A justificação da incorreção presente na frase «Eles foram abusados sexualmente» dá matéria ao apontamento da professora Carla Marques no programa Páginas de Português, da Antena 2.
Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.
A justificação da incorreção presente na frase «Eles foram abusados sexualmente» dá matéria ao apontamento da professora Carla Marques no programa Páginas de Português, da Antena 2.
Com «creio que» uso tempos simples. Presumo que estou correta quando este é o começo de uma opinião.
Mas, se for o começo de um cenário surreal/irreal, é exigido o uso do conjuntivo?
Por exemplo: «Creio que ouça fantasmas.»
Ou posso ainda neste caso usar o modo indicativo: «Creio que ouço fantasmas»?
Obrigada.
As construções que incluem verbos de crença (achar, acreditar, julgar) na oração subordinante normalmente selecionam o modo indicativo para o verbo da oração subordinada, tal como se exemplifica nas frases seguintes1:
(1) «O João acha que a Rita lhe traz o jornal.»
(2) «O João acredita que a Rita está em casa.»
(3) «O João julga que a Rita vai ao cinema.»
(4) «O João crê que a Rita gosta deste livro.»
Quando a oração subordinante inclui uma negação, o modo conjuntivo é aceitável:
(5) «O João não acha que a Rita lhe traga o jornal.»
De acordo com o que se afirma na Gramática do Português, «há um subgrupo de predicadores de crença que admite quer o conjuntivo quer o indicativo na oração subordinada. É o caso de verbos como acreditar, crer ou imaginar, e de nomes como hipótese, ideia ou suspeita»2.
Assim, são igualmente aceitáveis as frases (2) e (6):
(6) «O João acredita que a Rita esteja em casa.»
A seleção do modo indicativo (está) ou conjuntivo (esteja) está relacionada com a atitude do falante relativamente ao que afirma: na frase (2) apresenta a situação como verdadeira; na frase (6) não se compromete com a veracidade do que afirma.
Deste modo, as frases...
Li na Gramática do Português de autoria de Clara Amorim e Catarina Sousa que o advérbio não pode modificar grupo verbal (1) ou frase (2) e que, neste último caso, «o advérbio não forma unidade sintática com o verbo».
(1) «Não desvies a conversa, Armando.»
(2) «Não quero sorriso de esperança.»
Para ser sincero, não dei por nenhuma diferença no que diz respeito à função sintática de não.
Podem-me clarificar esse assunto?
Obrigado.
Não consigo identificar a passagem da gramática referida onde essa afirmação é feita ou associar os exemplos apresentados à referida análise .
Não obstante, poderemos aqui recordar que a análise do advérbio de negação não normalmente aponta dois aspetos dominantes1:
(i) este advérbio, sendo um marcador de negação frásica, pode incidir sobre o grupo verbal, como acontece em (1)
(1) «O João não fez o trabalho.»
(ii) não pode funcionar como marcador da negação de constituintes, incidindo sobre itens lexicais específicos da frase, o que fica patente em (2), onde não nega apenas o substantivo pão, não tendo escopo sobre os restantes elementos da frase:
(2) «Ele come não pão mas fruta.»
As frases apresentadas pelo consulente correspondem ao primeiro caso aqui descrito.
Disponha sempre!
1. Para mais informações, cf. Mateus et al., Gramática da Língua Portuguesa. pp. 769-793.
Em todas as gramáticas que consultei, as orações substantivas sempre estão depois das principais. Isso é uma regra?
Não posso colocar a subordinada substantiva antes da principal? Li uma resposta do Ciberdúvidas em que se diz que podemos ter as objetivas antes das principais; mas são apenas essas ou todas substantivas?
Na minha visão, podemos ter no mínimo a maioria, já que: conseguimos deslocar os objetos diretos, os indiretos, os sujeitos...
Mas sabemos que apenas a visão de um curioso não conta. Por isso peço ajuda aos Senhores.
Desde já agradeço a atenção.
As orações subordinadas substantivas poderão ser colocadas antes do verbo.
Se se tratar de uma oração subordinada substantiva relativa, ela poderá surgir antes do verbo desempenhando a função sintática de sujeito. Esta é a sua posição mais frequente:
(1) «Quem lê muito tem outro conhecimento do mundo.»
A oração «Quem lê muito» pode, neste contexto ser substituída pelo pronome pessoal ele:
(2) «Ele tem outro conhecimento do mundo.»
Se se tratar de uma oração subordinada substantiva completiva com função de sujeito, ela poderá, nalguns casos, ser colocada antes do verbo, como se verifica em (3):
(3) «Que faça muito frio é algo esperado no inverno.»
Também neste caso é possível substituir a oração por um pronome, neste caso o pronome isto:
(4) «Isto é algo esperado no inverno.»
As orações subordinadas substantivas completivas têm, todavia, tendência a ser colocadas depois do verbo, tal como se verifica em (5):
(5) «É aborrecido que eles tenham faltado.»
Quando a oração subordinada substantiva completiva tem função do complemento direto (é objetiva), esta surge habitualmente depois do verbo. Não obstante, em condições particulares pode ser colocada antes do verbo. O exemplo seguinte é apresentado por Bechara:
Qual é que está correto?
a) «Desculpe o atraso» ou «Desculpe pelo atraso»?
b) «Desculpe o atraso do meu trabalho» ou «Desculpe pelo atraso do meu trabalho»?
Obrigadíssima!
As duas formas estão corretas.
O verbo desculpar admite a construção com complemento direto, como em (1) ou (2):
(1) «Desculpe o atraso.»
(2) «Desculpe o atraso do meu trabalho.»
Desculpar admite também a construção com complemento oblíquo, como em (3) ou (4):
(3) «Desculpe pelo atraso.»
(4) «Desculpe pelo atraso do meu trabalho.»
O verbo desculpar tem uma particularidade: pode ser construído com um complemento direto com natureza humana:
(5) «Desculpe o João pelo atraso.»
Todavia, se se preferir uma construção que envolva um complemento direto e um indireto, o constituinte com natureza humana terá de desempenhar a função de complemento indireto (6), não sendo aceitável que ele funcione com complemento direto1:
(6) «Desculpe o atraso ao João.»
(7) «*Desculpe o João ao atraso.»
Disponha sempre!
*assinala a inaceitabilidade da frase.
1. Para mais informação, leia-se esta resposta de Edite Prada.
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