Histórias do Português do Brasil (2022), uma publicação a cargo da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, é dedicada à discussão de fenómenos linguísticos característicos do português brasileiro (PB). Esta edição é organizada por Hélcius Batista Pereira e Marcelo Módolo e reúne trabalhos de investigação que abordam diferentes «vertentes do pensamento acerca da linguagem e dialogam com materiais já publicados pelos próprios autores» (página 11).
Em termos estruturais, esta obra está organizada em três secções: uma primeira parte dedicada a análise sociolinguística do PB; uma segunda que se debruça sobre análises gramaticais e uma terceira que incluiu estudos filológicos.
Na primeira secção, destaca-se o texto «O uso de formas pronominais de segunda pessoa em função sintática de não sujeito no português brasileiro: comparação de duas sincronias», de Fernanda Favaro Bortoletto e André Antonelli, que apresenta um estudo sobre o uso dos pronomes de segunda pessoa em função gramatical de não sujeito no PB. Através da análise de textos de dois corpora, o Projeto Norma Linguística Urbana Culta do Rio de Janeiro (NURC-RJ) da década de 70 e o corpus do Programa de Estudos sobre o Uso da Língua (PEUL) da década 90, comprovou-se que os fenómenos de queda dos pronomes clíticos passou por mudanças ao longo das duas décadas, nomeadamente, o pronome lhe (3.ª pessoa) e te (2.ª pessoa). Nas duas décadas em análise, observou-se que as formas pronominais foram apresentando uma preferência de natureza semântica pessoal ao invés da impessoal. Salienta-se ainda o artigo «A pressão da norma sobre o uso dos demonstrativos: o caso dos resumos de teses», de Juliana Paula dos Santos, que discute o pressuposto da ausência de um padrão para o uso dos demonstrativos em géneros textuais específicos, como o resumo de tese. Pesquisas recentes apontam para que, no sistema pronominal do PB, o pronome esse assuma as funções normalmente atribuídas a este, sendo que a generalização do uso deste pronome em PB entra, muitas vezes, em choque com a pressão normativa que distingue as funções referenciais de este e esse.
Na segunda parte, ressalta-se o estudo «“Pronto falei” sob a abordagem multissistêmica da língua», de Gabriel Pecuch e Hélcius Batista Pereira, que, partindo da perspetiva que a língua é constituída por subsistemas diferentes que são organizados por um sistema sociocognitivo central e de base mentalista, observa os usos da expressão “pronto falei”. A partir da análise de textos do Facebook, constata-se que “pronto falei” se tornou uma expressão fixa, assumindo funções de um marcador discursivo, utilizado como encerramento ou introdução de um tópico. Nesta secção, destaca-se também o texto «Funcionamento e emergência da construção [embora que]: um estudo pancrônico», de Kátia Roseane Cortez dos Santos, que apresenta um estudo realizado à luz das hipóteses teóricas do funcionalismo e que trata as unidades linguísticas como união de forma e de significado. Nesta investigação, demonstrou-se que atualmente a construção «embora que» partilha traços de forma e significado com construções concessivas como «ainda que» e «mesmo que», devido à presença do que na construção.
Por último, na terceira parte, salienta-se o artigo «O lugar da vírgula em um manuscrito setecentista», de Maria de Fátima Nunes Madeira, onde se apresenta a tradição gráfica administrativa colonial portuguesa em comparação com os estudos que já analisaram a sua relação com o que se conhece sobre a história do português do século XVIII. A partir de análises realizadas sobre o emprego das vírgulas pelo escrivão da carta régia de 1755, constatou-se que no século XVIII não eram utilizados argumentos baseados na pausa para a respiração como justificativa para a utilização da vírgula, mas antes relacionados com normativas sintáticas e textuais.
Em síntese, os trabalhos reunidos nesta publicação oferecem ao seu leitor um conjunto importante de perspetivas sobre a evolução do PB, podendo ser um contributo interessante para quem se interessa pela história da língua e a sua evolução.
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