O filólogo Cândido de Figueiredo publicou em 1908 a obra A ortografia no Brasil. História e crítica1, com a chancela da Livraria Clássica Editora. Trata-se de uma publicação que aborda a questão da reforma ortográfica proposta por José Medeiros e Albuquerque, votada pela Academia Brasileira em 1907, um documento que propunha abolir a ortografia de base etimológica que vigorava no país.
Como se anuncia no subtítulo, o livro divide-se em duas grandes partes: a primeira relativa à História da reforma ortográfica de José Medeiros e Albuquerque e uma segunda que constitui um Ensaio de crítica.
No capítulo dedicado à História, Cândido Figueiredo descreve detalhadamente a polémica que se gerou, em 1907, como base no projeto de reforma ortográfica apresentado por um conjunto de académicos, dando conta, de forma detalhada, dos argumentos que foram apresentados por vários intervenientes na calorosa discussão que se gerou.
Na segunda parte, intitulada Ensaio de crítica, o autor analisa criticamente a proposta de Medeiros e Albuquerque, referindo também a importância que o dicionário de língua portuguesa de sua autoria poderá ter para a discussão em curso. Dedica ainda um capítulo à discussão da proposta de utilização do grafema <z> na grafia de nomes como Brasil. Esta secção reúne ainda vários capítulos nos quais Cândido de Figueiredo responde a críticas de diversas figuras, entre as quais o deputado brasileiro Afonso Costa, o escritor brasileiro Xavier Marques e Carlos de Laet, «o mais temível adversário da simplificação ortográfica» (p. 163), nas palavras do autor.
A ortografia no Brasil. História e crítica é uma obra que constituiu um contributo crítico para a tentativa de acordo ortográfico entre a Academia Brasileira de Letras e a Academia de Ciências de Lisboa. Uma polémica começada logo em 1907, como trata no primeiro capítulo do livro Cândido de Figueiredo, e consumada com a reforma ortográfica unilateral de 1911, por parte de Portugal (Cf. Textos Relacionados, ao lado). Neste contexto, a obra mantém-se atualmente como um interessante registo histórico de toda a polémica que rodeou a primeira tentativa de reforma ortográfica no Brasil.
A propósito do ambiente que se viveu, Cândido Figueiredo afirmou:
«Ao passo que os médicos discutem medicina, os astrónomos astronomia, os espiritistas espiritismo, os economistas economia, — a ortografia é discutida por toda a gente, tout le monde et son père.
Daqui o vermos entre os litigantes pessoas excelentes, que não possuem a menor noção do problema ortográfico, que da língua portuguesa conhecem os jornaes e dois ou tres livrecos e que, acreditando piamente na infalibilidade de quem os doutrinou em primeiras letras, alegam e argumentam com uma gravidade digna de melhor causa:
— Eu cá... nunca vi aquilo. O que me ensinaram é o que é. Nada de reformas, e vamos andando. —» (p. 126).
Ontem como hoje, a ortografia desperta paixões e todos se julgam competentes para sobre ela ajuizar.
1. A obra encontra-se disponível em linha aqui.
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