A palavra bastante pode pertencer a diferentes classes de palavras, o que é explicado pela professora Carla Marques neste apontamento (divulgado no programa Páginas de Português, na Antena 2, dia 22 de janeiro de 2024).
Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.
A palavra bastante pode pertencer a diferentes classes de palavras, o que é explicado pela professora Carla Marques neste apontamento (divulgado no programa Páginas de Português, na Antena 2, dia 22 de janeiro de 2024).
Em «E levantaram-se todos, e deitaram-se todos ao mar, e chegaram todos à porta da gruta onde morava o Polifemo», considerariam a existência de uma anáfora?
Obrigada!!
A frase retirada da obra Ulisses, de Maria Alberta Menéres, apresenta um polissíndeto, que cria um efeito retórico de ênfase em cada uma das ações descritas na frase. Este recurso pode também ser considerado um caso especial de anáfora (estilística), tal como se refere no E-dicionário de termos literários.
Podemos também considerar que a frase evidencia um caso de anáfora, que contribui para a coesão referencial, na medida em que todas as formas verbais apresentam um sujeito nulo, ou seja, um caso de sujeito não verbalizado (e que se recupera pelo contexto anterior a esse enunciado). Cada manifestação de sujeito nulo retoma o referente do sujeito anterior, criando, deste modo, uma rede referencial que contribui para a coesão do texto.
Disponha sempre!
Consideremos a frase: «Nós nos aliamos a ele desconfiados.»
A função sintática do termo nos é objeto direto ou objeto indireto? Ou o termo nos não desempenha função sintática, sendo uma parte integrante do verbo?
Obrigado.
Neste caso, o pronome nos corresponde a um clítico inerente, pelo que não desempenha uma função sintática.
O verbo aliar pode ser usado pronominalmente sem qualquer complemento, como em (1):
(1) «Os dois países aliaram-se.»
Este verbo também pode ter como argumento um complemento indireto, o que se exemplifica em (2):
(2) «A empresa aliou-se a um grupo económico.»
Neste caso, o constituinte «a um grupo económico» desempenha a função de complemento indireto. Para verificarmos se o pronome se é inerente, analisamos a possibilidade de redobro do clítico:
(2a) «*A empresa aliou-se a si própria a um grupo económico.»
A frase demonstra a impossibilidade de inclusão do redobro do clítico, o que permite concluir que se é um clítico inerente. Estas são «formas do pronome reflexo que não estão associadas a qualquer posição argumental ou de adjunto e em que o clítico não pode ser interpretado como uma partícula destransitivizadora.»1
A mesma situação ocorre na frase apresentada pelo consulente, transcrita em (3), na qual «a ele» desempenha a função de complemento indireto e nos é um clítico inerente, sem qualquer função sintática.
(3) «Nós nos aliamos a ele desconfiados.»
Disponha sempre!
* assinala a inaceitabilidade da frase.
1. Mateus et al., ...
Na oração «a lida, o sonho, a morte e a alegria é tudo o que se colhe na existência», qual é o sujeito e predicativo?
O correto não seria «a lida, o sonho, a morte e a alegria SÃO tudo o que se colhe na existência»?
Obrigado.
As duas possibilidades são aceitáveis, embora a opção pelo singular seja preferencial.
Na frase apresentada coloca-se, antes de mais, a questão de identificar o sujeito. Estamos perante uma frase copulativa que poderá ser apresentada na ordem canónica (SUJEITO + SER + PREDICATIVO DO SUJEITO) ou na ordem inversa (PREDICATIVO DO SUJEITO + SER + SUJEITO)1.
Para identificarmos o sujeito, podemos aplicar o teste do redobro do sujeito. Neste teste, o pronome retoma o sujeito da frase canónica:
(1) «A lida, o sonho, a morte e a alegria, elas são tudo o que se colhe na existência.»
(2) «?Tudo o que se colhe na existência, ele/isto é a lida, o sonho, a morte e a alegria.»
A estranheza da frase (2) indica que o sujeito da frase copulativa será «A lida, o sonho, a morte e a alegria», sendo o constituinte «tudo o que se colhe na existência» predicativo do sujeito. Neste caso, o normal seria que o verbo concordasse com o sujeito, que, incluindo uma enumeração, desencadeia uma concordância plural:
(3) «A lida, o sonho, a morte e a alegria são tudo o que se colhe na existência.»
Não obstante, o verbo ser poderá também surgir na 3.ª pessoa do singular, como se apresenta em (4):
(4) «A lida, o sonho, a morte e a alegria é tudo o que se colhe na existência.»
Esta opção é justificada por Cunha e Cintra: «Quando os sujeitos são resumidos por um pronome indefinido (como tudo, nada, ninguém), o verbo fica no singular, em concordância com esse pronome1»
Pelo que ficou exposto, a opção pelo singular será a preferencial.
Disponha sempre!
...
É correto empregar «Vem mais eu», em vez de «Vem comigo»?
Obrigado.
A opção preferível é «Vem comigo.»
O verbo vir rege várias preposições. Entre elas encontra-se a preposição com, usada para expressar, entre outros, o valor de companhia.
Deste modo, quando a preposição com se conjuga com o pronome eu, assume a forma comigo, o que justifica a estrutura «vem comigo».
Em contextos informais e familiares, usa-se, por vezes, a construção «vem mais eu», que não é uma opção considerada normativa. Nela opta-se por fazer incidir o advérbio mais, com valor de inclusão, sobre o pronome eu para construir o valor de companhia.
Disponha sempre!
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