« (...) Não faltam para aí lamentos chorudos e denúncias estridentes sobre a ligação entre o desuso do ponto final e o fim da civilização. (...)»
Eis um tweet de Rhiannon Lucy Cosslett que ela depois apagou: «Pessoas mais velhas: compreenderão que acabar uma frase com um ponto final num email/chat é lido como abrupto e antipático (unfriendly) pelas pessoas mais novas? Estou genuinamente curiosa.»
Bem sei que ainda é Agosto e que todas as oportunidades para nos indignarmos são bem-vidas. É tentador preencher esta crónica com um elogio ao ponto final que eu adoro e ao qual devo muito.
Não faltam para aí lamentos chorudos e denúncias estridentes sobre a ligação entre o desuso do ponto final e o fim da civilização. Não sei se será por ai que eu irei. Pelo contrário: a curiosidade de Cosslett parece-me não só genuína como saudável.
A pior coisa que pode acontecer à pontuação não é a mudança, é a indiferença. Aquilo que aconteceu, por exemplo, no declínio acelerado do ponto e vírgula e do ponto de exclamação [e] dos seus significados. Caíram simplesmente em desuso, considerados excessivos por uma sensibilidade cada vez mais monocórdica e simplificada.
Cosslett não estava a querer extinguir o ponto final – estava a querer redefini-lo de acordo com a maneira como é usado por gerações diferentes. É um objetivo tradicional, interessante e útil.
Se em mails, SMS e chats o período ficar com pontuação violenta, de poucos amigos, então poderemos usá-lo como tal. Convém sempre relembrar Wittgenstein: o significado (duma palavra, dum ponto de final) é a maneira como se usa. Isso, e o facto de as pessoas mais velhas morrerem mais depressa.
Crónica do escritor Miguel Esteves Cardoso, incluída na edição de 26 de agosto de 2020 do jornal Público (mantém-se a ortografia seguida pelo texto original).