Carla Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Marques
Carla Marques
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Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do  estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Qual destas sequências, se alguma, está correta?

«Uma colcha branca de algodão, com cheiro a lavado», ou «uma colcha branca de algodão, com cheiro a lavada»?

Bem hajam! 

Resposta:

A opção pela forma masculina ou feminina de lavado ficará dependente da intenção que se associar à sequência frásica.

Assim, poder-se-á considerar que na sequência apresentada existe uma elipse:

(1) «uma colcha branca de algodão, com cheiro a [colcha] lavada»

Neste caso, lavada concorda em género e número com o nome colcha, que determina. Pretender-se-á com esta opção colocar o enfoque na limpeza da própria colcha.

Por outro lado, poder-se-á optar pela forma masculina lavado:

(2) «uma colcha branca de algodão, com cheiro a lavado»

Neste caso, o constituinte «cheiro a lavado» deve ser interpretado no mesmo plano que se interpretariam constituintes como «cheiro a flores» ou «cheiro a mar». Trata-se de um constituinte formado pelo nome cheiro acompanhado pelo grupo preposicional «a lavado», na qual lavado funciona como um nome comum com o sentido de “o que se lavou”. Nesta opção, a tónica coloca-se mais no cheiro que se associa à colcha.

O efeito que resulta da opção pelo masculino ou pelo feminino é, no entanto, muito pouco marcado, pelo que será a sensibilidade do locutor a determinar a forma que é para ele mais aceitável.

Disponha sempre!

Um ano em palavras
As pesquisas no dicionário Priberam em 2020

O dicionário Priberam divulgou, no início de 2021, as palavras mais pesquisadas ao longo de 2020, no seu espaço em linha. A professora Carla Marques reflete sobre o significado desta listagem de palavras. 

Pergunta:

No que concerne ao valor aspetual, surgiu-me uma questão.

Se considerarmos a frase «Ele leu um livro», estamos perante um evento durativo ou não durativo?

Neste âmbito, o segmento em apreço suscitou-me a seguinte pergunta: um ato perfetivo é necessariamente não durativo? Ou pode ser durativo?

Agradecido pela preciosa ajuda!

Resposta:

Na frase em apreço, está presente o valor durativo.

O valor durativo integra o aspeto gramatical de um verbo e descreve uma situação / evento que tem duração interna. Tem duração interna uma situação que não é pontual, ou seja, cuja concretização se estende no tempo. Em (1), temos um exemplo de uma situação pontual:

(1) «O João espirrou.»

Uma situação durativa é normalmente faseável, ou seja, pode ser perspetivada em diferentes fases:

(i) fase inicial

     (2) «Ele começou a ler um livro.»

(ii) fase de evolução da situação

     (3) «Ele está a ler um livro.»

(iii) fase de culminação da ação

    (4) «Ele acabou de ler um livro.»

(iv) fase do resultado final da situação

    (5) «Ele já terminou de ler o livro.»

Assim, o verbo ler é um evento durativo enquanto espirrar é pontual.

Esta explicação permite concluir que o valor perfetivo tanto se pode associar a um valor durativo como a um pontual.

Disponha sempre!

Pergunta:

Examine-se a seguinte frase:

«O sucesso financeiro envolve não só uma inteligência prática, senão uma alta capacidade de controle emocional.»

Pode-se dizer que a conjunção senão tem um valor aditivo? Poderia ser substituída por como?

Obrigado.

Resposta:

Senão surge na frase apresentada como um elemento de uma locução conjuncional coordenativa correlativa. Trata-se de um conector formado por vários elementos que estabelece entre os membros coordenados uma relação de interdependência, que envolve também uma noção de adição.

Neste tipo de construção senão é equivalente a «como também» ou a «mas também».

Disponha sempre!

 

N.A. (20/01/2021) – Relativamente a esta resposta, escreve-nos um consulente – Markus Dienel, Giessen, Alemanha – o seguinte: «Relativamente à pergunta do consulente Fernando Bueno, na vossa resposta com o título «'O uso correlativo de senão como conjuncção», do dia 15 de Janeiro de 2021: na frase que elle apresenta para análise, o «senão» devia sêr usado com «também», isto é: «senão também» ou "senão, também,» («também» entre vírgulas), assim como em «como também» ou «mas também»; pois o advérbio «só» exige isso. Assim, ficaria: «Successo financeiro exige NÃO SÓ intelligência, SENÃO TAMBÉM domínio próprio.» «Vencer exige NÃO SÓ intelligência, SENÃO, TAMBÉM, domínio próprio.» Se, porém, disser: «A victória NÃO vem do homem, SENÃO de Deus», então, aqui, sim, o «senão» não vem acompanhado de «também».»

Relativamente ao comentário feito, concordamos com o facto de a conjunção senão, com valor aditivo e sendo correlativa de «não só», poder ser acompanhada, em todas as situações, por também (que poderá surgir entre vírgulas). No entanto, como explica Napoleão Mendes de Almeida, o constituinte também pode ser omiti...

Parabéns, Ciberdúvidas!
24 anos pró-língua portuguesa em toda a sua diversidade geográfica

Um balanço sobre o serviço público, gratuito e universal, prestado pelo Ciberdúvidas da Língua portuguesa, no dia do seu  24.º aniversário do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, pela professora Carla Marques.