Carla Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Marques
Carla Marques
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Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do  estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Gostaria de tirar uma dúvida: «subir à Torre Eiffel» ou «subir a Torre Eiffel» – qual é a forma correcta? Ou são as duas?

Muito obrigada.

Resposta:

De acordo com os dicionários consultados, ambas as opções são aceitáveis, embora o seu significado possa ser distinto.

Assim, o verbo subir pode ter um uso transitivo direto no qual se constrói com complemento direto, sem recurso a qualquer preposição. Com este uso, podemos encontrar frases em que o verbo é usado com o significado de «percorrer de baixo para cima»1, como em:

(1) «Ele subiu a montanha.»

O verbo pode ter também um uso transito indireto, no qual rege a preposição a ou a preposição para. Estas preposições salientam o movimento associado ao verbo e ajudam a colocar a tónica na conclusão do processo. Com esta construção, o verbo poderá expressar o sentido de «assomar a um lugar proeminente ou sobranceiro»1:

(2) «Ele subiu ao telhado com uma escada.»

(3) «Ele subiu ao palco.»

No caso das frases apresentadas pela consulente, é possível a frase (4), que poderá, por exemplo, salientar o processo de subir, ou a frase (5), que poderá realçar o resultado da ação de subir:

(4) «Ele subiu a Torre Eiffel.»

(5) «Ele subiu à Torre Eiffel.»

Disponha sempre!

 

1. Cf. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa.

Pergunta:

A estrutura «afigura-se pertinente/imperativo/...» está correta?

Ex: «Neste âmbito, afigura-se pertinente mencionar que a hipálage revela o espaço psicológico de Batola.»

Agradecido.

Resposta:

A construção é aceitável.

De acordo com o Dicionário Priberam, o verbo afigurar com uso pronominal equivale a «mostrar-se na figura de; parecer». Assim, com este sentido, o verbo pode construir-se com adjetivo, como em

(1) «A comunicação afigura-se pertinente.»

(2) «Afigura-se imperativo vires falar comigo.»

Uma pesquisa no Corpus do Português, de Mark Davies mostra que este tipo de construção tem uma frequência relevante de usos, em situações semelhantes às que se apresentam a título de exemplo:

(3) «A situação dos “militares” afigura-se mais premente em relação às últimas edições da Liga africana […]» (in Sapo Desporto)

(4) «A julgar pela reação dos partidos, a ideia afigura-se absurda.» (in "A infantilização do voto" (jn.pt) )

(5) «[…] afigura-se lógica e desejável a evolução do ARTIS para o formato de Bienal […]» (in "Festival de Artes de Seia passa a Bienal no próximo ano" (dn.pt) )

Disponha sempre!

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Pergunta:

Na expressão cada um, qual a classificação de um?

Resposta:

A locução «cada um» é composta por um pronome indefinido adjetivo1 (cada) e por um pronome indefinido (um)2.

No entanto, esta locução deve ser classificada no seu conjunto, uma vez que ela apresenta já um elevado grau de cristalização (apenas permitindo variação no feminino). É possível identificar diferentes propostas de classificação desta locução. João Peres, na Gramática do Português, classifica-a como operador distributivo3, sendo uma estrutura que contribui para a leitura distributiva do referente considerado na frase. Evanildo Bechara, por seu turno, na Moderna Gramática Portuguesa, classifica-a como locução pronominal indefinida4.  (p. 143)

Disponha sempre!

 

1. Cf. Evanildo Bechara, Moderna Gramática Portuguesa. Ed. Lucerna, p. 142.

2. Idem, Ibid.

3. cf. Raposo et al. Gramática do Português. Fundação Calouste Gulbenkian, p. 808

4. Cf. Evanildo Bechara, Idib., p. 143.