Carla Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Marques
Carla Marques
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Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do  estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

No verso «chegar antes de ti para te ver chegar», do poema "Isto é o amor", de Nuno Júdice, podemos dizer que estamos perante um pleonasmo? Se não, qual o recurso expressivo que poderá estar neste verso?

Obrigada.

Resposta:

Não creio que se possa considerar que estamos em presença de um pleonasmo no verso «chegar antes de ti para te ver chegar», do poema "Isto é o amor", de Nuno Júdice, porque o pleonasmo corresponde à repetição ou ao reforço da mesma ideia (cf. E-Dicionário de Termos Literários), o que não acontece nesta sequência.

Julgo que poderíamos considerar a presença do paralelismo semântico, centrado no verbo chegar, cuja agentividade se atribui ora ao sujeito lírico ora ao interlocutor. Por outro lado, neste excerto também se poderá, eventualmente, identificar um quiasmo, que joga com a inversão da ordem das palavras  entre o verbo chegar e o pronome te/ti, dispondo-os de forma cruzada, o que permite ao sujeito lírico jogar com a identificação do agente da situação, explorando os efeitos daí resultantes.

Disponha sempre!

Pergunta:

O que distingue os termos participante e participada?

Por exemplo, para utilização de qualificação de processos de participação: «processos participativos», «participados» ou «participantes»?

Vi em uma das Respostas que consideram sinónimos os termos participativo e participante.

Muito obrigada desde já pela atenção a esta mensagem.

Resposta:

As diferentes palavras apresentadas têm significados distintos, embora mantenham zonas de significação de proximidade, pelo que, nalguns casos, pode existir mesmo sobreposição da significação, o que levará a que sejam usadas indistintamente (cf. aqui e aqui). Assim,

      Participante é um adjetivo que designa um agente com o sentido de «que ou aquele que participa; que ou aquele que tem participação ativa»1, com utilizações como em (1):

       (1) «Os alunos participantes no concurso devem dar início às atividades.»

     Participativo é um adjetivo que tem o sentido de «que se refere a participação; que se caracteriza por ou propicia a participação»1, usado em situações como (2):

        (2) «movimento participativo» (

Pergunta:

Em frases como «Joana não gosta de sair com as filhas muito enfeitadas», «Nunca fica em casa com o marido bêbado», «Prefiro assistir ao filme com minha namorada atenta», qual poderia ser a classificação sintática de «muito enfeitadas», «bêbado» e «atenta»?

Obrigado.

Resposta:

As construções apresentadas são muito curiosas porque nelas está presente uma relação entre um sujeito semântico e um predicado sem que exista a mediação de um verbo copulativo1. Assim, os constituintes «as filhas», «o marido», «minha namorada» funcionam como sujeito semântico (e não gramatical, note-se), na medida em constituem a entidade sobre a qual o predicado faz um comentário, «muito enfeitadas», «bêbado» e «atenta», respetivamente. Os constituintes nos quais está presente esta relação são, deste modo, equivalentes aos que se apresentam de seguida:

(1) «as filhas estão muito enfeitadas»

(2) «o marido está bêbado»

(3) «a minha namorada está atenta»

Estamos, assim, em presença de uma predicação secundária, uma vez que a predicação principal se associa em cada frase ao verbo nuclear gostar, ficar ou preferir. Note-se que as predicações secundárias se caracterizam por não serem mediadas por um verbo copulativo, como se disse anteriormente.

A situação descrita tem lugar com sintagmas introduzidos pela preposição com, tal como se dá conta na Gramática do Português: «Outro contexto não oracional em que pode ocorrer uma predicação de base adjetival ou nominal sem verbo copulativo é como complemento da preposição com, num sintagma preposicional com a função de adjunto adverbial e que significa algo como ‘dada a situação x’ ou ‘por causa da situação x’»2.

Embora não tenhamos identificado uma proposta de classificação sintática para os constituintes predica...

A nova bazuca europeia
Da forma ao conteúdo

Da bazuca, conhecido plano de recuperação da União Europeia, até à bazuca, arma de guerra ou instrumento de música, esta é a viagem proposta pela professora Carla Marques na sua crónica emitida no programa Páginas de Português do dia 17 de março, na Antena 2

 

Pergunta:

«O jovem cantor espanhol, de 18 anos, já interpretou este tema no passado e há de interpretá-lo muitas vezes no futuro.»

Como classificariam os pares «jovem» / «18 anos», «interpretou» / «no passado» e «há-de interpretá-lo» / «no futuro»?

Pleonasmos? Redundâncias? Ou...?

Obrigado.

Resposta:

O pleonasmo é um tipo particular de redundância, como se afirma no E-dicionário de termos literários: «Figura de estilo utilizada sempre que se tenha por objectivo reforçar uma ideia, repetindo-a, causando um efeito de eco semântico – a própria etimologia do termo (de origem grega) remete para o enfático: «ser ou ter mais do que o suficiente». O pleonasmo torna-se, portanto, uma redundância (emprego de uma ou várias palavras que repetem uma ideia já contida em vocábulos anteriores)».

Partindo deste conceito, é possível identificar nos pares apresentados pelo consulente uma relação pleonástica, na medida em que se repete a mesma ideia por meio de outras palavras. Não estamos, no entanto, perante um pleonasmo vicioso, que deveria, portanto, ser evitado. Em cada uma das situações apresentadas, a repetição da ideia associa-se a uma clarificação da sua significação. Assim, o constituinte «18 anos» precisa o intervalo de idade a que se refere o adjetivo «jovem»; «no passado» e «no futuro» remetem para uma temporalidade indefinida, associada ora à anterioridade ora à futuridade, sem que haja lugar à indicação de um intervalo de tempo preciso.

Assim todas as expressões, embora pleonásticas, trazem, à partida, informação nova à frase, pelo que contribuem para a sua informatividade.

Disponha sempre!