Carla Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Marques
Carla Marques
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Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do  estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

«Quando aqui cheguei»/«quando cheguei aqui»; «tem aqui frutas»?/«tem frutas aqui»?

Quais destas frases são recomendadas em português europeu? E por que isso ocorre?

Vi as primeiras frases de cada exemplo sendo empregadas por alguns portugueses.

Resposta:

As frases apresentadas estão todas igualmente corretas.

Explica a gramática que a língua portuguesa tem uma ordem canónica, que se designa SVO (substantivo-verbo-objeto), de acordo com qual se coloca, por defeito, o sujeito à cabeça da frase, sendo seguido do verbo e depois dos complementos do verbo. No final, colocam-se os modificadores do verbo.

No entanto, os constituintes da frase têm, em português, um leque diversificado de possibilidades de colocação. A colocação destes constituintes na frase está muitas vezes relacionada com questões de ordem pragmática. Frequentemente, coloca-se no espaço inicial da frase os elementos aos quais se pretende dar um maior destaque. Na oralidade, a própria entoação colocará maior força nestes elementos, contribuindo assim para o seu realce.

Assim, o contraste entre as orações (1) e (2) pode ficar a dever-se à intenção pragmática de colocar o foco no local onde decorre a situação, como acontece em (2), ao passo (1) está marcado por uma maior neutralidade:

(1) «Quando cheguei aqui […]»

(2) «Quando aqui cheguei […]»

Situação semelhante poderá estar presente nas restantes frases apresentadas pelo consulente.

Disponha sempre!

Pergunta:

É possível dizer «vivo aqui por mais de cinco anos» enquanto sinónimo de «vivo aqui há mais de cinco anos»? Sei que é correcto dizer «vivi aqui por mais de 5 anos», mas não estou certa se posso aplicar «por mais de» a frases no presente.

Obrigada.

Resposta:

Com o verbo flexionado no presente do indicativo, a frase apresentada não é aceitável.

A locução «por mais de» é muito frequente com verbos que regem a preposição por e que têm na sua semântica um valor de duração, como acontece com o verbo prolongar:

(1) «O filme prolongou-se por mais de duas horas.»

Esta locução pode exprimir uma quantificação indefinida (2) ou duração temporal indefinida (3):

(2) «Ele foi recebido por mais de vinte pessoas.»

(3) «Faltou a luz por mais de uma hora.»

A sua construção é possível com verbos locativos, i.e., que indiquem lugar, como acontece em (4) e (5):

(4) «Morei/Morarei aqui por mais de cinco anos.»

(5) «Vivi/Viverei aqui por mais de cinco anos.»

Estes verbos poderão estar flexionados em tempos que permitem uma delimitação temporal do início ou do fim da situação descrita. Por essa razão as frases (4) e (5) são aceitáveis com os verbos no pretérito perfeito (delimita o fim da situação) ou no futuro do indicativo (delimita o início da situação).

Todavia, a opção pelo pretérito imperfeito do indicativo ou pelo presente do indicativo já não é aceitável:

(6) «*Morava/Moro aqui por mais de cinco anos.»

(7) «*Vivia/Vivo aqui por mais de cinco anos.»

O recurso ao presente do indicativo em frases que descrevem eventos permite perspetivar a situação como algo que continua durante o tempo da enunciação e que se mantém depois dele, por um período mais ou menos prolongado. Já o pretérito imperfeito atribui um valor de duração às situações, mas, sem um tempo de referência, não consegue delimitá-las. Por estas ...

Pergunta:

Em «com animais que falam e têm sentimentos e comportamentos como os dos humanos», os é um pronome pessoal ou demonstrativo?

Resposta:

A análise da natureza da palavra os está dependente do quadro teórico em que é feita.

Assim, no âmbito da gramática tradicional, o, a, os, as é considerado um pronome demonstrativo que, de acordo com Cunha e Cintra, se usa nos seguintes casos: «quando vem determinado por uma oração ou, mais raramente, por uma expressão adjectiva, e tem o significado de aquele(s), aquela(s), aquilo»1. Os autores apresentam como exemplo frases como:

(1) «O homem que ri, liberta-se. O que faz rir, esconde-se.» (Aníbal M. Machado, Cadernos de João, 228)

(2) «Ingrata para os da terra, / boa para os que não são.» (Carlos Pena Filho, Livro Geral, 120)

Perspetivas gramaticais mais recentes têm considerado que situações como as que estão presentes na frase em análise constituem casos de elipse nominal, que corresponde a uma situação na qual se identificam «construções que envolvem a omissão do nome que funciona como núcleo do sintagma nominal»2. Acrescenta-se ainda nesta proposta de análise que «os determinantes ou os quantificadores que funcionam como especificador único de um nome não podem ser omitidos na elipse nominal3. Desta forma e neste quadro, o é considerado um determinante artigo definido.

Coloca-se, noutro plano, o problema de determinar qual a perspetiva a adotar em contexto escolar não universitário. Rel...

Pergunta:

Gostava que me ajudassem a entender as diferenças entre aviso, comunicado e anúncio.

Obrigada

Resposta:

Nalguns contextos, sobretudo de maior informalidade, os três termos podem ser usados como equivalentes. Não obstante, poderão, em termos particulares, as palavras referir sentidos como1:

Aviso – documento que dá a conhecer uma situação; regra a seguir;

Comunicado - Comunicação emanada, geralmente de instâncias superiores, com um caráter oficial, destinado a conhecimento geral;

Anúncio – texto publicitário; participação de algo que aconteceu; texto apresentado numa revista para oferecer ou pedir algo (emprego, por exemplo); em contexto jurídico, texto destinado a tornar público um determinado ato.

Disponha sempre!

 

1. Fontes: Dicionário da Língua Portuguesa ContemporâneaDicionário Houaiss da Língua Portuguesa

Pergunta:

Estou a tentar encontrar uma explicação para a utilização do futuro subjuntivo em situações em que o evento não é provável.

Da minha pesquisa, a maioria dos locais que procurei têm uma definição semelhante a esta: «O futuro subjuntivo é utilizado para casos: acções que são prováveis, mas que ainda não ocorreram.»

Mas depois é aceitável numa frase como: «Se eu ganhar uma lotaria, vou construir uma mansão.»

Ganhar a lotaria não é uma possibilidade provável mas ainda assim o futuro subjuntivo é aceitável aqui. Não será esta uma situação em que, gramaticalmente, só deveríamos ser autorizados a utilizar o "pretérito imperfeito do subjuntivo"? Então eu queria saber até que ponto o futuro subjuntivo está ligado a acontecimentos prováveis?

Muito obrigado pela sua ajuda.

Resposta:

Os valores modais de possibilidade ou de probabilidade não são construídos pelo verbo isoladamente, mas por vários elementos da frase que entram em interação.

Assim, o futuro do conjuntivo (subjuntivo), quando usado em orações subordinadas, marca geralmente um intervalo de tempo futuro relativamente ao momento de enunciação.

No caso apresentado, o futuro do conjuntivo é usado numa oração subordinada adverbial condicional. Ora, este tipo de orações pode ser associado a três tipos de interpretação: factual, hipotética ou contrafactual (a este propósito, veja-se esta resposta).

O caso apresentado pelo consulente é uma frase com leitura hipotética, que, no caso das orações condicionais, se constrói com imperfeito ou futuro do conjuntivo na subordinada:

(1) «Se conseguisse terminar o trabalho hoje, seria ótimo.»

(2) «Se conseguires terminar o trabalho hoje, será ótimo.»

Este valor de hipótese significa que a situação descrita poderá ou não vir a ocorrer. É o que ocorre na frase apresentada pelo consulente, aqui transcrita em (3):

(3) «Se eu ganhar uma/a lotaria, vou construir uma mansão.»

A frase condicional tem uma leitura hipotética, a que se acrescenta a conjugação dos verbos da subordinada e da subordinante de onde resulta a expressão de uma modalidade com valor de probabilidade.

Acrescente-se que, em língua, a expressão de uma probabilidade não implica a concretização da situação descr...