Carla Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Marques
Carla Marques
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Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do  estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Na frase «Ele comeu tanto que ficou maldisposto», a oração subordinada é introduzida pela conjunção subordinativa consecutiva. Ou considera-se «tanto...que» uma locução conjuncional subordinativa consecutiva?

Resposta:

oração subordinada adverbial consecutiva é introduzida pela conjunção que.

Considera-se, num plano de análise que não é desenvolvido no ensino não universitário, que a oração consecutiva é selecionada por um operador como tanto, tamanho, tão ou tal. Este operador seleciona uma oração consecutiva introduzida por  que para exprimir uma construção de grau1, como acontece na frase apresentada pela consulente, na qual o grau elevado associado à situação descrita como «comer» tem uma consequência: a má disposição.

Disponha sempre!

 

1. Para aprofundar esta questão, pode consultar-se Raposo et al., Gramática do Português. Fundação Calouste Gulbenkian, pp. 2168-2173.

Pergunta:

Gostaria de saber se é sempre possível substituir o futuro perfeito do conjuntivo pelo futuro simples do conjuntivo.

Caso não seja, poderiam por favor apresentar um exemplo?

Muito obrigada.

Resposta:

De uma forma geral, estes tempos do conjuntivo sobrepõem-se a nível dos usos.

Com efeito, tanto o futuro simples do conjuntivo como o futuro composto (perfeito) do conjuntivo podem ocorrer em orações subordinadas relativas, adverbiais temporais e adverbiais condicionais.

Em muitas situações, o uso de um ou outro tempo é indistinto, na medida em que ambos têm a capacidade de marcar o tempo futuro relativamente ao momento da enunciação:

(1) «Quando terminarem o trabalho, venham ter connosco.»

(2) «Quando tiverem terminado o trabalho, venham ter connosco.»

É possível, não obstante, assinalar situações particulares que poderão ser expressas preferencialmente por um ou outro tempo. Assim, o futuro simples do conjuntivo, em situações muito específicas, pode sobrepor-se ao momento de enunciação:

(3) «Os alunos que estiverem constipados não vêm à aula amanhã.»

Note-se, todavia, que a interpretação do valor temporal como sobreposto ao momento da enunciação fica muito dependente do contexto.

O futuro composto do conjuntivo pode marcar um tempo passado relativamente ao momento da enunciação:

(4) «Os alunos que tiverem lido este livro vão apresentá-lo na aula.»

A frase (4) permite uma interpretação de ação concluída num momento anterior ao do da enunciação.

Em termos aspetuais ainda, o futuro composto do conjuntivo apresenta a situação como estando completa antes de outra ocorrer:

(5) «Quando tiver lido o livro, devolvo-to.»

Na frase (5), o futuro composto do conjuntivo permite a leitura de anterioridade da situação «ler o livro» face à situação «devolver o livro» e ainda sinaliza que a segunda situação só terá lugar depois de a primeira estar...

Pergunta:

Ao ler matéria em revista de grande circulação, deparei com a palavra , mas fiquei com muita dúvida quanto ao seu sentido e sua classificação, morfológica ou gramatical neste contexto:

«Durante a entrevista à imprensa, ao lado de outros ministros, como Eduardo Pazuello (Saúde) e Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional), Bolsonaro se irritou com a pergunta de um jornalista sobre como ele havia recebido a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) na terça-feira, 23, que anulou as quebras de sigilo bancários envolvendo o seu filho, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) no processo que investiga a prática de rachadinha (desvio de verba de servidores do gabinete) quando ele era deputado estadual. Bolsonaro, mostrando-se bastante irritado, encerrou o evento. “Acabou a entrevista aí”, disse, deixando o recinto junto os ministros e outras autoridades que o acompanhavam na visita» (Camila Nascimento, Política,Veja, 24/02/2021).

Resposta:

O advérbio  é, na sua origem, um advérbio com valor espacial, que contribui para a localização no espaço de uma determinada entidade. Não obstante, por extensão, este advérbio pode adquirir um sentido temporal.

É este fenómeno de derivação de sentido que ocorre na frase apresentada pelo consulente, na qual o advérbio é usado com um valor temporal equivalente a «naquele momento».

Disponha sempre!

Pergunta:

Na frase «olhei para o mar e senti-me revigorado», a que subclasse pertence o verbo sentir?

Uma vez que pode ser substituído por «fiquei revigorado», posso considerá-lo copulativo ou estamos na presença de um transitivo-copulativo?

Resposta:

O verbo sentir-se é um verbo principal.

Não poderemos considerar sentir-se um verbo copulativo uma vez que uma das características definitórias destes verbos se prende com o facto de não selecionarem sujeito, ou seja, estes verbos aceitam qualquer tipo de sujeito1, porque não têm poder de seleção semântica.. No caso do verbo sentir-se, fica claro pela inaceitabilidade da frase (1) que ele procede à seleção de sujeito:

(1) «*A situação económica sentiu-se cansada.»

A anomalia semântica patente em (1) mostra que o verbo sentir-se seleciona um sujeito que semanticamente possua o traço [±humano], pelo que não pode ser considerado copulativo, embora revele alguns traços que o aproximam semanticamente dos verbos copulativos, como a capacidade de se combinar com adjetivos, que predicam sobre o sujeito. Por essa razão, também se considera que o verbo sentir-se  seleciona um constituinte com a função de predicativo do sujeito, tal como afirma Raposo: «Os verbos plenos que selecionam um predicativo do sujeito secundário são em pequeno número; entre eles incluem-se passar (por), dar-se (por), sentir-se e viver. Os dois primeiros subcategorizam a preposição por; o segundo e o t...

O direito à eutanásia
Da eutanásia grega ao conceito atual

Uma reflexão sobre a palavra e o significado de eutanásia é o tema da crónica do professora Carla Marques.

 

Crónica da autora , emitida no programa Páginas de Português do dia 28 de fevereiro, na Antena 2