« (...) Que o português da malta da TV importe (via Brasil, pagando duas vezes direitos alfandegários linguísticos) uma pronúncia inglesa para uma palavra latina já é (como a outra dizendo saine die) idiotice de mais. (...)»
Sérgio de Andrade publicou ontem no JN uma excelente crónica acerca dos papagaios de TV que pronunciam “Éme Ai Ti”, “Efe Bi Ai” e “Ci Ai Ei”, em vez de MIT, FBI e Cia, com o que hão-de aforicamente sentir-se como se estivessem na CNN (na “Ci Ene Ene”) ou na CBS (na “Ci Bi Esse”). Aproveitando a deixa, não resisto a juntar-lhe um capítulo sobre a palavra “media”, que o jornalismo televisivo up to date (“âpe tu deite”) pronuncia (e escreve, pois alguma dessa gente sabe escrever), “mídia”, ora dizendo e escrevendo “os mídia” ora até, em pindérico “brasileirês”, “a mídia”.
O curioso é que o inglês foi buscar a palavra ao latim, e o português, língua latina, a importou depois do inglês. Até aqui tudo bem, pois as línguas são seres essencialmente mutantes e intercomunicantes. Media é o plural latino do neutro médium, que significa «meio». Os media são, simplificadamente, o conjunto dos diferentes meios ou suportes de comunicação social.
Compreende-se que, na fonética específica do inglês, “media” se leia “mídia”. Que o português da malta da TV importe (via Brasil, pagando duas vezes direitos alfandegários linguísticos) uma pronúncia inglesa para uma palavra latina já é (como a outra dizendo saine die) idiotice de mais.
Cf. Ouvir ainda a explicação da linguista Margarita Correia no programa Língua de Todos, na RDP África do dia 24/11/2019, aqui (13´44'' – 18'36'').
Crónica do jornalista e escritor Manuel António Pina (1943 – 2012) publicada originalmente no Jornal de Notícias de 18 de outubro de 2006, transcrita do livro do autor Por Outras Palavra & Mais Crónicas de Jornal (Modo de Ler – Editores e Livreiros, Porto, 2010). Escrita segundo a norma ortográfica de 1945.