilização do determinante artigo indefinido um:

(2) «trajado de (um) fato avermelhado»

Não obstante, o adjetivo trajado também pode ser acompanhado por um constituinte que é seu modificador, o que significa que este poderá ser eliminado da frase, pois não é pedido pelo adjetivo:

(3) «Ele chegou trajado com fato a rigor.»

Nesta frase, o constituinte «com fato a rigor» modifica o adjetivo trajado contribuindo para restringir a sua significação. No entanto, pode ser omitido da frase:

(4) «Ele chegou trajado.»

O constituinte «com um fato avermelhado», na frase (5) poderá ser usado com uma função equivalente à que se descreveu:

(5) «trajado com fato avermelhado»

Neste expressão, a informação central é a de que alguém está vestido (= trajado), contribuindo o constituinte «com um fato avermelhado» para exprimir uma informação acessória.

Note-se, no entanto, que, em termos semânticos, a diferença entre as construções (1) e (5) é, na prática, mínima.

Disponha sempre!

Pergunta:

«E também» é pleonasmo?

Obrigado.

Resposta:

A combinação da conjunção e com o advérbio também não corresponde a um pleonasmo. Não obstante, as palavras partilham alguns valores.

A conjunção e pode ter um valor aditivo, assinalado que o segundo elemento se soma ao(s) elemento(s) anterior(es). Esta conjunção tem a capacidade de coordenar sintagmas, como em (1), ou orações, como em (2):

(1) «O João e a Rita vão ao cinema.»

(2) «O João comprou os bilhetes e reservou pipocas.»

Já o advérbio também tem um valor aditivo que se associa à função de marcação de um valor inclusivo, ou seja, também incide sobre uma palavra e marca a sua pertença a um dado conjunto:

(3) Também o João adorou aquele filme.

Em (3), o advérbio também associa o João ao grupo daqueles que gostaram do filme.

Quando se conjugam e com também, associam-se os valores de adição à focalização e inclusão num dado grupo, sendo que, neste caso, os grupos estão coordenados pela ação da conjunção e:

(4) «O João comprou os bilhetes e também reservou pipocas.»

Se comparamos a frase (2) com a frase (4), vemos que a diferença entre elas se situa no facto de nesta última se acentuar o valor de focalização associado à segunda oração.

Disponha sempre!

Pergunta:

Qual é o mais correto?

a) tinha um cabelo que lhe chegava aos seus ombros.

b) tinha um cabelo na altura dos seus ombros.

Resposta:

Ambas as construções são corretas.

Não obstante, uma pesquisa pela Internet mostra que em português europeu a expressão transcrita em (1) parece preferencial:

(1) «Tinha um cabelo que lhe chegava aos (seus) ombros.»

A par desta construção, é também possível usar frases como as apresentadas em (2) e (3), que, em português europeu, serão sentidas como mais naturais:

(2) «O cabelo dava-lhe pelos ombros.»

(3) «Tinha o cabelo pelos ombros.»

A construção transcrita em (4) aparece associada sobretudo a textos escritos em português do Brasil:

(4) «Tinha um cabelo na altura dos seus ombros.»

Caberá ao consulente selecionar a variante em que pretende escrever o seu texto e ajustar a expressão que lhe parece preferencial.

Disponha sempre!

Até vs. Até a
A inclusão vs. o limite espacial
 «Vou até o mar» ou «Vou até ao mar»? – é o que esclarece a professora Carla Marques num apontamento emtido  no  programa Páginas de Português, na  Antena 2, no dia 9 de abril de 2023.
Complemento de nome vs. modificador do nome
«Encontro de cientistas» e «encontro científico»

Nas expressões «encontro de cientistas» e «encontro científico», qual a função sintática dos constituintes que acompanham o nome? Esta questão é abordada pela professora Carla Marques, na sua rubrica divulgada no programa Páginas de Português, na Antena 2 (em 02/04/2023).