Carla Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Marques
Carla Marques
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Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do  estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

No excerto abaixo:

«Aquela não era uma máquina qualquer. Mariana escreveu nela os seus primeiros contos e esses tempos foram felizes para a máquina.

– Eu tenho saudades tuas. – disse a velha máquina à Mariana.»

No exercício solicita-se a identificação, entre as palavras assinaladas (aquela, seus, esses, eu e tuas), dos pronomes pessoais, demonstrativos e possessivos. A "rasteira" é que algumas das palavras não são pronomes, mas sim determinantes.

Gostava de compreender melhor a distinção entre estas duas classes gramaticais, de uma maneira que possa ensinar a uma criança de nove anos que se debate com este tipo de exercícios.

Resposta:

As classes dos pronomes e dos determinantes partilham um número significativo de elementos, pelo que é importante dispor de critérios para os distinguir entre si. Para explicar a uma criança o funcionamento dos membros destra classe, poderá observar com ela o comportamento destas palavras na frase.

Assim, os pronomes são colocados em lugar de um nome, pelo que não acompanham um outro nome (surgem sozinhos), como em (1), onde todas as palavras destacadas a negrito são pronomes:

(1) «Ele sentou-se nesses e falou das tuas

Repare-se que a frase não tem um sentido claro porque os pronomes estão a referir-se a nomes que substituem e dos quais não temos conhecimento para construir essa referência.

Por seu turno, os determinantes acompanham sempre o nome, nunca surgindo sozinhos, como em (2):

(2) «Aquela jovem conhece os seus direitos e referiu as tuas palavras, que tinha lido nesses livros.»

Como se pode observar, as palavras destacadas são determinantes porque cada uma delas se coloca à esquerda de um nome, determinando-o: aquele determina jovem; seus determina direitos; tuas determina palavras; esses determina livros.

Depois de estar clara esta distinção inicial, há que conhecer as diferentes subclasses dos pronomes e dos determinantes. Teremos assim pronomes pessoais, demonstrativos, possessivos, indefinidos, relativos e interrogativos e determinantes demonstrativos, possessivos, relativos e interrogativos. Para as identificarmos, será também importante fazer uso da memória para reter os nomes e algumas das palavras tí...

<i>Quo vadis?</i>
Significado da locução latina

O apontamento da professora Carla Marques aborda o significado da locução latina quo vadis.

in  Página de Português, Antena 2, 11/06/2023

Pergunta:

No segmento «[...] Camões revela-se um subtil ourives de composições delicadas e gráceis, discretamente preciosas, fabricadas com o ouro dos cabelos e do sol, com o verde dos campos e dos olhos [...]», a expressão «com o ouro dos cabelos e do sol» desempenha a função sintática de complemento do adjetivo, uma vez que está precedida do particípio passado fabricadas que funciona como adjetivo?

Obrigada pela atenção.

Resposta:

No caso em apreço, fabricadas funciona como adjetivo, uma vez que incide sobre o nome composições, tal como os adjetivos delicadas, gráceis e preciosas, com os quais se coordena.

Na qualidade de adjetivo, fabricadas pede um complemento de adjetivo, o sintagma preposicional «com o ouro dos cabelos e do sol», que completa o seu sentido.

Disponha sempre!

Pergunta:

Na frase «Talvez o conhecimento de tantos poemas lindíssimos de amor que escreveu despertasse o interesse de milhões de alunos para a obra maior da nossa literatura», a expressão «a maior obra da nossa literatura» é uma referência a Os Lusíadas.

Estamos perante uma referenciação anafórica por substituição ( sinonímia) ou conceptual?

Resposta:

A retoma anáforica de Os Lusíadas por meio do sintagma «a maior obra da nossa literatura» corresponde a um processo de coesão lexical por substituição, recorrendo à sinonímia entre termos.

Não se trata de um caso de anáfora conceptual, também designada anáfora resumativa, porque esta tem a função de retomar informação anterior por meio da sua condensação numa expressão que a resuma, o que não acontece neste caso.

Disponha sempre!

Pergunta:

É possível ( ou obrigatório) fazer a haplologia sintática com o duplo se conjuncional da mesma maneira que se faz com o que?

Quais das seguintes frases são gramaticais?

a) «Eu não sei se compraria um carro se ganhasse à lotaria.»

b) «Eu não sei se se ganhasse a lotaria, compraria um carro.»

c) «Eu não sei se ganhasse a lotaria, compraria um carro.»

Resposta:

Antes de mais, é importante recordar que a haplologia sintática é um fenómeno fonológico que corresponde à omissão na pronúncia de uma sílaba final de uma palavra (ou de um monossílabo) porque esta encontra a seguir a si uma sílaba foneticamente igual ou idêntica. É o que acontece, por exemplo, em (1), onde há tendência a apagar a sílaba de, em faculdade:

(1) «faculda(de) de letras»

O facto de se tratar de um fenómeno fonológico implica, antes de mais, que não terá manifestações na ortografia, ou seja, ainda que uma sílaba possa não ser pronunciada, ela terá de ser escrita para que a frase tenha correção sintático-semântica.

Relativamente à frase apresentada pelo consulente, temos antes de mais considerar qual seria a ordem mais aceitável das diferentes orações.

Nesta frase, identificamos uma construção interrogativa indireta, na qual se encaixa a seguinte frase interrogativa:

(2) «Se ganhasse a lotaria, compraria um carro?»

 Ora, se esta frase fosse convertida em interrogativa indireta, o foco da questão incidiria sobre a oração subordinante, pelo que a ordem natural seria a que se apresenta em (3):

(3) «Eu não sei se compraria um carro se ganhasse a lotaria.»

Caso se pretendesse, por alguma razão pragmática, antecipar a oração subordinada condicional, seria aconselhável o uso de vírgulas:

(4) «Eu não sei se, se ganhasse a lotaria, compraria um carro.»

Seria nesta situação que, apesar da pausa, poderia ter lugar a haplologia sintática. No entanto, estamos perante uma construção que é, do ponto de vista sintático, desagradável,...