«(...) o sistema de ensino em Portugal não tem ainda as ferramentas necessárias para lidar com a visão de uma língua pluricêntrica. (...)»
A geografia condiciona a variação linguística, ou seja, fala-se de forma diferente consoante a proveniência. É por isso natural que uma língua como o português, que é falado em diferentes países e continentes, tenha uma enorme variação.
A língua portuguesa é atualmente oficial de nove países e da Região Administrativa Especial de Macau. Possui duas normas linguísticas nacionais, a brasileira e a portuguesa, descritas e codificadas através de dicionários, gramáticas, e outros. Possui duas normas nacionais emergentes, a angolana e a moçambicana, mas ainda não codificadas nem assumidas explicitamente pelas suas autoridades, o que faz com que na prática não possam ainda ser ensinadas de forma coerente.
A política linguística, quer a nível nacional, quer supranacional, através do IILP, tem reforçado a consagração do pluricentrismo do português, por oposição ao secular bicentrismo Brasil-Portugal.
Porém, o sistema de ensino em Portugal não tem ainda as ferramentas necessárias para lidar com a visão de uma língua pluricêntrica.
É certo que os programas de português língua materna há muito contêm a referência à variação geográfica do português, interna e externa, referindo explicitamente a variação entre o português europeu e o português do Brasil, perpetuando a ideia de uma língua bicêntrica. A não existência de materiais descritivos e de codificação disponíveis para as outras variedades nacionais da língua impede a sua abordagem em sala de aula e dão força ao mito de que nos países africanos de língua portuguesa e e, Timor se fala português europeu.
O ensino não se faz apenas de programas, mas também de professores, que são seres sociais e, como tal, permeáveis às ideias e até preconceitos dominantes, com maior ou menor sentido crítico. É por isso frequente, em todos os níveis de ensino, o uso da variedade brasileira não ser aceite em contexto escolar e os alunos serem obrigados a adotar a norma portuguesa.
Aos professores nunca foi transmitido, por quem pode e deve, como lidar com a variação nacional do português, como aplicar em sala de aula as políticas linguísticas definidas em gabinetes e no plano supranacional.
Falta informação em geral e falta formação dos professores para a variação e, sobretudo, diretivas claras sobre como agir em relação a estas questões.
Nenhuma casa se constrói a partir do telhado. Definido o projeto, importa agora ensinar a construir os alicerces de uma cidadania em língua portuguesa, na qual todos os seus falantes se sintam bem-vindos.
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