Num dos títulos da página 2 do Jornal de Angola de 26 de Agosto p.p. havia um erro de lógica: «Leis eleitorais são aprovadas na 4.ª feira».
Errado porque, de antemão, só se sabe que as leis serão votadas, não que serão aprovadas, mesmo que a probabilidade de aprovação seja grande.
Do mesmo modo, em jornalismo não se deve publicar uma notícia com o título “Amanhã, grandiosa manifestação”, como acontecia em Angola, pelo menos décadas atrás, antes da “Angolostroika” (91/92). A notícia devia ser titulada assim: «Amanhã, manifestação convocada». Se vai ser grandiosa ou não, só depois de ocorrida se saberá.
Uma coisa é um erro de linguagem, jornalística ou não; outra coisa é criatividade linguística. A propósito desta, os brasileiros inventaram, entre muitos outros, um vocábulo útil e sugestivo, que é o verbo antenar. Eles dizem «estou antenado num emprego do ramo hoteleiro», quando querem dizer «estou recetivamente atento às oportunidades de oferta dum emprego do ramo hoteleiro …». Pode dizer-se que esta frase está construída segundo o português do Brasil (variedade brasileira da língua portuguesa).
Agora em Portugal (a moda parece que já chegou a Angola...) os treinadores e jogadores de futebol inventaram o verbo focar e o substantivo foco. Estas palavras já existiam mas agora ganharam sentido metafórico. Dantes dizia-se «vou concentrar-me em …». Agora dizem aqueles e não pouca gente por imitação «o meu foco é …», «estou focado em …». Se o uso se generalizar e for dicionarizado, poderá vir a dizer-se que esta frase está construída segundo o português europeu.
As línguas são dinâmicas comportando-se de modo muito semelhante aos seres vivos, como fazem notar muitos linguistas. Os neologismos podem ser enriquecedores para a linguagem, mesmo que seja só para realçarem, metaforizarem ou abreviarem expressões ou frases.
A língua inglesa, por exemplo, sendo certamente a mais influente no universo das línguas étnicas, está provavelmente entre as mais mutantes e porosas, inclusive no tocante a neologismos, tanto técnicos como vulgares. Por exemplo, antes da era dos computadores, hardware significava «equipamento» em sentido industrial ou outro (v.g., alfaias agrícolas). Com a chegada dos computadores, o hardware passou a designar, principalmente, o equipamento informático; foi então criado o termo software, por contraste, para designar os «programas informáticos».
Exemplo análogo, ainda em inglês… Empregar dizia-se employ ou recruit, e despedir dizia-se dismiss. Hoje, metaforicamente, mas já enraizadamente, usa-se com frequência, nos mesmos sentidos, respetivamente, hire e fire, que, à letra, significariam «alugar» e «balear, alvejar ou atingir com arma de fogo». O hire chegou primeiro e o fire veio depois, com certeza por simpatia fonética e rímica.
Outra metáfora, já de uso corrente, é o imperativo freeze, que significa, em determinado contexto, «imobiliza-te completamente, como se estivesses transformado num bloco de gelo». Nos EUA já morreram estrangeiros baleados (um deles japonês, desconhecedor deste termo da gíria policial) porque, vindo a correr, não pararam à ordem do freeze dada por um agente da polícia.
Outro caso é o vocábulo trabalho, oriundo de tripaliu(m), que designa em latim um instrumento de tortura vindo do tempo dos Romanos ou mesmo de antes disso e em uso ainda na Idade Média. O trabalhador medieval (no caso do trabalho rural, o servo da gleba, com um status idêntico ao dos escravos) dizia metaforicamente «vou para o tripálio», em sentido metafórico ou irónico, quando queria dizer «vou para o meu trabalho, que me dói tanto como o instrumento de tortura conhecido por tripálio».
Nas línguas românicas (português, espanhol, catalão, francês, etc.), o vocábulo trabalho (trabajo, travail) sobrepôs-se a labor ou lavor, vocábulos estes de origem latina (labor[em]), embora o adjetivo concernente seja laboral (no português do Brasil, porém, diz-se «Direito trabalhista» e, no português europeu, diz-se «Partido Trabalhista» como tradução do partido inglês Labour).
Texto adaptado de um comentário do autor para advogados estagiários em Angola, no quadro dum patrocínio de estágios – vertente: terminologia e retórica forenses.