Carla Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Marques
Carla Marques
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Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do  estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

A locução conjuntiva «assim como» introduz somente orações comparativas ou pode também servir como coordenada aditiva?

Havendo ambas possibilidades, como estabelecer a diferença entre elas?

Agradeço desde já.

Resposta:

Com efeito, é possível considerar que a locução assim como pode expressar um valor de nexo comparativo ou de adição.

As gramáticas ditas mais tradicionais incluem assim como entre as locuções introdutoras de oração comparativa. É o caso da Moderna Gramática Portuguesa, de Evanildo Bechara, que apresenta o seguinte exemplo:

(1) «O jogo, assim como o fogo, consome em poucas horas o trabalho de muitos anos” [MM]»1

Não obstante, outras perspetivas, como a que está patente na Gramática do Português, coordenada por Eduardo Raposo, sustentam que construções desta natureza não correspondem a construções comparativas típicas, que envolvem uma comparação de grau. Defendem, assim, que «Um […] tipo de construção classificada como “comparativa” por gramáticas tradicionais, mas que se distingue das construções comparativas de grau, é ilustrada pelas frases de (67), que são estruturas de coordenação, equivalentes a (68):

(67) a. Tanto o Paulo como a Ana mostraram interesse pela proposta.

        b. A Sara tanto domina o francês como o inglês.

(68) a. O Paulo mostrou interesse pela proposta e a Ana também.

        b. A Sara domina o francês e domina o inglês.» (p. 2159)

Pelo que ficou exposto, parece claro que a locução assim como poderá ser usada nas mesmas situações apresentadas nos exemplos anteriores, assegurando uma conexão...

Pergunta:

Qual é o uso correto na seguinte frase:

«A DGS apelou para a tranquilidade das pessoas que tomaram a vacina», ou «A DGS apelou à tranquilidade das pessoas...»?

Ou, melhor ainda, deveria ser «A DGS apelou às pessoas que tomaram a vacina para se manterem tranquilas»? Parece que há uma fixação com o uso obrigatório do «apelar para», o que nem sempre está correto, certo?

Muito obrigada.

Resposta:

O verbo apelar é alvo de inúmeras controvérsias relacionadas com as preposições que pode reger (como se pode observar nesta resposta).

Pode ser usado com o sentido de «pedir ajuda ou auxílio de alguém para ultrapassar alguma dificuldade. RECORRER A»1.

(1) «Em ocasião de crise é necessário apelar para o esforço de toda a população.»2

Neste uso, segundo o Dicionário Prático de Regência Verbal, de Celso Luft, o verbo apelar pode reger tanto a preposição para como a preposição a, como se observa pelos exemplos apresentados pelo autor:

(2) «apelar para os amigos»

(3) «apelar a Deus»

Assim sendo, e pegando nas frases apresentadas pela consulente, se buscarmos uma expressão rigorosa, a forma preferível será:

(4) «A DGS apela para / às pessoas que tomaram a vacina para que mantenham a tranquilidade.»

No entanto, se atentarmos na frase que se apresenta em (1) e que corresponde a (5):

(5) «É necessário apelar a/para toda a população para que se esforce.»

veremos que é possível converter a construção «população para que se esforce» num constituinte nominal que passa a ser argumento do verbo: «o esforço de toda a população». Deste modo, concluímos que a mesma operação de nominalização é possível na frase (4), o que permit...

Pergunta:

Existe alguma gradação de ênfase no uso de parênteses ou travessões no interior de uma frase? Por exemplo:

«Cada cartaz aborda um tipo de flores – a seleção levou em conta a ocorrência e a beleza delas, como as rosas, as margaridas, os crisântemos, as orquídeas – ou outros aspectos como período da floração e formas de polinização.»

Se fossem usados parênteses, seria indiferente?

Agradeço desde já.

Resposta:

As gramáticas consultadas não referem uma hierarquia entre estes sinais de pontuação, assinalam, sim, situações em que estes podem ser usados em alternativa. Assim, segundo, por exemplo, Evanildo Bechara1, pode usar-se vírgula, travessão ou parênteses a delimitar

(i) o aposto (modificador do nome apositivo)

     (1) «O grupo, rapazes e raparigas, chegou.»

     (2) «O grupo  ̶  rapazes e raparigas  ̶  chegou.»

     (3) «O grupo (rapazes e raparigas) chegou.»

(ii) orações ou expressões intercaladas

     (4) «O grupo, perdoem-me a franqueza, era muito fraco.»

     (5) «O grupo  ̶  perdoem-me a franqueza  ̶  era muito fraco.»

   &...

Pergunta:

Nas frases seguintes, qual a função sintática de coitado?

1. Coitado, ele continua muito doente.

2. Ele continua muito doente, coitado.

3. Ele, coitado, continua muito doente.

Obrigado.

Resposta:

O adjetivo coitado tem, nas frases apresentadas, a função de modificador do nome apositivo.

O adjetivo coitado é um adjetivo avaliativo, na medida em que «expressa[m] uma avaliação subjetiva, geralmente da responsabilidade do falante, acerca das entidades referidas pelo sintagma nominal» (Veloso e Raposo in Raposo et al., Gramática do Português. Fundação Calouste Gulbenkian, p. 1387).

Os adjetivos avaliativos não possuem a capacidade de restringir a significação do nome sobre o qual incidem, pelo que não desempenham a função de modificador do nome restritivo. Assim, uma vez que introduzem na frase um comentário sobre uma dada entidade, desempenham a função de modificador do nome apositivo. Os constituintes que desempenham esta função são dotados de uma maior independência prosódica e sintática, como fica patente no facto de serem destacados por vírgula e pela maior mobilidade que evidenciam. Vejam-se o exemplo apresentado em (1) que coloca em evidência as possibilidades de colocação do adjetivo orgulhosa na frase:

(1) «A rapariga, orgulhosa, foi para casa.»

(1a) «Orgulhosa, a rapariga foi para casa.»

(1b) «A rapariga foi para casa, orgulhosa.»

Esta é uma situação similar à que está presente nas frases apresentadas, pelo que a função de coitado é a de modificador do nome apositivo.

Disponha sempre!

Pergunta:

Para além do valor temporal, locativo e modal, que outros valores pode apresentar o modificador do grupo verbal?

Agradeço desde já a vossa ajuda.

Resposta:

Com efeito, os modificadores do grupo verbal assumem tipicamente os três valores indicados, temporal, locativo ou modal:

(i) valor temporal

     (1) «Eu li o livro ontem

(ii) valor locativo

    (2) «Ele leu o livro na varanda

(iii) valor modal

     (3) «Ele leu o livro calmamente

Não obstante, valores como os que se apresentam de seguida poderão também ser associados ao modificador do grupo verbal:

(iv) valor de finalidade

     (4) «Ele leu o livro para preparar uma apresentação

(v) valor causal

    (5) «Ele leu o livro porque a professora sugeriu

(vi) valor de instrumento

    (6) «Ele destacou passagens do livro com um marcador

(vii) valor de condição

    (7) «Ele deixará de ler o livro se lhe telefonares

Disponha sempre!