Quem mora ou passa por Lisboa é quase certo que já se cruzou com o nome Mouraria, designação atribuída a um «bairro nos arrabaldes de uma povoação, onde, antigamente, habitavam os mouros» (Dicionário da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa). Depois da conquista da cidade de Lisboa por D. Afonso Henriques, em 1147, os mouros que permaneceram no então território português foram morar para uma zona da cidade que acabou por ficar conhecida por mouraria. Ainda hoje, uma das principais características do bairro da Mouraria é o seu multiculturalismo e o acolhimento de comunidades provenientes da China, da Índia, do Bangladesh, do Paquistão, entre outros países. Mas, afinal quem são os mouros e que marcas deixaram na língua portuguesa?
A palavra mouro está registada nos dicionários com a designação de «natural ou habitante do Norte de África» (Infopédia). É igualmente usada para referir os grupos de origem berbere norte-africana ou de proveniência árabe que ocuparam a Península Ibérica entre os séculos VIII e XV. Como estas populações seguiam maioritariamente o Islão, o termo acabou por se confundir com a referência a qualquer muçulmano, ao ponto de mouro poder significar «relativo ou pertencente aos muçulmanos» (Dicionário da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa). Os resultados desta ocupação são atualmente visíveis em alguns traços arquitetónicos, sobretudo nas regiões do Alentejo e do Algarve, mas também em marcas linguísticas visíveis, nomeadamente, no campo lexical. Existem, hoje, no português, termos relativos à cozinha, aos alimentos, ao comércio, à agricultura, às ciências, às artes, entre outros, que provêm desta influência moura. Do conjunto de línguas faladas pelos muçulmanos, aquela que mais influência teve no português terá sido o árabe. De acordo com o artigo “Influência Árabe na Evolução da Língua Nacional”, disponível no dicionário em linha Infopédia, o número de palavras árabes no português ronda, nos dias de hoje, as seis centenas.
Entre o léxico de origem árabe presente na língua portuguesa predominam os nomes, seguidos de adjetivos. Muitos falantes nem se apercebem que alguns destes termos têm origem árabe como, por exemplo, fulano, utilizado para referir uma pessoa «cujo nome não se conhece ou não se quer mencionar» (Infopédia), cenoura, referente a uma planta cultivada devido ao valor nutritivo da sua raiz comestível, ou garrafa, relativo a um «recipiente para conter líquidos» (Dicionário da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa). No entanto, há também vocábulos que facilmente se identificam como tendo origem neste idioma como, por exemplo, algarismo, designação atribuída a «cada um dos sinais gráficos com que se representam os números» (Infopédia), alguidar, que define um «recipiente mais largo que alto e cuja boca tem muito maior diâmetro que fundo» (Priberam), ou ainda azulejo, termo que significa «placa de cerâmica, pintada e vidrada numa das faces, utilizada no revestimento das paredes» (Infopédia).
Contudo, esta influência não se limita apenas ao léxico, alargando-se também à toponímia e à antroponímia. Não será novidade nenhuma que o nome Algarve, nome da região mais a sul de Portugal continental, é de origem árabe. Também localidades como Loulé, Almeirim ou Albufeira derivam diretamente da toponímia árabe. Para além disso, nomes próprios como Fátima têm igualmente origem nesta língua.
No fundo, ao contrário do que muitas vezes se pensa, a língua portuguesa é o resultado do contacto entre diferentes comunidades e culturas. Apesar de a sua origem ser o latim vulgar, não se pode ignorar que o português moderno sofreu influências de outras línguas que eram faladas por grupos etnolinguísticos que, tal como os romanos, marcaram o território que é hoje Portugal, como foi o caso dos mouros e da língua árabe.