Neste apontamento, a professora Carla Marques analisa as diferenças entre duas frases: «Aqui compra-se os melhores fatos» ou «Aqui compram-se os melhores fatos».
(Difundido no programa Páginas de Português, da Antena 2)
Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.
Neste apontamento, a professora Carla Marques analisa as diferenças entre duas frases: «Aqui compra-se os melhores fatos» ou «Aqui compram-se os melhores fatos».
(Difundido no programa Páginas de Português, da Antena 2)
Recentemente estive lendo o Dicionário prático de regência verbal de Celso Pedro Luft (um bom livro!).
Lá, deparei-me com um caso curioso: o verbo combater podendo ter dois "objetos indiretos".
O autor diz que o verbo é transitivo indireto e cita as preposições com, contra, por e a locução prepositiva «a favor de»...
Depois disso, observei uma frase:
«Combati contra José pela liberdade.»
Temos, na frase citada, dois objetos? «Pela liberdade» não dá uma ideia de locução adverbial de causa?
Obs.: A frase [em questão] não foi lida no livro, e sim em um artigo; mas, [apoiado] na visão de Luft, julguei dois objetos indiretos.
Desde já agradeço a enorme atenção que os Senhores sempre tiveram.
No Dicionário prático de regência verbal, de Celso Luft, encontramos a informação de que o verbo combater pode reger as preposições com, contra, por ou a locução preposicional «a favor de». Isto não significa que o verbo tenha de se construir com constituintes introduzidos por todas as preposições, exigindo mais do que um complemento. Significa, sim, que o verbo admite complementos introduzidos por diferentes preposições, como se exemplifica em (1) e (2):
(1) «Ele combateu contra os invasores.»
(2) «Ele combateu pela pátria.»
Quando tem lugar uma situação em que o verbo se constrói com dois constituintes, teremos de identificar com qual deles o verbo estabelece uma relação de maior proximidade, para identificar qual deles é o complemento do verbo.
Assim, sem outro contexto que possa abrir caminho a outras interpretações, diremos que, na frase transcrita em (3), o facto de o constituinte «contra José» estar mais próximo do verbo dará a indicação de que funciona como argumento do verbo (complemento oblíquo/relativo), enquanto o constituinte «pela liberdade» funciona como um modificador/adjunto, podendo ser omitido da frase:
(3) «Combati contra José (pela liberdade).»
Se «pela liberdade» funciona como modificador/adjunto, terá um valor de causa, referindo a causa pela qual se combateu contra José.
Disponha sempre!
No vilancete camoniano “Descalça vai para a fonte”, no verso «vai fermosa e não segura», o constituinte «fermosa e segura» é classificado como predicativo do sujeito, o que confundiu os alunos, dado que o verbo ir seleciona complemento oblíquo, como no 1.º verso: «… vai para a fonte».
Agradecia a vossa explicação, porquanto as gramáticas que consultei não foram esclarecedoras.
Com efeito, o constituinte «fermosa e segura» pode ser considerado um caso de predicativo do sujeito selecionado.
Alguns verbos transitivos, em condições particulares, são usados num sentido existencial, o que desencadeia o aparecimento de um constituinte com a função de predicativo do sujeito. Como afirma Raposo, «[e]estes verbos têm características particulares que os aproximam dos verbos copulativos – nomeadamente o facto de se combinarem com um predicativo do sujeito obrigatório e, mais especificamente, o facto de esse predicativo poder ser um adjetivo. Contudo, não são verbos copulativos porque impõem restrições semânticas sobre o sujeito.»1
O autor acrescenta que verbos como passar (por), dar-se (por), sentir-se e viver são exemplos de verbos que se podem construir com predicativo do sujeito, como acontece em (1):
(1) «O João vive triste.»
Estes verbos ocorrem em simultâneo sem o constituinte predicativo, como acontece com o verbo viver em (2):
(2) «O João vive em Braga.»
A mesma situação ocorre com o verbo ir, que pode construir-se com complemento oblíquo (3) ou, tendo um valor existencial, com predicativo do sujeito selecionado (4):
(3) «Ela vai à fonte.»
(4) «Ela vai fermosa e segura.»
Disponha sempre!
1. Raposo et al., Gramática do Português. Fundação Calouste Gulbenkian, pp. 1344.
Cf.
A ambiguidade da palavra também pode ser explicada sintaticamente?
Partamos da frase: «João foi ao jogo.»
Nela, podemos incluir a palavra “também” com dois sentidos distintos:
1) Também João foi ao jogo = [além de José,] também João foi ao jogo
2) João foi ao jogo, também = João foi [à festa e] ao jogo, também
Sem contar opções mais ambíguas (quanto mais próximo ao verbo, maior a ambiguidade):
3) João também foi ao jogo – mais próxima ao exemplo 1, mas pode gerar ambiguidade
4) João foi também ao jogo – mais próxima ao exemplo 2, mas pode gerar ambiguidade
Todas as gramáticas e dicionários classificam o também como advérbio e adjunto adverbial «de adição» ou «de inclusão». Contudo, é interessante notar que:
a) no exemplo 1, o também adiciona uma informação ao sujeito;
b) no exemplo 2, o também adiciona uma informação ao objeto indireto.
Fenômeno análogo ocorre com o advérbio só, embora com diferenças, p.ex.:
1) Só João vai ao jogo = e ninguém mais vai com ele = referente ao sujeito => inequívoco;
2) João só vai ao jogo = (não faz mais nada = referente ao verbo) OU (não vai a mais nenhum lugar = referente ao objeto);
3) João vai só ao jogo = (não vai a mais nenhum lugar = referente ao objeto) OU (vai sozinho = adjetivo);
4) João vai ao jogo, só = (só isso acontece) OU (foi sozinho = adjetivo).
No entanto, no exemplo citado, o fenômeno não acontece com outros advérbios, como sempre e nunca:
– Sempre/nunca João vai ao jogo = João sempre/nunca vai ao jogo = João vai ao jogo, sempre/nunca = é o que ele sempre/nunca faz.
A variedade de sentidos aumenta em frase que usa verbo bitransitivo. P.ex., com também:
1) Também João deu um presente a Maria = outra pessoa também deu = referente ...
Para responder à questão colocada, é importante, antes de mais, que se recorde que os advérbios poderão associar-se ao verbo (ou sintagma verbal), ao adjetivo, ao advérbio ou ao substantivo, como se exemplifica de seguida:
(1) «Ele come lentamente.» (lentamente incide sobre o verbo comer)
(2) «Ele é pouco simpático.» (pouco incide sobre o adjetivo simpático)
(3) «Ele trabalha muito bem.» (muito incide sobre o advérbio bem)
(4) «Até o João sabe esta matéria.» (até incide sobre o substantivo João)
A associação do advérbio a uma dada palavra ou grupo de palavras é sinalizada por proximidade, ou seja, o advérbio coloca-se antes ou depois da palavra sobre a qual a sua ação incide. Este facto justifica a mobilidade de um advérbio na frase.
Atentemos agora no comportamento dos advérbios também e só, referidos pelo consulente.
O advérbio também, ao combinar-se com uma dada palavra/ grupo de palavras, associa-lhe o valor de inclusão num dado grupo. O advérbio também pode incidir tanto sobre substantivos como sobre verbos, como se observa nas frases seguintes, onde esclarece o valor que o advérbio traz à frase:
(5) «Também João foi ao jogo.» (inclui o João no grupo das pessoas que foram ao jogo)
(6) «O João foi também ao jogo (para além de ter ido ao cinema).» (acrescenta a ação de «ir ao jogo» a outras desenvolvidas pelo João)
Assim, como se pode observar, a diferença de significação entre as frases (1) e (2) está relacionada com a palavra/ grupo de pal...
«Amor de Perdição foi uma superprodução, com orçamento que hoje alcançaria cerca de um milhão de euros. Musicalmente, é evidência de uma rápida evolução. "Ficamos com a ideia de que ao terceiro filme o Armando Leça descobre como funciona a narrativa no cinema", diz Manuel Deniz Silva.»
A oração introduzida por como – «como funciona a narrativa no cinema» – como se classifica?
O constituinte «como funciona a narrativa no cinema» é uma oração subordinada interrogativa (indireta), que tem a função de complemento direto, o que se verifica pela possibilidade de substituição pelo pronome o / isto1:
(1) «Armando Leça descobre-o / isto.»
Trata-se, portanto, de uma oração subordinada completiva do verbo descobrir.
Note-se que, neste caso, como não é uma conjunção completiva, mas sim um advérbio interrogativo que funciona no interior da oração subordinada.
Será também possível classificar a oração em análise como uma oração subordinada relativa, uma vez que esta admite a introdução de um antecedente como modo/maneira:
(2) «Armando Leça descobre o modo como funciona a narrativa no cinema.»
Refira-se, todavia, que como não é habitualmente considerado um advérbio relativo pelas gramáticas tradicionais ou pelo Dicionário Terminológico, que também não o refere, pelo que o estudo destas orações em contexto escolar deverá ser evitado.
Disponha sempre!
1. Para mais informações, cf. Barbosa in in Raposo et al., Gramática do Português. Fundação Calouste Gulbenkian, pp. 1834-1837.
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