Pergunta:
Após ler em vários suportes sobre o aspeto verbal, continuo com algumas dúvidas:
a) quando, por exemplo, se afirma que o aspeto gramatical imperfetivo «apresenta a situação expressa pelo enunciado como ainda em curso e não concluída», por exemplo «O Ricardo pintava uma aguarela» (Aura Figueira, 24 de outubro de 2017, in Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, consultado em 03-10-2021), parece haver uma contradição; pois pela afirmação «a situação está e ainda em curso e não concluída», depreende-se que está em curso no momento da enunciação, isto é, quando o enunciador pronuncia a afirmação, o que, embora o contexto não seja totalmente preciso, não estará correto, pois tudo indica que a ação já terá terminado antes da enunciação;
b) o valor imperfetivo pode combinar-se com outros valores, nomeadamente o habitual e o iterativo? Por exemplo, em «Tenho encontrado gente admirável por todo o lado», temos concomitantemente o valor iterativo e imperfetivo? Seria possível esclarecerem-me? Muito obrigado
Resposta:
A análise de um verbo na frase envolve diferentes planos que interagem entre si.
Assim, se nos situarmos na perspetiva dos valores temporais, sabemos que um verbo flexionado no pretérito imperfeito localiza, por defeito, a situação que descreve num intervalo de tempo anterior ao momento da enunciação.
Quando convocamos a análise aspetual, o objetivo é compreender como é apresentada a estrutura temporal interna da situação que o verbo descreve. É esta perspetiva que nos permite, por exemplo, afirmar que os verbos das frases (1) e (2) têm uma estrutura temporal distinta:
(1) «O João espirrou.»
(2) «O João lê um livro.»
Com efeito, em (1), descreve-se uma situação pontual, que não tem duração interna, enquanto em (2) se descreve uma situação durativa, que tem duração interna. Repare-se que, nesta ótica, não nos estamos a interessar pelo valor temporal, porque não estamos a localizar a situação num dado intervalo de tempo.
Quando convocamos uma análise do aspeto gramatical, estamos a combinar a análise do aspeto lexical com outros elementos da frase, como os tempos verbais, os advérbios, entre outros. Esta perspetiva permite, por exemplo, determinar se uma situação é apresentada como culminada ou não culminada. Este último aspeto é pertinente para a distinção entre o valor imperfetivo e o valor perfetivo. Assim, o valor imperfetivo corresponde àquele em que uma situação é apresentada como não culminada, ou seja, os seus limites temporais não são apresentados. Veja-se a frase (3)
(3) «Os homens pré-históricos deslocavam-se frequentemente.»
A situação descrita na frase (3) é apresentada como não delimitada temporalmente, sendo perspetivada do seu interior. É evidente que um dia a deslocação aí descrita deixou de ter luga...