Carla Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Marques
Carla Marques
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Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do  estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Na frase «Apresentou-me à Maria», o grupo preposicional «à Maria» desempenha a função de complemento indireto ou de complemento oblíquo?

Obrigada

Resposta:

O grupo preposicional «à Maria» desempenha na frase apresentada a função sintática de complemento indireto.

A dificuldade na identificação da função sintática deste constituinte pode estar relacionada com o facto de não ser possível substituir o grupo preposicional pelo pronome lhe, habitualmente usado como teste de identificação da função sintática de complemento indireto. Esta impossibilidade fica a dever-se à presença do pronome me na frase, pois os pronomes me, te, nos e vos, quando pospostos ao verbo e com função de complemento direto são incompatíveis com outros pronomes átonos1, o que impede construções como a que se apresenta em (1):

(1) «*Apresentou-me-lhe.»

Todavia, note-se que estes mesmos pronomes quando têm a função de complemento indireto já se compatibilizam com as formas de pronome pessoal de complemento direto:

(2) «Apresentou-lhe a Maria.» = «Apresentou-lha.»

(3) «Apresentou-me o António.» = «Apresentou-mo.»

Não obstante, para clarificar a análise da frase apresentada pela consulente, é sempre possível substituir o pronome me por um nome, como em (1):

(1) «Apresentou o João à Maria.»

Esta manipulação torna evidente que «o João» tem a função sintática de complemento direto, tendo «à Maria» a função de complemento indireto.

Disponha sempre!

 

*Assinala a agramaticalidade da construção.

1. Cf Cunha e Cintra,

Pergunta:

Considerando o valor do adjetivo ( restritivo ou não restritivo) e a sua posição (pós-nominal ou pré-nominal, respetivamente) como traço distintivo, na frase «Os funcionários, incansáveis, receberam um prémio» qual o valor do adjetivo incansáveis?

Será correto considerar que, apesar da posição pós-nominal, o adjetivo tem valor não restritivo? A situação ocorre quando o adjetivo desempenha a função sintática de modificador apositivo do nome?

Desde já, agradeço a atenção dispensada.

Resposta:

O adjetivo incansáveis tem, na frase apresentada, um valor não restritivo.

Como afirma a consulente, e bem, o valor dos adjetivos, sobretudo dos qualificativos, está dependente da posição que ocupam relativamente ao nome sobre o qual incidem. Assim, um adjetivo em posição pré-nominal tem um valor não restritivo (1) e um adjetivo em posição pós-nominal tem um valor restritivo (2):

(1) «um belo dia»

(2) «Um dia quente»

Todavia, esta descrição só se aplica às situações em que o adjetivo forma um grupo prosódico com o nome. Isto significa que adjetivos que desempenhem a função de modificador do nome apositivo, embora se encontrem em posição pós-nominal, não têm uma leitura restritiva, dada a sua independência sintática. A leitura que veiculam é, antes, não restritiva1.

Por esta razão, na frase apresentada, aqui transcrita em (3), o adjetivo não tem um valor restritivo, mas sim não restritivo:

(3) «Os funcionários, incansáveis, receberam um prémio.»

Disponha sempre!

 

1. Para mais informações, cf. Veloso e Raposo in Raposo et al., Gramática do Português. Fundação Calouste Gulbenkian, pp. 1140-1445.

Pergunta:

Na frase (A), o pronome minha está depois do substantivo barriga, assim, pode-se afirmar que é possível essa colocação?

A - Ele quer encher a barriga minha.

B - Ele quer encher a minha barriga.

Resposta:

Tipicamente, os determinantes possessivos1 são colocados à esquerda do nome. Não obstante, de acordo com Raposo e Miguel, estes «ocorrem geralmente à esquerda do nome quando o sintagma nominal é definido e à direita do nome quando o sintagma nominal é indefinido»2.

Assim, se a afirmação feita tender para a identificação da clara da barriga, o possessivo surgirá antes do nome, mas se a afirmação for feita no contexto de alguma indefinição, será aceitável a posposição do possessivo:

(1) «Ele disse que iria encher essa barriga minha.»

Disponha sempre!

 

1. Note-se que, no quadro da gramática tradicional, os possessivos são determinantes quando acompanham um nome, sendo pronomes quando surgem em lugar do nome.

2. In Raposo et al., Gramática do Português. Fundação Calouste Gulbenkian, pp. 729.

Pergunta:

Como se deve dizer: «Tanto antigamente como modernamente se dizia», ou «se diz»?

Muito obrigado!

Resposta:

A correção das opções apresentadas terá de ser avaliada em função da intenção associada à frase.

Assim, poderemos ter a intenção de referir

(i) um intervalo temporal que tem início num momento passado e que se prolonga até ao momento da enunciação;

(ii) uma situação que se verificou no passado e que ainda se verifica habitualmente no presente, contrastando os dois intervalos de tempo.

Considerando a primeira situação, verificamos, por meio de uma consulta ao Corpus do português de Mike Davies, que, em casos equivalentes, se verifica uma tendência para o uso de pretérito perfeito / imperfeito do indicativo.

Os advérbios antigamente e modernamente representam um intervalo temporal que localiza as situações relativamente ao momento da enunciação: antigamente, num intervalo passado; modernamente, num intervalo que ocorre até a um momento próximo do momento de enunciação (equivalente a «até há pouco tempo»).

Não obstante, neste contexto, o verbo da frase poderá ter tendência a estabelecer uma relação de coesão temporal com o advérbio que estiver mais próximo de si, como se observa nas frases seguintes com ontem e hoje:

(1) «Ontem e hoje, veem televisão.»

(2) «Viram televisão, ontem e hoje.»

Por outro lado, e considerando a segunda possibilidade apresentada acima, antigamente e modernamente, ao estabelecerem uma relação entre si, podem ser apresentados com uma intenção de contrastar os...

Pergunta:

Dos meus estudos, há três usos do pretérito perfeito composto do subjuntivo:

(1) Falar de algo que já foi realizado em relação ao passado ou em relação ao futuro.

Passado: (a) Nós não acreditamos que ela tenha feito isso.

Futuro: (b) Vou dar uma volta e volto às 18h. Espero que você tenha terminado de estudar quando eu chegar.

(2) Falar de uma ação que já terminou no passado.

(a) Fiquei triste que você não tenha ido ao meu aniversário.

(3) Falar de uma ação que não temos certeza se foi realizada.

(a) Espero que você ainda não tenha feito a sobremesa, porque o almoço foi cancelado.

A minha pergunta é se existe uma diferença entre o pretérito perfeito composto do subjuntivo e o pretérito mais-que-perfeito composto do subjuntivo quando se fala do passado em relação ao passado

Resposta:

Os tempos do conjuntivo/subjuntivo são usados sobretudo em orações subordinadas e estabelecem uma relação de dependência com o verbo da subordinante, podendo contribuir para alguma especificidade na interpretação da localização temporal das situações descritas.

O pretérito perfeito composto do conjuntivo/subjuntivo perspetiva a situação como estando concluída. Com verbos volitivos como esperar ou desejar, o pretérito perfeito composto localiza a situação num tempo anterior ao momento de enunciação. Assim, na frase aqui transcrita como (1), a crença é de que o sujeito não tenha feito algo até ao momento em que se apresenta o enunciado:   

(1) «Nós não acreditamos que ela tenha feito isso.»

A mesma relação temporal se estabelece na frase (2):

(2) «Espero que você ainda não tenha feito a sobremesa, porque o almoço foi cancelado.»

Já na frase (3), o pretérito perfeito composto apenas localiza a situação num momento anterior ao momento de enunciação, sem que esteja presente a ideia de um limite temporal:

(3) «Fiquei triste que você não tenha ido ao meu aniversário.

Em (4), a frase inclui um tempo de referência com o qual o pretérito perfeito composto se relaciona. Este é expresso pela oração subordinada temporal «quando eu chegar». Nesta situação é esta oração que introduz o limite temporal para a realização do estudo referido na subordinada completiva. Note-se que, neste, caso, o pretérito perfeito composto refere um tempo futuro relativamente ao mome...